A estratégia diabólica da Apple
Ao reduzir deliberadamente o desempenho de iPhones mais antigos sem aviso, a Apple afeta a confiança de um público apaixonado por seus produtos – e irá responder na Justiça
Quem usa iPhone está acostumado a andar com um carregador e sabe que o aparelho tende a ficar mais lento à medida que o tempo passa. Quando a Apple admitiu que estava reduzindo o desempenho de seus celulares menos atuais, muitos usuários ficaram revoltados com a empresa e a acusaram de programar a obsolescência de seus produtos – o que configura crime em muitos países. Não é para tanto. Ainda que pareça uma armadilha para sucatear intencionalmente iPhones e obrigar clientes a comprar novos modelos, é preciso entender que a dimensão dessa controvertida estratégia diz mais sobre a imagem da Apple do que com a qualidade de seus produtos.Sistemas operacionais novos são pensados para os modelos mais recentes. A Apple oferece a opção de atualizar seu sistema, o iOS, mesmo em modelos mais antigos, mas o desempenho nunca é o mesmo. Desde a versão 10.2.1, lançada em janeiro de 2017, uma atualização reduzia o desempenho de aparelhos mais velhos, como o iPhone 6, lançado em 2014. De acordo com a empresa, o objetivo é impedir que o smartphone desligue sozinho. A Apple garante que as baterias, feitas de íon de lítio, mantenham até 80% de sua capacidade por 500 ciclos completos de carga. Após esse período, é normal que elas precisem ser trocadas. Após a polêmica, a empresa anunciou que o valor da substituição será reduzido: no Brasil, o serviço que custava R$ 449 será feito por R$ 149 até o final do ano.
“O grande erro da Apple foi não avisar que estava reduzindo o desempenho dos aparelhos”, afirma Sérgio Miranda, responsável pelas análises do canal Loop Infinito. Segundo ele, a atualização favorece a experiência do usuário. Mas a falta de transparência prejudicou a empresa. “A Apple está pagando pela falha oferecendo o desconto na troca da bateria”, diz ele. A empresa se manifestou por meio de uma nota. “Sabemos que alguns de vocês ficaram decepcionados com a Apple e pedimos desculpas por isso”, diz o comunicado. Também anunciou que em atualizações futuras incluirá dispositivos para que os usuários acompanhem melhor a vida útil da bateria.
AMOR E ÓDIO
A questão seria grave para qualquer empresa, mas como tudo envolvendo a companhia de Cupertino, na Califórnia, o caso ganhou proporções de um escândalo.
Isso porque ao longo das décadas os clientes da Apple desenvolveram uma relação de afetividade com os produtos da marca – e a revelação foi vista como uma “traição”. “Existe uma aura de perfeccionismo e inovação ao redor da Apple, em parte por conta de Steve Jobs”, diz Sérgio Miranda.
Sem o carisma de Jobs, o atual CEO, Tim Cook, parece ter uma dificuldade imensa em lidar com crises de imagem. As desculpas oferecidas pela Apple e o desconto na troca da bateria podem até arrefecer os ânimos, mas a empresa terá de se defender nos tribunais. Diversos usuários entraram na Justiça contra a companhia nos Estados Unidos. Os casos citam principalmente leis de proteção ao consumidor e falta de transparência. Usuários teriam sido levados a comprar outro aparelho quando poderiam ter trocado apenas a bateria. Na França, o grupo Halte à l’Obsolescence Programmée (Pare a Obsolescência Programada) entrou na Justiça contra a Apple alegando que a atualização reduz deliberadamente o tempo de vida útil de um aparelho para que ele seja substituído. No país, a prática é considerada crime desde 2015.
A Apple já teve outros problemas com os franceses. Em dezembro, uma centena de ativistas do grupo Attac invadiu a loja da empresa em Paris, exigindo o pagamento de 13 bilhões de euros em impostos. A disputa entre a União Europeia e a Apple já acontece há algum tempo. Em agosto de 2016, a UE estimou que a Apple deve pouco mais de 14 bilhões de euros em impostos atrasados, após ter negociado tarifas baixas com o governo irlandês. Cerca de 90% dos lucros internacionais da Apple vêm de suas subsidiárias na Irlanda, que detém as propriedades intelectuais da empresa. A companhia diz que segue a lei de cada país.
Bateria e desempenho
• Funcionalidade que reduz o desempenho de aparelhos mais velhos causou revolta em usuários do iPhone, mas é, segundo a Apple, uma necessidade para evitar desligamentos
• Feitas de íon de lítio, elas são projetadas para manter até 80% da capacidade original por 500 ciclos completos de carga, no caso dos iPhones
• Fora da garantia, a revisão da bateria custa R$ 449 se feita pela Apple. Após a polêmica, a empresa ofereceu um desconto e a substituição custa agora R$ 149. O preço será mantido até o final de 2018
• O iOS 10.2.1, lançado em janeiro de 2017, inclui atualizações para o Iphone 6 que reduz o desempenho em aparelhos mais velhos. Segundo a empresa, o objetivo é impedir que o aparelho desligue sozinho
• Atualizações futuras devem incluir uma opção para que o usuário acompanhe melhor o estado da bateria
IstoÉ
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