A
articulação do Congresso para blindar os parlamentares após a prisão do
deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) colocou a Câmara em rota
de colisão com o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores da
Corte, a proposta – que reduz o poder dos magistrados de definir como e
onde os parlamentares ficam presos em casos de flagrantes – é
considerada um “horror”, um “absurdo” e uma “péssima” ideia que pode
levar à impunidade. Ao Estadão,
o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que cabe
ao Parlamento definir “um roteiro claro e preciso para o atual vácuo
legal” sobre o tema.
O texto da “PEC da Blindagem” foi
construído por determinação de Lira. De acordo com a proposta, só será
permitida a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, como
uso de tornozeleira eletrônica, após decisão da maioria do plenário do
STF. Até a análise de materiais apreendidos em operações policiais no
Congresso ou nas residências de parlamentares demandarão o crivo do
plenário da Corte. Deputados se queixam de mandados de busca e apreensão
expedidos por juízes de primeira instância.
Na avaliação de
integrantes da Corte, os parlamentares estão usando o caso Daniel
Silveira para tentar garantir total impunidade e se livrar da Justiça. O
deputado está preso há oito dias após promover discurso de violência
contra ministros do STF e fazer apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5), o
mais duro instrumento de repressão da ditadura militar. A medida foi
determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e confirmada depois por unanimidade pelo plenário do tribunal. Segundo o Estadão apurou, Moraes conversou com Lira por telefone sobre a PEC.
Um
dos principais pontos criticados por ministros do STF é o de que a
proposta só permite a prisão em flagrante por certos tipos de crimes
inafiançáveis expressos na Constituição, como tortura, racismo, tráfico
de drogas, hediondos e grupos armados. Segundo um ministro, pelo texto
da PEC, Daniel Silveira poderia repetir tudo que fez e até agredir
fisicamente os integrantes do STF, mas não poderia ser preso.
Judicialização.
A
“PEC da Blindagem” também dominou as conversas reservadas [conversas reservadas, devemos lembrar que falar de assuntos discutidos de forma reservada pode constituir crime e ensejar prisão em flagrante enquanto a mídia utilizada existir?] entre os
próprios ministros ao longo desta quarta-feira. Por conta do
distanciamento social imposto pela pandemia, as conversas regadas a café
no intervalo das sessões plenárias foram substituídas por mensagens
privadas por aplicativo, videoconferências e chamadas telefônicas. A
percepção geral, de diferentes alas do tribunal, é a de que a proposta é
ruim.
Integrantes da Corte também dão como certo que a medida
logo deve ser judicializada, cabendo ao próprio Supremo analisar a sua
tramitação e legalidade. [quem irá judicializar? considerando o inquérito do fim do mundo talvez o próprio Supremo se autoprovoque.
Agora se o próprio Supremo avocar o tema e sua decisão seja terminativa, mais prático é que o STF proceda a um ajuste da Constituição Federal e promulgue nova Constituição com as adaptações que entendeu necessárias.] Dessa forma, os ministros evitaram vir a
público para criticar a proposta da Câmara.
Aliados de Lira, por
outro lado, alegam que não querem transformar a articulação da PEC em um
episódio de confronto ao Supremo – e ressaltam que toda a discussão vai
ser feita dentro do processo democrático. Para eles, a ofensiva dos
deputados de estabelecer limites e fixar parâmetros para as prisões faz
parte do sistema de freios e contrapesos, o mesmo que garantiu a
intervenção do Supremo ao determinar a detenção de Silveira.“A
inviolabilidade do mandato parlamentar não é absoluta, como bem demarcou
o Supremo e, com 364 votos, a Câmara, quando se contrapõe à democracia.
Mas a inviolabilidade não foi revogada e sua autoria é dos mesmos que
inscreveram as atribuições da Suprema Corte em nossa mesma
Constituição”, disse Lira ao Estadão.
“Não sou a
favor nem contra qualquer solução legislativa específica sobre a
proteção do mandato, que não protege o parlamentar, mas a democracia.
Sou a favor, sim, que o Congresso faça sua autocrítica e defina um
roteiro claro e preciso para o atual vácuo legal para lidar com
situações desse tipo”, acrescentou o presidente da Câmara. “A proteção
ao mandato não pode ser absoluta, mas não pode ser nenhuma. Qual deve
ser? O Poder Legislativo, democraticamente, é quem deve definir.”
Interlocutores
de Lira observam que é papel deles legislar sobre o assunto, mas
admitem reservadamente que um dos temores dentro do Congresso é o de que
o que aconteceu com Silveira se repita com outros parlamentares. A ofensiva do Legislativo contra o Judiciário vem à tona em um momento em que o STF tenta evitar novos conflitos com outro poder. Depois de mandar prender Silveira, o Supremo adiou o julgamento sobre outra questão de grande repercussão na arena política: o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que apura se houve interferência indevida na Polícia Federal.
A avaliação reservada de integrantes da Corte é que o ideal é esperar a poeira baixar e o ambiente político distensionar antes de decidir sobre como deve ser o depoimento de Bolsonaro. [ depoimento que o presidente da República prestará na condição de investigado ≠ acusado, denunciado.]
Blog Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo