É preciso flexibilizar Orçamento e desindexar despesas obrigatórias, para que não haja o risco de o endividamento financiar gastos de custeio
Constam dos arcabouços
jurídicos dos regimes republicamos pesos e contrapesos para manter o equilíbrio entre os
poderes, sem tolher sua independência. Servem também de barreira para impedir
avanços do Estado sobre os cidadãos, passíveis de ocorrerem de várias formas,
às vezes muito sutis, como agora na tentação de políticos de romperem a chamada
regra de ouro, uma das formas mais eficazes para impedir crises fiscais
deflagradas por poderosos de ocasião.
Baixar as defesas a fim de
permitir o governo se endividar para arcar com despesas correntes — salários, aposentadorias, pensões, por exemplo — é revogar o princípio da responsabilidade
fiscal, pilar da construção da estabilidade econômica empreendida a partir
do Plano Real. Por permitir a volta da inflação, a revogação ou “flexibilização”
da regra de ouro não deixa de ser um ataque à cidadania. Além disso, o
endividamento para gastos em custeio que se esfumaçam compromete hoje a renda
de gerações futuras.
Por tudo
isso, a regra de que as operações de
crédito da União não podem superar os gastos com investimento está na
Constituição, bem como outro freio à irresponsabilidade fiscal, o teto das
despesas. Mas a realidade de um Orçamento engessado em percentuais fixos de
gastos para determinados setores (Saúde, Educação) e, mais ainda, com parte
ponderável das despesas ditas sociais corrigidas pelo salário mínimo ou
inflação (como aposentadorias e pensões), desconectou os gastos das receitas, e
o Tesouro caminha para a insolvência, se a Previdência não começar a ser
atualizada, entre outras reformas.
O
descumprimento da regra de ouro constituiu crime de responsabilidade por parte
do presidente da República — foi por cometer crime de responsabilidade na
administração fiscal que Dilma Rousseff terminou impedida. No ano
passado, o governo Temer escapou de incorrer na regra de ouro com a devolução
pelo BNDES ao Tesouro de R$ 50 bilhões, 10% da dinheirama que o banco recebera
da União, nos tempos de Dilma, para turbinar financiamentos subsidiados, uma
política delirante. A fim de evitar se endividar, este ano, para gastar no
custeio, o governo quer mais R$ 130 bilhões do BNDES.
Mas, em
2019, primeiro ano do próximo governo, não haverá mais margem para essas
devoluções — e, enquanto isso, as despesas tendem a crescer. Daí a reforma da
Previdência ter de ser iniciada logo em fevereiro. E surge a
tentação de sempre: mudar a regra que é difícil de cumprir, um certeiro tiro de
grosso calibre no pé do próprio país. O ministro da Fazenda, Henrique
Meirelles, disse ontem que essa discussão ficará para depois da votação da
reforma da Previdência. Melhor, de fato. Mas é
necessário ficar claro que permitir que a União descumpra a regra de ouro
desestabilizará qualquer confiança na solvência do Tesouro. Leia-se: dólar em
alta, inflação etc. O Brasil tem tradição de transformar em permanente aquilo
que é anunciado como provisório. O melhor caminho é o das reformas, incluindo a
flexibilização do Orçamento.
Editorial - O Globo
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