O historiador Genial Ferguson foi o entrevistado do Roda Viva
nesta semana. Acompanho seu trabalho faz tempo, e admiro bastante sua
capacidade de análise e argumentação. Em determinado momento, quando
perguntado sobre o ambiente dos debates na era moderna, Ferguson se
disse um “fundamentalista da liberdade de expressão”. Ele explicou que é
vital para uma sociedade ter não só liberdade de expressão, mas livre
pensamento, livre questionamento, debate aberto.
Para Ferguson, não só em universidades, mas também nos jornais,
devemos ser livres para fazer as perguntas difíceis, contemplar as
hipóteses impopulares, dizer o que algumas pessoas consideram
“indizível”. Há alguma restrição para essa liberdade? Ferguson responde:
“Há elementos muito claros para o que pode e não pode ser dito; o que
não pode ser dito num espaço público é uma ameaça específica a um
indivíduo; mas certamente posso criticar uma ideia sem minha fala ser
restringida; discurso não é violência, violência é violência, e quando
as pessoas da esquerda — e eles também fazem à direita — tentam censurar
certas ideias, pois alegam que são perigosas, meu argumento é que não
são as ideias que são perigosas, são os censores, as pessoas que tentam
calar o debate que são perigosas”.
Ferguson continua seu raciocínio: “Acho que uma característica bem
perturbadora dos últimos dez anos tem sido uma crescente cultura
intolerante e iliberal, especialmente em universidades americanas, mas
acontece em todo lugar; isso se espalhou por corporações, se espalhou
pela mídia, e temos frases vagas, como ‘discurso de ódio’, usadas para
justificar a censura. Discurso de ódio é apenas a versão do século 21
para blasfêmia, heresia. As pessoas que se intitulam woke nos
Estados Unidos hoje estão engajadas numa espécie de estranha missão
religiosa e se comportam como membros de um culto tentando prescrever
certas formas de discurso para cancelar ou desconvidar palestrantes de
quem discordam. Tudo isso eu considero nojento e uma desgraça. Nada pode
ser mais danoso para uma sociedade livre do que calar o livre
pensamento e a livre expressão, principalmente em universidades, que são
lugares onde essas coisas deveriam ser apreciadas e preservadas”.
No alvo! A história mostra que a liberdade nunca teve muitos amigos
sinceros, os tais “fundamentalistas”, pois a maioria a defende até
esbarrar em seus interesses. Poucos são os que defendem a liberdade com
base em princípios. Defender a liberdade de expressão com a restrição de
que ninguém se sinta ofendido com ela, por exemplo, é pregar a censura.
Defender a “liberdade” de concordar com a maioria do momento ou o poder
estabelecido não é pregar liberdade, e sim o direito de repetir o
consenso, de seguir o coro.
Toda tirania, afinal, veio em nome do bem coletivo. Nenhum tirano se apresentou como malvado
Nunca isso ficou tão claro como nessa pandemia. Um clubinho
arrogante, que tenta monopolizar a fala em nome da ciência, resolveu
barrar até especialistas renomados, médicos sérios ou jornalistas
curiosos que simplesmente não repetiam a “versão oficial” sobre a crise
sanitária, sendo que essa oscilou bastante, pois a própria OMS se
mostrou um tanto errática. O debate foi interditado, os arrogantes
rotularam de “negacionistas” aqueles com dúvidas, os verdadeiros crentes
dogmáticos que colocaram o Dr. Fauci no papel de profeta passaram a
descascar os mais céticos, e as redes sociais suspenderam várias contas
suas.
A coisa está tão feia que vemos esse clima asfixiante ao debate nas
próprias universidades, sem falar da mídia, um antro de ideologia e
arrogância. Um apresentador da CNN Brasil, que se diz liberal, chegou a
defender a censura na cara dura, sem nenhum pudor:
“A frouxidão do
controle interno de conteúdo antivax nas redes sociais no país é,
infelizmente, um convite ao controle externo. A autorregulação está
falhando miseravelmente. MP e legisladores terão de atuar para preservar
vidas.” Stalin, Lenin, Mao, Fidel, Mussolini e tantos outros tiranos
não teriam nada a alterar nessa linha de raciocínio.
Toda tirania, afinal, veio em nome do bem coletivo. Nenhum tirano se
apresentou como malvado. Era sempre pela raça, pela nação, pelo povo, e,
com base nisso, tudo estava permitido. Para proteger o coletivo, quem
liga para algumas perdas de liberdade básica individual? Ainda mais
quando “sabemos” que esses indivíduos são párias sociais, hereges,
negacionistas, sujeitos perigosos que se recusam a aderir ao consenso.
Se não é possível persuadi-los, então só resta mesmo calar todos na
marra, em prol da saúde geral. Prisão para quem questionar as vacinas
vendidas como panaceias! E isso de um suposto liberal…
Além do “jornalista liberal”, uma coordenadora da UFRJ foi na mesma
linha, alegando que chegara a hora de as universidades qualificadas
criarem estruturas de combate ao negacionismo em seus quadros. Para ela,
“não devem ser permitidas palestras tentando travestir de polêmica
posições bem estabelecidas na comunidade científica”. Trata-se da
Inquisição iluminista! Detalhe: a senhora autoritária publicou outra
postagem na virada do ano afirmando que 2022 será uma grande preparação
para um 2023 melhor, já que Bolsonaro será derrotado e Lula será eleito
para “recolocar o Brasil nos trilhos, revertendo toda a destruição dos
últimos anos”. Quem nega a destruição causada pelo PT não é
negacionista?
O Ocidente flerta com o crescente abandono dos pilares que fizeram
dele a civilização mais avançada de todas.
O devido processo legal tem
sido substituído pela pressão dos movimentos de minorias;
a ciência
verdadeira foi trocada pelo dogma da ideologia;
a noção do certo e do
errado vem sendo esgarçada pelo relativismo seletivo (não há mais
verdade objetiva, mas é preciso combater as fake news); e o
mais sagrado princípio, da liberdade de expressão, para poder questionar
isso tudo, vem sendo atacado justamente por quem deveria ser seu
guardião, por jornalistas e professores universitários. Não dá para
dourar a pílula: o quadro é assustador.
PS: na mesma entrevista, a apresentadora militante tentou lacrar e
arrancar do entrevistado uma denúncia ao governo Bolsonaro.
Ela quis
saber se muitas mortes poderiam ter sido evitadas caso o governo fosse
outro no Brasil.
Ferguson, com sutileza, explicou que a direita
populista pode pecar em muitos aspectos, mas que dificilmente o
resultado seria muito diferente com outro no comando, pois basta ver o
que aconteceu no mundo todo, e ainda mencionou os Estados Unidos, com
Trump e depois Biden.
As causas das mortes transcendem a medida A ou B,
isso sem falar que, no caso brasileiro, o presidente teve pouca margem
de manobra, por conta do arbítrio do STF. Foi uma bela “lapada” de quem
faz análise séria em cima de quem só faz militância partidária.
Leia também “O medo do Dr. Fauci”
Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste