A cruz é um símbolo arquetípico poderosíssimo, que se encontra presente
em inúmeras tradições, como inúmeros outros símbolos que acreditamos
serem tão particulares, tão exclusivos de uma e outra tradição.
Nesse sentido, quando temos em nossa mente a imagem deste símbolo, a
cruz, é importante lembrarmos que a trave horizontal simboliza o plano
do mundo material, natural, social e político.
Estamos inseridos neste plano, fazemos parte dele, mas não fomos feitos
para nos realizarmos plenamente nesta dimensão restritiva da realidade.
Bem, junto a trave horizontal temos a trave vertical, que nos aponta para a perspectiva da eternidade e do infinito, lembrando-nos que a vida é muito mais profunda do que as aparências que nos circundam e que invadem os nossos sentidos e que ela, a nossa vida, não termina aqui, abruptamente e em definitivo.
Estamos no mundo, mas não devemos ser mundanos. Fomos feitos para o
infinito, mas não podemos ignorar o peso e a força de tudo que está a
nossa volta nos limitando.
Em resumo, eis aí a tal da condição humana.
Quando olhamos para o século XX, e temos nossas vistas invadidas pela
imagem dos regimes totalitários que destroçaram, e que ainda despedaçam a
vida de milhões de pessoas, quando lembramos das inúmeras seitas e
cultos que subjugaram e subjugam multidões, reduzindo-as à condição de
um pet dócil e obediente, compreendemos, com uma terrificante clareza,
que não é muito difícil termos a nossa mente degradada e nossa alma
escravizada.
Basta apenas que nos permitamos ficar numa posição de fragilidade por
termos aceitado limitar nossa percepção da realidade a apenas uma de
suas dimensões.
Por essa razão, e por muitas outras, Nosso Senhor nos admoesta para que o
sigamos abraçando a nossa cruz de cada dia com Ele em nosso coração,
sempre lembrando Dele quando voltarmos nossos olhos para os nossos
semelhantes que, como nós, por mais desprezíveis que sejamos, fomos
feitos à imagem e semelhança de Deus, que se fez como nós, que morreu
por cada um de nós, para que lembremos, e jamais esqueçamos, quem somos.
Nós somos uma cruz, como disse o poeta.
Uma cruz plantada neste mundo para almejar retornar ao descampado da eternidade, junto a árvore da vida.
O autor é professor, escrevinhador e bebedor de café. Autor de "A Bacia de Pilatos", entre outros ebooks.