Celso Ming
Nada indica disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população
A inflação de agosto medida pelo IPCA foi de apenas 0,24%, mais baixa do
que o 0,36% de julho e, no entanto, a sensação de alta de preços
provocou inesperada tensão política que lembrou os velhos tempos da
hiperinflação. Os dirigentes dos supermercados pediram providências urgentes do governo
para conter os preços dos produtos da cesta básica. Em resposta, o
presidente Bolsonaro, às vésperas das comemorações de 7 de Setembro, fez
apelos ao patriotismo dos empresários para que segurassem as
remarcações.
[para o povão, pouco importa a diferença entre inflação percebida e a real.
A ele interessa o aumento de preços constatado na hora da compra. Quem ao final de julho 2020, fez uma lista de compras e conseguiu comprar 5 latas de óleo de soja com R$ 18,96 e agora ao final de agosto constatou que três latas do mesmo óleo alcançavam R$ 20,40, comprovou uma INFLAÇÃO MATERIAL pouco mais de 40¢ em 30 dias.
Do mesmo modo, o cidadão que comprava em junho passado arroz tipo 1, saco de 5 quilos por R$ 15, agora em agosto sente, percebe, realiza, comprova que o mesmo saco de arroz custa R$ 23. Para ele, qualquer que seja a explicação, a inflação material, a que come o dinheiro, foi de mais de 50%.
Falando de prejuízo, depois do golpe da 'escarrada Dilma' nos 'rendimentos da poupança', o hábito de poupar virou cachimbo. No mês de julho, como habitual, os rendimentos foram inferiores à poupança, valendo o mesmo para agosto = quanto mais a Selic cai, maior a queda dos fantásticos rendimentos.
Será que não já passa da hora do governo pelo menos empatar esse jogo?
Lembramos que quando a poupança foi criada - bem antes da hiper inflação da 'nova república' - os rendimentos eram juros de 0,5% ao mês mais a inflação mensal.
Afinal os recursos da poupança são usados, ou deveriam ser, para o seguimento imobiliário.]
Esses apelos sugeriram que o principal instrumento de controle dos
preços teria mais a ver com o comportamento humano e com a moralidade do
que com os imperativos da lei da oferta e da procura. De todo modo, nada indica uma disparada dos preços que levante
preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da
população. A alta acumulada no ano até agosto foi de apenas 0,7%, e os
analistas de economia consultados pelo Banco Central para o Boletim
Focus apontam, para todo o ano de 2020, uma inflação de 1,78%. Por que,
afinal, a apreensão?
Por trás dela há algumas distorções. A primeira tem a ver com uma alta
real de itens importantes da cesta básica. Os preços do arroz, por
exemplo, acumularam avanço de 19,2% nestes primeiros oito meses do ano. E
os do óleo de soja, o mais consumido pela população, alta de 18,6%. Esse avanço dos preços do óleo de soja tem uma explicação. Trata-se de
um produto cotado em dólares, porque largamente exportado, e, neste ano,
as cotações da moeda americana em reais subiram mais de 30%. O aumento
dos preços do arroz foi produzido pelo aumento do consumo interno. O
confinamento, por si só, puxou a demanda de alimentos básicos. E há o
auxílio emergencial, que pôs algum dinheiro no bolso das pessoas de
baixa renda, que, por sua vez, aumentaram a procura por itens básicos.
Mas isso não é tudo. Como já comentado por esta Coluna em outras
oportunidades, os índices de preços sofreram certa deformação
estatística que se imagina temporária. O confinamento mudou a estrutura
de consumo. Despesas com viagens, serviços pessoais (como cabeleireiro,
manicure), roupas, academia, restaurantes, bares, etc., foram
substancialmente reduzidas. Em compensação, aumentaram as com alimentos.
No entanto, o IBGE seguiu com as coletas de preços nos mercados e nas
unidades de serviços, como se a cesta média de consumo não tivesse
sofrido alterações. E calculou a variação do custo de vida levando em
conta os mesmos pesos apresentados pelos itens de consumo vigentes antes
da pandemia. Quando a vacina estiver disponível e à medida que a vida se normalizar,
essa distorção técnica também deve desaparecer ou, pelo menos,
reduzir-se.
Outra distorção é meramente psicológica. As pessoas tendem a dar mais
importância às variações dos preços dos alimentos do que às de outras
áreas da economia, especialmente nos serviços. Essa é a principal razão pela qual tão frequentemente se ouve a
observação de que o comportamento dos preços nas feiras e nos
supermercados não guarda proporção com os índices oficiais de inflação.
Nessa hora, as pessoas não levam em conta que as despesas com aluguel,
condomínio, condução, mensalidades escolares e outros serviços não
subiram ou até caíram, embora continuem a fazer parte importante do
orçamento doméstico. Boa questão está em saber como o Banco Central vai lidar com essas novas
tensões na hora de rever os juros básicos (Selic) na próxima reunião do
Copom, marcada para dia 16.
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