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domingo, 10 de outubro de 2021

Filhos da liberdade - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Numa época em que o pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório, a voz de um atleta levantou um movimento inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia

Um dos eventos mais marcantes da história política norte-americana foi a crise dos mísseis cubanos (retratada no brilhante filme Treze Dias que Abalaram o Mundo). Foi quando os líderes dos Estados Unidos e da União Soviética se envolveram em um tenso impasse político e militar em outubro de 1962 sobre a instalação de mísseis soviéticos com armas nucleares em Cuba, a pouco mais de 140 quilômetros da costa dos EUA.

Em um discurso na TV em 22 de outubro de 1962, o presidente John F. Kennedy notificou os americanos sobre a presença dos mísseis, explicou sua decisão de decretar um bloqueio naval em torno de Cuba e deixou claro que os EUA estavam preparados para usar força militar, se necessário, para neutralizar qualquer ameaça à segurança nacional. Depois dessa notícia, muitas pessoas temeram que o mundo estivesse à beira de uma guerra nuclear. No entanto, o desastre foi evitado quando os Estados Unidos concordaram com a oferta do líder soviético Nikita Khrushchev de remover os mísseis cubanos em troca da promessa dos americanos de não invadir Cuba e de retirarem seus mísseis da Turquia

 Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock


Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

O que muitos não sabem é a história por trás desse episódio, agora retratada em The Courier, outro excelente filme produzido no ano passado. O Espião Inglês, como foi lançado no Brasil, conta a história real de Greville Wynne, um empresário britânico que ajudou o MI6, a agência britânica de Inteligência, a penetrar no programa nuclear soviético durante a Guerra Fria. Wynne e sua fonte no governo soviético, Oleg Penkovsky, forneceram aos americanos informações cruciais que encerraram exatamente a crise dos mísseis cubanos na administração de JFK na Casa Branca.

Sem maiores spoilers, há uma cena em que Wynne e Penkovsky conversam sobre a excepcionalidade do que estão dispostos a fazer, avisar os americanos sobre os detalhes de todo o esquema dos mísseis soviéticos em Cuba. Sentados à mesa em um falso almoço de negócios, eles conversam sobre os grandes riscos do trabalho de espionagem e a esperança de evitar uma possível tragédia nuclear, quando Penkovsky diz ao britânico: “Talvez sejamos apenas duas pessoas. Mas é assim que as coisas mudam”.

A cena imediatamente veio à minha mente diante do fato esportivo que chamou minha atenção nesta semana. Numa época em que o pagamento de pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório para atletas e celebridades, e questionar virou sinônimo de “ameaça à democracia”, uma voz levantou um movimento totalmente inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia. Jonathan Isaac, jogador do Orlando Magic, emergiu como um convincente defensor dos sagrados princípios da liberdade, do bom senso e da decência cívica tão presentes no DNA da América. Isaac se posicionou contra o passaporte vacinal obrigatório, como uma voz da razão contra a mídia e o establishment que desprezam e rotulam os não vacinados como anticientíficos. Na verdade, as entrevistas de Isaac ressaltam quão anticientífico o discurso sobre a covid se tornou: “Todos devem ser livres para tomar decisões por si próprios”, disse ele, acrescentando que acredita que o governo “está estabelecendo um precedente em que, à luz de qualquer emergência, sua autonomia pessoal, sua liberdade religiosa e, honestamente, sua liberdade como um todo tornam-se negociáveis”.

A revista Rolling Stone logo tratou de publicar uma entrevista com Isaac tentando retratá-lo como “mais um contra as vacinas”. Apesar de ter apenas 24 anos, Isaac tem se mostrado extremamente maduro e preparado, e, logo após a publicação da revista, rebateu: “Não sou antivacina”. “Não sou antimedicamento. Não sou anticiência. Não cheguei ao meu estado atual de vacinação estudando a história dos negros ou assistindo às coletivas de imprensa de Donald Trump. Tenho o máximo respeito por todos os profissionais de saúde e pessoas que trabalharam incansavelmente para nos manter seguros. Minha mãe trabalha na área de saúde há muito tempo. Sou grato por viver em uma sociedade em que as vacinas são possíveis e temos os meios para nos proteger. Mas, dito isso, minha convicção é que o status de vacinação de cada pessoa deve ser sua própria escolha, sem intimidação, sem ser pressionado ou coagido a fazê-lo. Não tenho vergonha de dizer que não estou confortável em tomar a vacina nesse momento. Acho que somos todos diferentes. Todos nós viemos de lugares diferentes, tivemos experiências diferentes e nos preocupamos com diferentes crenças. E o que você faz com o seu corpo quando se trata de colocar medicamentos nele deve ser uma escolha pessoal, livre do ridículo e da opinião dos outros.”

