Como os ministros do Pretório Excelso, o promotor da minha infância se julgava onipresente, onisciente e onipotente
A final
de campeonato de futebol não pode terminar em empate: caso nenhum time
tenha triunfado ao fim dos 90 minutos de jogo, vai-se para a prorrogação
e, persistindo a igualdade no placar, para a cobrança dos pênaltis. É o
que deveria ocorrer em qualquer disputa em última instância — seja no
esporte mais popular do país, seja na corte mais impopular da história
do Brasil. Decisão do Supremo Tribunal Federal é como decisão da Copa do
Mundo. Ninguém pode vencer por 2 a 2. Não é por acaso que o STF tem 11
juízes e cada turma é composta de 5 ministros. Números ímpares facilitam
o desempate. Mas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, decerto por
enxergarem no povo brasileiro uma imensidão de palermas juramentados,
fingem que não sabem disso. E seguem ampliando o acervo de aleijões
jurídicos que deixaria envergonhado até um chicaneiro de nascença.
A
usina de truques e espertezas foi inaugurada pela licença médica
solicitada por Celso de Mello, que reduziu a Segunda Turma a quatro
integrantes. Às vésperas da aposentadoria, o Pavão de Tatuí continua
trabalhando bastante, mas sem sair da casa onde se dedica em tempo
integral à elaboração de pareceres que procuram atrapalhar a vida do
presidente Jair Bolsonaro e o desempenho do governo. O decano do Supremo
está como o diabo gosta:
- nem chancela publicamente as infâmias concebidas por Gilmar e Lewandowski nem magoa os dois parceiros de bancada com o apoio a Edson Fachin e Cármen Lúcia, que completam o colegiado.
A primeira pendência relevante decidida por 2 a 2 foi o recurso que reivindicava a anulação da sentença, expedida pelo então juiz Sergio Moro, que condenou um doleiro envolvido no escândalo do Banestado. O autor do texto sustentava que o magistrado não conduzira o processo com imparcialidade. A sensatez recomenda o envio ao plenário de todo julgamento que esbarre no empate
- nem chancela publicamente as infâmias concebidas por Gilmar e Lewandowski nem magoa os dois parceiros de bancada com o apoio a Edson Fachin e Cármen Lúcia, que completam o colegiado.
A primeira pendência relevante decidida por 2 a 2 foi o recurso que reivindicava a anulação da sentença, expedida pelo então juiz Sergio Moro, que condenou um doleiro envolvido no escândalo do Banestado. O autor do texto sustentava que o magistrado não conduzira o processo com imparcialidade. A sensatez recomenda o envio ao plenário de todo julgamento que esbarre no empate
Gilmar
Mendes e Ricardo Lewandowski acharam que a decisão de Moro devia ser
anulada. Carmen Lúcia e Edson Fachin entenderam que não. Confrontados
com o empate, os dois inimigos do juiz da Lava Jato passaram
imediatamente ao segundo ato da tragicomédia: capricharam no latinório
— “In dubio pro reo” —, deram o processo por inválido,
revogaram a pena aplicada por Moro e tentaram encerrar o caso que
continua insepulto. Para quem vê as coisas como as coisas são, os réus
eram Sergio Moro e sua sentença. Se o empate escancara a dúvida que
favorece o réu, o beneficiário da igualdade no placar deveria ter sido o
juiz acusado de agir sem isenção. Gilmar e Lewandowski recorreram à
leitura pelo avesso para que chegasse à praça o aviso escandaloso. Dois
ministros que seriam reprovados em qualquer concurso sério para ingresso
na magistratura pretendem afrontar o país atirando ao lixo o processo
que afastou Lula de um tríplex no Guarujá e obrigou o ex-presidente a
descobrir como é a vida na cadeia.
Dias
atrás, de novo com um 2 a 2, a mesma dupla anulou a ação penal que
transformara em réu o presidente do Tribunal de Contas da União, Vital
do Rego, acusado pelo Ministério Público de envolvimento em crimes de
corrupção e lavagem de dinheiro. A reincidência animou o ministro Edson
Fachin a propor a remessa ao plenário de todo julgamento que esbarre no
empate. A sensatez recomenda a imediata aprovação da ideia. Quando dois
times empatam, aliás, qual é a dúvida? Nenhuma. O melhor sinônimo para
esse tipo de empate é igualdade. O raciocínio vale tanto para
estádios quanto para tribunais. Que a decisão, portanto, seja depositada
no colo dos 11 titulares do Timão da Toga. Eles saberão o que fazer
para desempatar o jogo.
A violação do espaço aéreo interditado para caçadores de meliantes é crime hediondo
Se
a contemplação de dois servidores públicos tomando decisões que pioram o
país parece coisa de teatro do absurdo, o chamado voto monocrático é a
versão togada da ópera do malandro. Basta um único e escasso ministro
para revogar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, como já
mostraram Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Ou para impedir que o
presidente da República, obediente ao que determina a Constituição,
nomeie o superintendente da Polícia Federal. Foi o que fez o onipresente
Alexandre de Moraes. Ou, ainda, para proibir que a polícia cumpra o seu
dever nos morros conflagrados do Rio enquanto durar a pandemia de
coronavírus. Essa maluquice produzida por Fachin inclui o detalhe que
deixaria enciumado um napoleão de hospício: se tentassem enquadrar a
bandidagem com o uso de helicópteros, os homens da lei teriam o castigo
aumentado. A violação do espaço aéreo interditado para caçadores de
meliantes é crime hediondo. Os cidadãos honestos que rezem pela chegada
da vacina.
Na minha infância, passou pela cidade em que nasci um promotor de
Justiça que, como os supremos semideuses, também se julgava onipotente,
onipresente e onisciente. Ele enxergava um criminoso de alta
periculosidade no mais cândido coroinha. Suspeitava simultaneamente do
prefeito em exercício e do líder da oposição na Câmara de Vereadores.
Enquanto investigava sigilosamente o juiz e o porteiro do fórum, mirava
com olhar acusador a madre que dirigia o colégio salesiano. Durante
alguns anos, o doutor exigiu a pena máxima para todos os réus que
fizeram escala no tribunal do júri. Não poupou nenhum até aquela
madrugada em que fugiu de Taquaritinga com a empregada doméstica.
Disposto a viver seu caso de amor mais intensamente e em sossego, perdeu
a mulher, os filhos e o emprego. Não perdeu o juízo porque só se perde o
que se tem.Se ainda vivesse, o promotor da minha infância talvez tivesse chegado ao Supremo pelo atalho que começa no Ministério Público, o mesmo percorrido pelo ex-promotor Celso de Mello. Ao contrário do que fazem libertadores compulsivos de culpados, como Gilmar Mendes, estaria usando empates ou decisões monocráticas para tentar prender tanto bandidos juramentados quanto inocentes profissionais. O Pretório Excelso de hoje é como o velho Juqueri: há vagas para todo tipo de maluco.
87,9 Metro FM - Augusto Nunes
Revista Oeste.
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