Sua retórica se inspira na tradição totalitária que fez milhões de vítimas mundo afora
O fato que salta à vista neste início de ano é a eterna cara de pau de Lula e dos advogados e militantes do Partido dos Trabalhadores (PT). O famigerado líder petista e seus sequazes tentam peitar a magistratura, com o propósito de tumultuar o julgamento do réu pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, no próximo dia 24, tendo sido já o ex-presidente condenado pelo juiz federal Sergio Moro em primeira instância, no âmbito da Operação Lava Jato.
A finalidade da estratégia petista sempre tem sido pescar em águas turvas. Para Lula, só há uma alternativa: guindá-lo de novo ao poder, do qual ele e seu partido foram desalojados pela sociedade brasileira após 14 anos de desmandos. Inovou Lula com essa estratégia? Definitivamente, não: essa é a via aberta pelos totalitários desde os jacobinos e Lenin até os dias atuais. O grande problema não resolvido pelos totalitários é que eles se acham superiores ao restante da humanidade. O termo “democracia”, para o espírito totalitário, significa governo dos próprios totalitários sem nenhuma limitação. Eles assumiram o espírito pregado por Jean-Jacques Rousseau no seu Contrato Social: o líder e os “puros”, seus seguidores, têm a missão escatológica de dar origem ao “homem novo”, aquele não conspurcado pela defesa dos interesses individuais. E somente pode haver uma forma de governo válida: a ditadura do líder messiânico e dos puros, a fim de garantir a unanimidade ao redor da “vontade geral” encarnada neles.
Ora, segundo pensava o maluco filósofo de Genebra na obra citada, o poder total a ser exercido pelo líder e seus seguidores consiste na unanimidade de todos ao redor deles para garantir a felicidade do gênero humano. Qualquer dissidência deve ser aniquilada como atentado contra a felicidade geral. A infelicidade infiltra-se na sociedade em decorrência da existência dos indivíduos e dos seus interesses privados. Devem ser esmagados, portanto, todos aqueles que não se curvarem ao “interesse público”, entendido como a imposição da “vontade geral”, da qual são garantia e manifestação soteriológica, na História, o líder messiânico e os seus seguidores imediatos, os “puros”. O ideal da nova ordem política foi bem definido por Lenin, em O Estado e a Revolução, como “um poder não limitado por leis”.
O espírito totalitário perversamente apregoado por Rousseau passou, na modernidade, a encarnar nas lideranças revolucionárias radicais, que tingiram de sangue a História desde os jacobinos na Revolução Francesa e no Terror por eles imposto, no final do século 18, passando pelo império napoleônico (entre 1804 e 1814) e seguindo, já nos séculos 20 e 21, com a Revolução Bolchevique, na Rússia, em 1917, e a emergência dos totalitarismos. Em todos eles o fantasma do “poder total” assoma, até na mais recente manifestação de chantagem nuclear do tresloucado líder norte-coreano, Kim Jong-un.
Essa saga do totalitarismo já se tinha manifestado em Fidel Castro e na sua ditadura familiar, no Che Guevara, com o seu dístico “Pátria (totalitária) ou morte”, na louca aventura nazi-fascista, com o endeusamento da minoria ariana ao redor do Führer, ou com Mussolini apregoando o princípio do “poder total” na célebre proposta de “tudo dentro do Estado, nada fora dele”. Não nos enganemos: se Lula representa alguma tradição política, ela se filia a essa herança do totalitarismo hodierno. Não é por outra razão que, para ele e seus cansativos militantes, só há uma alternativa para salvar o Brasil: Lula e o PT.
Como a tradição totalitária se encarna com as cores de cada cultura, no Brasil Lula e os seus sequazes adotaram uma máscara: a cara de pau do “herói sem nenhum caráter”, Macunaíma, genialmente descrito por Mário de Andrade no seu clássico de 1928. Vamos convir: não é de cara de pau a feição do líder messiânico quando aparece na televisão, ou em palanque, afirmando para a enojada audiência que não há vivalma mais ética do que ele? Os petralhas especializaram-se em fazer da corrupção método de ação política e em esfregar no rosto dos perplexos cidadãos tungados por eles na roubalheira geral as “façanhas” praticadas.
Não são, aliás, de cara de pau as feições do comando petralha que “visitou” o desembargador Thompson Flores recentemente em Porto Alegre, como se ele e o tribunal por ele presidido fossem os meliantes, e não eles próprios? Os seguidores de Lula entenderam bem a lição da tragicomédia montada pelo líder: aparecer em público com ar contrito e na maior cara de pau, para dizer o seguinte: “Corruptos são vocês, otários, que votaram em nós e ficaram na rua da amargura juntamente com os 14 milhões de desempregados! Nós somos os puros, os retos, os que devem prevalecer no comando do Estado. Fora de nós não há salvação”. É mesmo muita cara de pau!
A sociedade brasileira tem um caminho para tirar esse lixo da História e impedir que os petralhas assumam, de novo, o poder no Brasil, a fim de destruírem o que ficou das nossas já combalidas instituições republicanas: repetir, em alto e bom som, que sabemos de quem se trata, conhecemos os malfeitos por eles praticados, que hoje já se situam na casa dos bilhões de dólares roubados e ainda estão intactos em paraísos fiscais.
Devemos repetir até o cansaço que acreditamos nas instituições, que a Justiça fará o seu trabalho até o fim, para pôr atrás das grades todos os que se aproveitaram da passagem pelo poder para enriquecer ilicitamente. E devemos repetir, na cara de Lula e dos seus sequazes, que já identificamos onde se inspira a sua retórica vazia: na tradição totalitária que deixou espalhados pelo mundo afora milhões de vítimas.
Ricardo Vélez Rodriguez - O Estado de S. Paulo -
Coordenador do Centro de Pesquisas
Estratégicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (Ufjf), professor
emérito da Eceme, é docente da Universidade Positivo, em Londrina
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