Não pense que Jonathan Isaac parou por aí. Ele foi muito além e trouxe o que muitos, inclusive milhares de médicos lobistas das big pharmas, tentam esconder — a imunidade de quem passou pela doença: “Já tive covid no passado, e, portanto, nossa compreensão dos anticorpos, da imunidade natural mudou muito desde o início da pandemia e ainda está evoluindo”, afirmou. “Entendo que a vacina poderia ajudar a ter menos sintomas se você contrair o vírus. Mas, tendo passado e tendo anticorpos, com a minha faixa etária e nível de aptidão física, uma reinfecção não é necessariamente um medo que tenho. Tomar a vacina, como eu disse, diminuiria minhas chances de ter uma reação grave, mas me abre para a possibilidade de ter uma reação adversa à própria vacina. Você ainda pode pegar covid com ou sem a vacina. Eu diria honestamente que a loucura de tudo está em não sermos capazes de dizer que isso deveria ser uma escolha justa de cada um, sem ser rebaixado ou considerado maluco. Há algumas das razões pelas quais estou hesitante em tomar a vacina nesse momento. Mas, no fim, não acho que há motivo para alguém dizer ‘É por isso’ ou ‘Não é por isso’ para que alguém tome ou não. Isso deve ser apenas uma decisão de cada um. E amar o próximo não é apenas amar aqueles que concordam com você, se parecem com você ou agem da mesma maneira que você.”

Jonathan Isaac mostra que está em uma posição totalmente razoável para ser assumida, e que é abandonada por muitos por medo, bullying ou simplesmente pela prostituição intelectual. Ele está na casa dos 20 anos, tem imunidade natural e está fisicamente mais saudável do que qualquer pessoa de sua idade. Na verdade, durante todo o curso da pandemia, o número total de pessoas entre 15 e 24 anos (faixa etária de Isaac) que morreram de covid nos EUA, um país com 330 milhões de pessoas, é de 1.372: menos do que o número de mortes por pneumonia não associada à covid para o mesmo grupo etário.

E como muitos exemplos de coragem na história, Jonathan Isaac quebrou o canto da atual sereia dos burocratas que, de suas salas em algum prédio com o metro quadrado mais caro de Washington, Berlim ou Bruxelas, decidem a sua vida por você, sem que você possa apresentar nenhum questionamento. Tome a vacina e cale a boca, fascista. Isaac provocou um efeito dominó sem precedentes na espiral de silêncio da NBA. Draymond Green, do Golden State Warriors, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets, também decidiram levantar a voz, com calma, razão e tolerância em meio a um pânico moral sobre as vacinas contra a covid, empurradas implacavelmente pela mídia corporativa, por lobistas e políticos.

Green falou em nome de milhões pelo mundo durante uma coletiva de imprensa na semana passada, quando disse que o debate sobre a picada contra a covid “se transformou em uma guerra política” e que, com decisões médicas como tomar a vacina, “você tem de honrar os sentimentos das pessoas e suas próprias crenças pessoais. Forçar as pessoas a tomar a vacina vai contra tudo o que a América defende”. Draymond Green, assim como a maioria dos jogadores da NBA, optou por tomar a vacina contra a covid, mas Green entende o que muitos jornalistas aparentemente fazem questão de não entender, que receber ou não a vacina deve ser um assunto privado, assim como qualquer outra decisão médica, e que ninguém deve ser coagido a isso.

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia

Outro atleta da NBA que decidiu se pronunciar foi Bradley Beal, do Washington Wizards. Beal também parece ter uma compreensão mais firme da liberdade de consciência e expressão do que toda a imprensa que o atacou repetidamente por sua hesitação em se vacinar por motivos pessoais. “Uma coisa que quero deixar clara é que não estou aqui defendendo ou fazendo campanha ‘Não, você não deveria tomar essa vacina’”, disse Beal, depois de lhe perguntarem sobre a eficácia das vacinas. “Não estou dizendo que são ruins. Não estou aqui dizendo que você não deveria tomá-las, mas que é uma decisão pessoal de cada indivíduo. Tenho o direito de manter essa decisão comigo ou com minha família e gostaria que todos respeitassem isso.”

Em 2020, quando jogadores negros famosos e milionários da NBA, vestidos com camisas do grupo Black Lives Matter, se ajoelharam durante o hino norte-americano contra o “racismo sistêmico” na América, Jonathan Isaac, negro, permaneceu de pé e disse que “ajoelhar ou vestir uma camiseta não era resposta para nada”, que “as vidas dos negros e todas as vidas eram sustentadas pelo Evangelho” e que apenas com a união de todos muitos problemas seriam confrontados, não apenas o racismo. O atual efeito cascata de vozes que se levantam para a defesa inviolável da verdade e da liberdade médica, iniciado pela bravura de Jonathan Isaac, parece que não vai parar. Atletas da NFL — a liga profissional de futebol americano — começaram a se portar publicamente contra o passaporte sanitário e a obrigatoriedade da vacina.

Jonathan Isaac permanece de pé durante hino norte-americano - 
Foto: Reprodução

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia. Homens com princípios basilares que viveram através de séculos por causa de seus legados. Princípios que podem transcender gerações, porque eles são maiores que elas. São a sobrevivência da civilização ocidental. Princípios que vencem regimes totalitários e seus ditadores, que derrubam muros e evitam crises nucleares.

Jonathan Isaac não é nenhum espião treinado para combater forças ocultas dos inimigos de seu país, mas seu espírito simboliza o significado do hino de sua nação — ainda pilar da liberdade no mundo —, sustentada por homens de valores inegociáveis: Land of the free because of the brave. Às vezes, não são necessárias nem duas pessoas para que algo mude. Uma apenas basta. Criem seus filhos para serem como Jonathan Isaac.

Leia também “Ciência, ciência e silêncio”

Ana Paula Henkel, colunista -  Revista Oeste

 [Nota do Blog Prontidão Total: em respeito ao direito à informação aos nossos dois leitores transcrevemos a excelente matéria da colunista Ana Paula Henkel, ao tempo que expressamos nossa posição favorável às vacinas - seja os imunizantes contra a COVID-19 ou os mais antigos, tradicionais.]


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Qual o tamanho da 'pólvora' do Brasil? Comparamos o poderio com o dos EUA; americanos têm 5.800 armas nucleares [usem uma que seja e a Amazônia estará perdida por dezenas e dezenas de anos.]

O Estado de S. Paulo

Maior potência militar do planeta, EUA investem US$ 750 bilhões em Defesa; no Brasil, valor é de US$ 27,8 bilhões; americanos têm 5.800 armas nucleares

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro dizer que "quando acaba a saliva, tem que ter pólvora" em referência ao presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, o Estadão fez um comparativo do poderio militar entre as duas nações. O presidente brasileiro é um dos líderes mundiais que ainda não reconheceu a vitória de Biden - ao seu lado estão nomes como o russo Vladimir Putin, o chinês Xi Jinping e o norte-coreano Kim Jong-Un

"Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizer que se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que nós podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, né, Ernesto (Araújo, chanceler). Porque quando acabar a saliva, tem que ter pólvora, se não, não funciona. Precisa nem usar a pólvora, mas precisa saber que tem", afirmou Bolsonaro em evento na terça à tarde. 

Horas depois da declaração do presidente, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, publicou em seu Twitter um vídeo exaltando o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. 

De acordo com o ranking realizado pelo site Global Firepower, os EUA investem US$ 750 bilhões em Defesa. No Brasil, o investimento estimado é de US$ 27,8 bilhões, em uma diferença que se traduz em números, estrutura, força e capacidade de projeção de poder. Os EUA detêm cerca de 5.800 armas nucleares - o Brasil não tem nenhuma. Os americanos têm cerca de 715 caças de combate, enquanto o Brasil tem 78. As Forças Armadas dos EUA têm ainda 5.768 helicópteros e 6.289 tanques - por aqui, são 242 e 437, respectivamente. 

Ainda por terra, os EUA têm 39.253 veículos blindados de combate e 1.366 lançadores de foguete - no Brasil, são 1.820 e 84. No mar, os EUA têm 20 porta-aviões, 91 destroyers e 66 submarinos. O Brasil não tem nenhum porta-avião, nenhum destroyer e seis submarinos. "As duas únicas forças armadas no mundo que conseguiriam se contrapor um pouco às Forças Armadas dos EUA seriam a China e Rússia", explica Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM e especialista na área de segurança e defesa. "A capacidade e a organização das Forças Armadas dos EUA estão num patamar tão, mas tão elevado, que nenhuma outra no mundo consegue chegar perto".

[indiscutível que os EUA possuem um poder militar imenso comparado com o do Brasil.

As forças militares do Brasil, para ações invasoras, são mínima, possuindo capacidade para invadir poucas nações - e desde que próximas do Brasil.

Só que o palco dessa hipotética guerra - tem tudo para ser mais uma 'batalha de Itararé' ´o Brasil sendo invadido = o francês demonstrou interesse em invadir a Amazônia e o Biden em aplicar sanções. Assim, o Brasil está na posição de nação a ser invadida e os demais países, no caso presente os EUA, de invasor.

O que o Brasil possui em termos de Forças Armadas, aliado as condições do teatro de  operações, nos deixa em posição privilegiada - seja para nos defendermos dos fuzileiros, ou de qualquer outra unidade de elite.

É mera tentativa de apavorar incautos cogitar do uso de armas nucleares.]

Mourão minimiza declaração de Bolsonaro sobre ‘pólvora’: ‘Aforismo antigo’

Vice-presidente avaliou que pronunciamento do presidente não causa consequências negativas para a relação entre Brasil e Estados Unidos; general negou atrito com Bolsonaro

O vice-presidente Hamilton Mourão disse nesta quarta-feira, 11, que a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre usar "pólvora" para proteger a Amazônia é uma referência a um "aforismo antigo". Mourão evitou entrar em mais detalhes sobre o discurso dessa terça-feira, 10, do presidente. Ele avaliou, contudo, que a fala de Bolsonaro não deve causar consequências às relações com os Estados Unidos.

"Acho que ele se referiu a um aforismo antigo que diz que quando acaba a diplomacia entram os canhões, foi isso que ele se referiu”, afirmou na chegada à vice-presidência. Ontem, em evento no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que "quando acaba a saliva tem que ter pólvora", ao citar possíveis sanções econômicas dos Estados Unidos ao Brasil caso o desmatamento na Amazônia não seja controlado.

"Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizendo que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele vai levantar barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas pela diplomacia não dá", declarou Bolsonaro nesta terça, sem citar o nome de Joe Biden.  

O governo brasileiro é um dos poucos que ainda não se pronunciaram sobre a vitória do democrata nas eleições americanas. Aliado de Donald Trump, Bolsonaro aguarda o fim das ações judiciais movidas pelo atual presidente americano, que ainda não admitiu derrota.Questionado se a fala de Bolsonaro poderia trazer consequências para a relação diplomática com os EUA, uma vez que o Brasil ainda não reconheceu a vitória de Biden, o vice-presidente minimizou o ocorrido e pediu calma. "Não causa nada. Isso aí tudo é figura de retórica, vamos aguardar, dê tempo ao tempo", disse Mourão.

Mourão x Bolsonaro
O vice-presidente também colocou panos quentes na relação com Bolsonaro e negou que não estejam conversando. "Eu falei com o presidente na segunda-feira, pô. Vocês não viram na cerimônia que estávamos os dois lado a lado conversando?", perguntou aos jornalistas. Na segunda, 9, os dois estiveram juntos em evento no Planalto relacionado ao Programa Pátria Voluntária.

Na conversa com a imprensa nesta quarta, Mourão citou ainda que tem uma relação "ética e de lealdade" com o chefe do Executivo. O distanciamento entre o vice-presidente e Bolsonaro foi exposto, contudo, pelo próprio presidente. Na segunda-feira de noite, Bolsonaro disse em entrevista à emissora CNN Brasil que não estava falando com Mourão sobre "qualquer assunto".

O chefe do Planalto deu a declaração ao comentar fala de Mourão, que afirmou que "na hora certa" o Brasil iria cumprimentar o novo eleito para presidente nos Estados Unidos. "O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele", disse Bolsonaro à CNN. [dizer que não está falando com uma pessoa sobre qualquer assunto, significa apenas que não está falando com a pessoa - tão óbvio que Mourão preferiu não perder tempo explicando o óbvio.

Declarar que Mourão tem a posição dele é apenas uma forma respeitosa de reconhecer o direito que cada ser humano tem de ter uma opinião.]

Sobre a fala, Mourão adotou ontem uma postura pacificadora e se limitou a comentar que a sua visão é que o Bolsonaro está "aguardando" para se pronunciar sobre o resultados das eleições nos EUA.

Política - O Estado de S. Paulo


terça-feira, 17 de março de 2020

O xadrez do coronavírus - Nas entrelinhas

“Economistas como Mônica de Bolle e André Lara Resende, antes mesmo do coronavírus, já haviam questionado a absolutização do aspecto fiscal” 

Shahmat em persa quer dizer rei (shab) morto (mat), o antigo nome do xadrez. Por corruptela, e não por acaso, o final do jogo virou xeque-mate (checkmate, em inglês). Foi inventado por um grão-vizir, que criou um tabuleiro com 64 quadros, vermelhos e pretos, cuja peça mais importante era o rei; a segunda peça, o próprio grão-vizir, que foi substituído pela rainha com passar dos anos. É um mistério a razão de um rei aceitar um jogo no qual o objetivo era matá-lo, mas o fato é que o xadrez encantou toda a corte, inclusive o monarca. O rei gostou tanto da invenção que pediu ao grão-vizir para determinar sua própria recompensa.

Conta-nos o físico Carl Sagan, num artigo intitulado O tabuleiro de xadrez persa (Bilhões e bilhões, Companhia de Bolso), que o grão-vizir desejou apenas uma recompensa aparentemente modesta: apontando para o tabuleiro com oito colunas e oito filas, pediu ao rei que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado, dois no segundo, quatro no terceiro e assim por diante, dobrando sempre as quantidades. O rei achou a recompensa muito insignificante e protestou, oferecendo joias, odaliscas, palácios, mas o grão-vizir recusou. Só desejava os montes de trigo.


Entretanto, quando o administrador do celeiro real começou a contar os graus, o rei teve uma surpresa muito desagradável. O número de grãos começou pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32 (…) e foi crescendo, 128, 256, 512, 1024… Quando chegou na última das 64 casas do tabuleiro, era de quase 18,5 quintilhões. Quanto pesa cada grão de trigo? Se cada um tiver um milímetro, pesariam 75 milhões de toneladas métricas, muito mais do que havia nos armazéns reais. “Se o xadrez tivesse cem quadrados (dez por dez), em vez de 64, a quantidade de grãos teria pesado o mesmo que a Terra”, compara Carl Sagan. Os persas foram pioneiros na matemática.

O físico norte-americano usou a fábula para chamar a atenção para a importância de se levar em conta os números exponenciais na análise da escala dos mais variados assuntos, da Aids à proliferação de armas nucleares. É o caso da pandemia de coronavírus, que chegou ao Brasil para ficar, pois a chamada “transmissão comunitária” já começou em São Paulo e no Rio de Janeiro, os dois estados com a maior e melhor rede de saúde do país. Todos os estudos até agora mostram que o crescimento geométrico do número de casos aumenta a letalidade da doença, que se propaga muito rapidamente deixando em colapso os sistemas de saúde, como aconteceu na Itália, até que algo interrompa a proliferação da Covid-19. É um jogo de xadrez com a morte, como ilustra foto do filme O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman.

A solução chinesa, que adotou medidas radicais de confinamento e isolamento, foi a mais eficaz para conter a escalada do coronavírus. Alguns países asiáticos, porém foram bem-sucedidos com medidas intermediárias. A Coreia do Sul conseguiu controlar a doença e reduzir sua letalidade para 0,6%. Por quê? Por causa da qualidade do sistema de saúde e do gerenciamento da crise. Estatisticamente, de cada 100.000 pessoas doentes, 20.000 necessitarão hospitalização, dos quais 5.000 de UTI e 1.000 máquinas de respiração. No Brasil, se a epidemia atingir essa escala, será o caos no sistema de saúde, que já é pressionado por outros fatores: acidentes de trânsito, balas perdidas, acidentes domésticos, outras epidemias, tentativas de feminicídio.

Darwinismo
Para mitigar a progressão da epidemia, é preciso adotar seriamente a distância social. É o que países como Irã, França, Espanha, Alemanha, Suíça e EUA terão que fazer para reduzir a taxa de transmissão de 2,5% para 1% e neutralizar a curva exponencial. A Itália foi obrigada a confinar a população e restringir drasticamente a circulação de pessoas porque entrou em colapso; melhor fazer quase isso antes do colapso. Essa é a questão posta na mesa pelos sanitaristas para os governantes aqui no Brasil. Para a economia, teria menos impacto uma epidemia de curta duração com alta letalidade, um perverso darwinismo social: sobreviveriam os mais saudáveis; muito idosos, cardiopatas, diabéticos e pessoas com baixa imunidade faleceriam numa escala muito maior do que a registrada até agora. A taxa de mortalidade na China está hoje entre 3,6% e 6,1%, dependendo da região, mas converge para aproximadamente 3,8% e 4%, mais do que o dobro da estimativa atual e 30 vezes mais do que a gripe.

Para a sociedade, porém, a melhor solução é “achatar” a curva, retardando a propagação da epidemia, o que tem muito mais impacto na economia. É aí que algumas questões que estão na ordem do dia precisam ser levadas em conta. Por exemplo, o veto ao aumento para um salário-mínimo do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que hoje garante meio salário-mínimo para cada idoso ou deficiente sem renda, exatamente os que terão mais dificuldades para enfrentar a epidemia. O que é mais importante, a vida dessas pessoas ou o Teto de Gastos, num cenário em que o mundo deve entrar em recessão por causa do coronavírus? Alguns economistas, como Mônica de Bolle e André Lara Resende, antes mesmo do coronavírus, já haviam questionado a absolutização do aspecto fiscal na política econômica do ministro Paulo Guedes, mas esse era um assunto blindado no Congresso. Agora, não é mais. Como vivemos numa democracia e o Brasil é uma federação, ninguém vai segurar governadores e prefeitos na hora que o povo exigir medidas mais enérgicas para conter a
propagação do coronavírus.

Luiz Carlos Azedo - Nas Entrelinhas - Correio Braziliense


domingo, 8 de março de 2020

As melancias e o caminhão - Alon Feuerwerker

Análise Política



 A sabedoria política diz que o eleitor sai de casa no dia da eleição não principalmente para eleger alguém, mas para derrotar. Se não dá para generalizar de modo absoluto, a coisa tem algum fundamento. Colhe o sucesso na urna quem, além de despertar o amor nos seus, sabe alimentar o ódio ao adversário. Daí que os apelos por uma política sem ódio acabem caindo no vazio, explícita ou implicitamente. Coisa de gente ingênua, ou esperta demais.

De vez em quando aparece um candidato “paz e amor”, como Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 ou Barack Obama em 2008. Cuidado, porém: mesmo o postulante que não odeia explicitamente precisa que alguém, ou muitos, odeie por ele. Lula colheu o fruto eleitoral de anos de ataques do PT ao tucanismo de Fernando Henrique Cardoso. E a eleição de Obama foi sem dúvida uma revanche contra o odiado governo de George W. Bush e suas guerras.

Sem esquecer o ódio dos negros contra a discriminação. E sem falar na raiva do povão por causa da crise econômico-financeira desencadeada com a quebra do Lehman Brothers.  A política dita "civilizada" não elimina o ódio de raízes ancestrais, e costumeiramente de características tribais. Apenas dá um jeito de as disputas serem resolvidas sem (muito) sangue. Aí diz-se que “as instituições estão funcionando”. Atenção: essa funcionalidade institucional não supõe necessariamente justiça, no mais das vezes apenas permite que a injustiça prevaleça de modo a não inviabilizar as coisas continuarem rodando na normalidade.

Do que depende esse “funcionando”? Alguns nutrem a crença no sistema ideal, que vacinaria as sociedades contra o vírus da solução violenta dos conflitos. Certas vezes é chamado de estado de direito. Trata-se de um fetiche. Esse “estado” nada mais é que relações sociais, portanto entre pessoas, relações impressas num papel. Ou num PDF. Mais provável é a taxa de “civilização” resultar do grau de equillíbrio entre forças propensas à destruição mútua.

Aqui você poderá dizer que o bom estado de direito tem a qualidade de forçar esse equilíbrio. E você terá alguma razão.  Desde o surgimento das armas nucleares fala-se em “equilíbrio do terror”. O custo de romper o equilíbrio não compensa, pois muito provavelmente a ruptura levaria à destruição mútua. Parece ter sido o caso do impeachment de Dilma Rousseff. Para o PSDB e o PMDB (hoje MDB), o custo de remover o PT do poder foi alto demais, sabe-se agora. Acontece. Errar é humano. Mas, sempre lembrando o Conselheiro Acácio, é inevitável as consequências virem depois.

São inteligentes as vozes a pedir frieza diante da natural radicalização política.
Talvez não pareça, mas agem cautelosamente o governo, quando aceita que tem de negociar com o Congresso, e a oposição, quando recusa embarcar numa nova empreitada de impeachment. A situação hoje é de equilíbrio. O presidente preside, a oposição se opõe, a imprensa reclama. E as melancias vão se ajeitando na carroceria do caminhão conforme os solavancos da estrada.  E quando a poeira baixa está todo mundo aí. No jogo. Melhor deixar correr assim.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política



domingo, 11 de fevereiro de 2018

Qual a ameaça real do 'torpedo do juízo final', a arma nuclear da Rússia que preocupa os EUA

Sigiloso, implacável e devastador.

