Maria Cristina Fernandes
Operação expõe teia de relações entre escritórios e tribunais
O Ministério Público Federal estendeu um grande tatame para a posse de
Luiz Fux na presidência do Supremo Tribunal Federal. A operação de ontem
é a maior a envolver as relações entre escritórios de advocacia e
gabinetes de tribunais superiores em Brasília. A denúncia desfia tráfico
de influência e exploração de prestígio, ferramentas com as quais, há
décadas, se desmonta o combate à corrupção.
Derivada da delação do ex-presidente da Fecomercio, a denúncia, que
envolve 26 advogados, expõe como essa teia operou a favor da manutenção
do cartório do Sistema S por meio de triangulações montadas pelo
ex-governador Sérgio Cabral. Faixa vermelha e preta de jiu-jitsu, Luiz Fux já foi feito de refém num
assalto a seu apartamento de Copacabana em 2003, quando ainda estava no
STJ. A partir de hoje, é esta teia de interesses que tentará fazer do
ministro, prisioneiro.
A presença do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na
mesma operação que também alvejou o ex-advogado do presidente Jair
Bolsonaro sugere que a esquerda montou na cavalgada anti-Lava-Jato sem
olhar os dentes. O bom discurso de Lula no dia da pátria não rima com
uma retaguarda jurídica que mora no mesmo prédio dos maiores doleiros de
São Paulo. Entre a defesa de Lula e Bolsonaro estende-se uma lista de advogados,
entre os quais, filhos de ministros e ex-ministros que ascenderam ao STJ
e ao TCU com o apoio de lideranças que, desde o governo José Sarney,
personificam, em revezamento, o Centrão.
O momento político é favorável aos denunciados. O ataque a advogados,
num momento em que a democracia está nas cordas, sempre poderá ser
traduzido como parte do arbítrio. Dois desfechos já são dados como
prováveis. O primeiro é uma liminar do ministro Gilmar Mendes. O outro é
um embate entre o procurador-geral da República, Augusto Aras, com
aquela que era a única, no lavajatismo, que escapara das ofensivas
contra Curitiba e em São Paulo.
Escolhido para relatar a primeira das ações da Lava-Jato do Rio, Gilmar
Mendes hoje é o destino natural de todas aquelas que se originam daquela
perna da operação. Some-se aí a relatoria da ação do foro do senador
Flávio Bolsonaro e é possível aquilatar o poder do ministro face ao
presidente da República e sua família. Com a ação de ontem, a este poder acresça-se aquele sobre a teia de
relações denunciadas pelo MP. São interesses que extrapolam o mandato de
Bolsonaro. Entra presidente, sai presidente, eles estão sempre lá. Não
por acaso, o último ministro a se confrontar com eles, Joaquim Barbosa,
que só recebia advogados de uma parte na presença daqueles da outra
parte, teve duros embates com Gilmar Mendes.
Fragilizado, ao tomar posse, por investigações que o envolviam e que
acabariam por ser o motivo original do inquérito das “fake news”,
Toffoli buscou abrigo sob a toga de Gilmar. O resultado é que o ministro
deixa a presidência do tribunal menor do que entrou. Cometeu dois erros capitais, o de ter suspendido o acesso da Lava-Jato
aos dados do Coaf e de ter franqueado a Aras os dados da Lava-Jato do
Paraná. Em ambos os casos, foi derrotado pelos colegas. Enquanto Toffoli cumpria a pauta à risca e se congraçava cada vez mais
com o presidente da República, a ponto de ter apagado da memória todas
as afrontas perpetradas [sic] por Jair Bolsonaro contra a democracia, Gilmar
se aproximava da esquerda, na condição de paladino do Estado de direito e
crítico da militarização do governo.
Uma das medalhas de reconhecimento foi a participação, a convite do
Movimento dos Sem-Terra, de uma plenária virtual com camponeses. O dueto dificilmente se repetirá com Fux. Primeiro lugar no concurso
para a magistratura, presidente da comissão de juristas que, junto com o
Congresso, reformou o Código de Processo Civil, Fux não se intimida no
debate técnico em plenário. Se Gilmar Mendes tem a Lava-Jato do Rio na mão, Fux é relator de um dos
mais importantes processos do Mato Grosso, do ex-governador Silval
Barbosa. Dificilmente, porém, o embate se encaminhará para os vínculos
de um e do outro com seu Estado natal.
Os votos pró-Lava-Jato de Fux deixam claro que não há composição
possível com o trio formado por Gilmar, Ricardo Lewandowski e Dias
Toffoli. Restaria, então, à trinca de ministros, neutralizá-lo. A
reforma administrativa corrobora com essa estratégia. Depois de
Executivo e Legislativo encamparem a ideia, restaria ao Judiciário
enfrentar o tema que causa desconforto para um ministro, como Fux,
ferrenho defensor do auxílio-moradia de juízes.
Em contrapartida, o ministro terá o poder de pauta. A partir de sua
posse, é possível que Edson Fachin, relator da Lava-Jato do Paraná,
sinta-se estimulado a levar mais as votações para o plenário, uma vez
que o ministro tem perdido todas na Segunda Turma desde a convalescença
do ministro Celso de Mello. Restaria ao trio as decisões monocráticas e
os pedidos de vistas, recurso contra o qual Fux não terá como se
insurgir visto que foi um dos ministros que dele mais se valeu ao longo
dos dois últimos anos.
Desconhece-se a estratégia de Fux para enfrentar a onda anti-Lava-Jato,
mas é previsível que, quaisquer que sejam seus recursos, a pauta ficará
amplamente desfavorecida com a troca de Celso de Mello, em novembro, e
de Marco Aurélio Mello, em julho. A ordem de votos, se hoje ainda favorece a Lava-Jato, jogará contra com
Fux na presidência. Como os novos entrantes votam antes, quando a vez
chegava aos “garantistas”, o placar, frequentemente, já estava 1
(Alexandre de Moraes) a 5 (Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber,
Luiz Fux e Cármen Lúcia).
Aquele que entrar, muito provavelmente, abrirá o placar contra a
Lava-Jato porque esta é a vontade do presidente que patrocinará sua
indicação. O jogo deve ficar equilibrado até que, efetivamente, esteja
garantido a partir de julho. A operação de ontem dá redobradas chances
para Aras conseguir uma das cadeiras, estrangulando a força-tarefa do
Rio. Quem quer que entre no tribunal o fará sob bombardeio, condição que, a
exemplo de Toffoli, o deixará à mercê do abrigo de Gilmar Mendes. A
partir de julho de 2021, o ministro será o decano do tribunal, condição
simbólica de prestígio que lhe dará redobrada força. A não ser que esconda um golpe secreto neste tatame tão minado, Fux poderá se dar por vitorioso com um empate.
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