Assim é descrito o Sistema Oceânico Multipropósito Status-6, uma arma nuclear russa que está em fase de desenvolvimento e que tem preocupado os Estados Unidos. Em sua Revisão de Postura Nuclear (NPR, da sigla em Inglês) divulgada em 2 de fevereiro, o Departamento de Defesa americano incluiu a arma como uma das ameaças que justificam os EUA modernizarem seu arsenal atômico. 
Submarino russo Yuri Dolgoruky: O sistema nuclear da Rússia deve ser lançado a partir de submarinos adaptados 

O presidente dos EUA, Donald Trump, acredita que o país está sendo alcançado por seus grandes concorrentes - Rússia e China - por causa do que considera "anos de abandono da era Obama".  A NPR, que dita o plano de atuação do governo em relação às armas de dissuasão, caracteriza o Status-6 como "um novo torpedo intercontinental autônomo e submarino, de combustível e armamento nuclear".

Já a Rossikaya Gazeta, o jornal oficial do governo russo, o batizou como o "artefato do dia do juízo final". 


Capaz de atravessar o oceano
O Status-6 foi projetado como um veículo autônomo capaz de atravessar o Oceano Pacífico e lançar um ataque radioativo mortal sobre a costa oeste dos Estados Unidos. Ele é adaptado para mergulhos tão profundos que se tornaria invisível a sistemas de detecção. Sua carga incluiria ogivas nucleares de alta potência. "Sua detonação provocaria uma enorme nuvem radioativa", explica à BBC Mundo, o serviço em espanhol a BBC, Pavel Podvig, autor do blog Russian Forces, que divulga informações sobre armas nucleares, controle de armas e desarmamento na Rússia, baseadas em análises científicas. 

O plano russo é contar com o que os especialistas chamam de "arma de terceira onda" definitiva.
Caso tanto os mísseis balísticos terrestres como submarinos fossem neutralizados por um hipotético ataque inimigo, leia-se americano, o Status-6 teria a capacidade de lançar uma resposta atômica em terreno adversário.
Ele seria lançado a partir de um submarino adaptado para isso.


Explosão nuclear: O Pentágono garante que a Rússia desenvolve ao menos outros dois sistemas de alcance intercontinental | Foto: US Navy 

'Danos enormes'
Hans Kristensen, da Federação de Cientistas Americanos, destaca que os "Estados Unidos têm capacidade para perseguir os submersíveis inimigos, mas, uma vez que se lança um torpedo, a história é diferente".
"Se essa arma fosse concluída, certamente causaria danos enormes", diz Podvig.
Mas a dúvida é justamente essa, se o Status-6 será realidade algum dia.
Apesar de ter sido oficialmente reconhecido como uma ameaça pelo Pentágono, os especialistas encontram muitas razões para ceticismo.
"Não está claro que ele vá ficar operacional", diz Podvig. 

Os Estados Unidos e seus aliados souberam dos planos de desenvolvimento dessa arma durante um encontro do presidente russo Vladimir Putin com seus generais na cidade de Sochi, na Rússia.  Em imagens divulgadas por canais controlados pelo Kremlin, é possível ver rapidamente um dos militares mostrando um documento confidencial a Putin. 

A folha continha desenhos e detalhes do Status-6, desenhado pela Rubin, uma fabricante de submarinos nucleares de São Petersburgo. Logo surgiram especulações sobre se a divulgação das imagens foi acidental ou estratégia para intimidar potenciais adversários.

Kristensen lembra que "os russos fazem frequentemente essas coisas, de manter, durante anos, programas dos quais posteriormente não sai nada".
"Eu não acho que vai ser operacional da maneira como foi descrito", reforçou Podvig.
Então, por que os estrategistas do Pentágono o incluíram em um documento oficial como uma ameaça real para a segurança nacional?
"O Status-6 é tecnicamente possível e, na comunidade de inteligência, eles acham melhor estarem preparados para algo assim", ressalta Podvig.
Kristensen descarta que esse sistema de armas em desenvolvimento tenha sido uma das razões para a revisão da política nuclear de Washington. "Eles o usaram como um dos exemplos assustadores de que os russos são maus e podem obter suas próprias armas para respaldar o argumento de que os Estados Unidos precisam melhorar suas armas nucleares."

De acordo com informações recentes divulgadas pela agência de notícias Bloomberg, Trump espera que o Congresso aprove um aumento de 7,2% no orçamento da Defesa para o próximo ano. Em seu discurso sobre o Estado da União, relatório que os presidentes americanos apresentam anualmente aos parlamentares, ele pediu a construção de um arsenal nuclear "tão forte e poderoso que possa impedir qualquer tentativa de agressão de outro país".


 Míssil balístico de fabricação russa, em Moscou: Especialistas asseguram que as armas americanas não perderam vantagem

Outras ameaças
Embora o NPR tenha citado, além do Status-6, "pelo menos dois outros sistemas de alcance intercontinental", os especialistas fizeram ponderações em relação à fala de Trump sobre uma deterioração das capacidades dos EUA. "O fato de que a Rússia estava há algum tempo modernizando seus equipamentos não significa que os EUA não o fizeram também, mas que isso aconteceu muitos anos antes", diz Povdig. 

Agora, depois de anos de política de não proliferação de armas nucleares em Washington, essa corrida parece prestes a recomeçar. "Já na época da Guerra Fria sempre se citava as armas da grande potência alheias como justificativa para as próprias. É assim que sempre funciona."

BBC Brasil


quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Coreia do Norte ameaça ‘afundar’ Japão com arma nuclear

 A Coreia do Norte ameaçou usar armas nucleares para “afundar” o Japão e reduzir os Estados Unidos a “cinzas e escuridão” por apoiar as sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), informou nesta quinta-feira (14) a agência estatal “Kcna”.

De acordo com nota, o Comitê da Coreia para a Paz na Ásia-Pacífico, responsável por lidar com os laços externos e propaganda da Coreia do Norte, pediu para que o Conselho de Segurança seja dissolvido, já que é “uma ferramenta do mal” constituída por países “subornados” que recebem ordem dos Estados Unidos.

“As quatro ilhas do arquipélago devem ser afundadas no mar por uma bomba nuclear do Juche. O Japão não é mais necessário para existir perto de nós”, ressaltou o comitê.

Entre as sanções do Conselho da ONU está a proibição das exportações de produtos têxteis do país, além da limitação das importações de petróleo. Todas as medidas são uma resposta ao sexto teste nuclear realizado pela Coreia do Norte no dia 3 de setembro.
Segundo o governo do líder norte-coreano Kim Jong-um, o teste com uma bomba de hidrogênio foi “bem-sucedido”. Por sua vez, o Exército da Coreia do Sul realizou nesta quarta-feira (13) seu primeiro exercício de fogo real com mísseis de longo alcance, em uma manobra onde simulou bombardeios a instalações importantes da Coreia do Norte.

No entanto, hoje, o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, afirmou que é contra o desenvolvimento de armas nucleares em seu país apesar das constantes ameaças nucleares da vizinha.  “Responder à Coreia do Norte desenvolvendo nossas próprias armas nucleares não manterá a paz na Península da Coreia e poderia levar a uma corrida armamentista no nordeste da Ásia”, disse Moon durante entrevista à “CNN”.

ANSA

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Hiroshima: em aniversário do ataque, cidade pede fim do uso de armas nucleares

Japoneses veem com preocupação os testes feitos pela Coreia do Norte

A cidade de Hiroshima gritou para o mundo ontem  um pedido: que outra catástrofe envolvendo bomba nuclear "jamais aconteça novamente". Este domingo é aniversário da tragédia, que aconteceu em 1945, primeira vez na história que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis.
Muitos japoneses e outras pessoas da região veem com preocupação os testes feitos pela Coreia do Norte. Mas as ameaçam despertam uma preocupação especial nos habitantes da cidade na qual 140 mil pessoas morreram no primeiro ataque com a bomba nuclear. O ataque foi seguido por outro no dia 9 de agosto daquele mesmo ano, que matou mais de 70 mil pessoas em Nagasaki.  "
Esse inferno não é algo do passado", disse o prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, na sua declaração de paz na cerimônia deste domingo. "Enquanto armas nucleares existirem e governos ameaçarem usá-las, o horror pode voltar a nos atingir a qualquer momento", disse.
Com a tecnologia de hoje, apenas uma bomba conseguiria causar ainda mais danos que as duas lançadas na época, disse o prefeito. "A humanidade não deveria nunca cometer tal ato."  
Em sua mensagem para Hiroshima, o secretário-geral das Organizações das Nações Unidas, António Guterres, disse que a presença de cerca de 15 mil armas nucleares no mundo e sua "perigosa retórica sobre seu possível uso" trouxe mais insegurança. "Agora, nosso sonho de um mundo livre de armas nucleares continua longe de se tornar realidade", disse. "Os países que possuem armas nucleares têm uma responsabilidade extra no processo de empreender etapas concretas rumo ao desarmamento nuclear mundial".
A esperança é de que Estados Unidos e Japão continuem apoiando a proibição do uso de armas nucleares, conforme os dois países anunciaram, em 2016, durante a visita do então presidente dos EUA, Barack Obama. Mas essa perspectiva não é tão certeira hoje, diante dos constantes testes da Coreia do Norte.

Fonte:  Agência Estado


terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A bomba norte-coreana



A bomba norte-coreana
Há cerca de dez anos comecei a ler um livro apaixonante, mas abandonei a leitura depois de algumas páginas porque era aterrorizante. Fora escrito por um grupo de cientistas que, depois de estabelecerem, na medida do possível, o número de armas nucleares existentes no planeta, o que deve ter aumentado neste intervalo de tempo, abordavam as consequências para o mundo se, num ato de loucura ideológica ou mero acidente, essas armas de destruição em massa começassem a explodir.

Os dados eram alarmantes, tanto em número de mortos e feridos como no tocante à contaminação da atmosfera, das águas, da fauna e da flora. Isso chegaria a tal extremo que, no curto ou longo prazo, o processo levaria à extinção de toda a forma de vida no planeta que habitamos. Se a informação for correta, e suponho que seja, não é incompreensível que uma questão tão transcendental – a preservação da vida – chame a atenção da sociedade apenas em determinadas ocasiões? Por exemplo, nesta semana, quando Kim Jong-un, o insano ditador da Coreia do Norte, anunciou que o país acabava de explodir sua primeira bomba de hidrogênio, o que foi comemorado por toda a população, técnicos dos Estados Unidos e Europa se apressaram em dizer que era um exagero, que a última ditadura stalinista do planeta somente conseguira fabricar até agora uma bomba atômica.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, a União Europeia e vários governos, entre eles o da China, condenaram o teste anunciado por Kim Jong-un. Haverá novas sanções contra o regime norte-coreano? A princípio, sim, mas em termos práticos, não fará diferença, pois o país vive totalmente isolado, como se dentro de uma proveta, e sobrevive graças ao punho de ferro que submete seus infelizes cidadãos ao contrabando e à demagogia delirante.

Oficialmente, há seis países no mundo possuidores de armas nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte. E apenas dois,  Estados Unidos e Rússia, testaram bombas de hidrogênio, artefatos que possuem uma capacidade de destruição sete ou oito vezes maior do que as bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki. Somente uma décima parte do arsenal nuclear já acumulado é suficiente para acabar com todas as cidades do globo e fazer desaparecer a espécie humana. Devemos estar todos muito loucos neste mundo para chegar a uma situação como essa sem que ninguém reaja e continuar observando, à nossa volta, como esses arsenais nucleares vêm aumentando, à espera de  que, a qualquer momento, algum fanático no poder acenda a chama que provocará a gigantesca explosão que nos exterminará.
Sei que há organizações pacifistas que procuram, sem muito sucesso, mobilizar a opinião pública contra este armamentismo suicida. Governos e instituições protestam cada vez que um novo país, como o Irã há pouco, tenta ingressar no clube exclusivo de potências atômicas. Mas o fato é que, até agora, o desarmamento tem sido mera retórica sem consequências práticas e, a começar dos Estados Unidos e Rússia, os planos para acabar com tais arsenais não avançam. Os depósitos de armas de destruição em massa continuam aí, como um aviso permanente de um cataclismo que porá fim à história humana.

Devemos nos resignar, esperando que a situação se prolongue, ou é possível fazer alguma coisa? Sim, é possível e é preciso, e fazendo exatamente o contrário do que eu fiz há dez anos com aquele livro aterrador. Temos de nos inteirar do horror que nos cerca e enfrentá-lo, difundi-lo e inquietar um número cada vez maior de indivíduos com a sinistra realidade, de modo que as campanhas pacifistas deixem de ser uma tarefa de minorias excêntricas e atinjam tal magnitude a ponto de mobilizar de modo efetivo as organizações internacionais. Nada disso é utópico; quando existe vontade política é possível trazer para a mesa de negociação os adversários mais implacáveis, como ocorreu com o Irã, que concordou em frear seu programa atômico em troca da suspensão das sanções que paralisavam sua economia.

E se a negociação for impossível? Em raros casos isso pode ocorrer e, sem dúvida, um desses casos seria o regime de Pyongyang. A ditadura da família Kim não só condenou a população coreana a viver na miséria, na mentira e no medo. Com sua busca frenética da arma nuclear que, acredita, garantirá sua sobrevivência, o país coloca em risco seus vizinhos da península e a Ásia inteira.

A comunidade internacional tem o dever de agir e utilizar todos os meios ao seu alcance para por fim a um regime que se converteu num perigo para o restante do planeta. Até a China, um dos poucos defensores da ditadura norte-coreana, parece ter compreendido o risco que representam para sua própria sobrevivência as iniciativas dementes de Kim Jong-un. E o modo de agir mais eficaz é cortar na raiz a possibilidade de o regime continuar com testes nucleares que constituem, de imediato, uma gravíssima ameaça para a Coreia do Sul, China e Japão.

Ação. A comunidade internacional pode dar um ultimato ao regime norte-coreano por meio das Nações Unidas, estabelecendo um prazo definido para Pyongyang desmantelar suas instalações atômicas sob pena de começar a destruí-las. E efetivar a ameaça se não for ouvida. Não acredito que haja um caso mais evidente em que um mal menor se impõe sobre o risco de a Coreia do Norte provocar uma catástrofe com centenas de milhares de vítimas na Ásia, e talvez no mundo inteiro.

Em um desses lúcidos ensaios com os quais atacou o messianismo ideológico a que sucumbiram tantos intelectuais do seu tempo, George Orwell se perguntou se o progresso científico devia ser comemorado ou temido. Porque esses extraordinários avanços do conhecimento ao mesmo tempo que criaram melhores condições de vida – nas áreas da alimentação, saúde, coexistência, direitos humanos – desenvolveram também uma indústria da destruição capaz de produzir massacres que nem mesmo a imaginação mais doentia poderia prever.

Em nossos dias, o avanço da ciência e da tecnologia semeou pelo planeta alguns artefatos de morte que, no melhor dos casos, podem nos levar de volta ao tempo das cavernas, e no pior, fazer este planeta retroceder àquele passado remotíssimo em que a vida ainda não existia e estava para nascer, não se sabe se para o bem ou para o mal.
Não tenho resposta para essa pergunta. Mas o que farei de imediato será buscar aquele livro que abandonei e lê-lo até a última linha.

Mario Vargas Llosa -  Publicado no Estadão