Um novo ano na debilidade política
Virada de 2017 para 2018 reúne fatos que simbolizam a irrelevância na cadeia de comando do país
Michel
Temer vai
mudar 46% do seu Ministério até março, prevê-se no Palácio do Planalto.
Substituiria 13 dos 29 ministros — essa conta inclui o presidente do Banco
Central, Ilan Goldfajn, como possível sucessor do pré-candidato presidencial Henrique
Meirelles na Fazenda. Mais
interessante, talvez, seja o fato de que nos palácios de Planalto, Jaburu e
Alvorada e no Congresso, não há quem atribua relevância a tal mudança no
epicentro do governo.
Apesar da
magnitude, a troca de quase metade do time ministerial é considerada
essencialmente inexpressiva, mero reflexo da debilidade em que se consomem
partidos e instituições governamentais desde o século passado. Nesse ambiente,
tornou-se eloquente a troca de guarda no Ministério do Trabalho assim como seus
efeitos no plenário da Câmara em fevereiro. Saiu o
pastor da Assembleia de Deus Ronaldo Nogueira, deputado pelo PTB gaúcho,
signatário de uma portaria sob encomenda para desmontar uma política pública
peculiar pelo viés da antiescravatura.
Para o
lugar, foi convidado o engenheiro Pedro Fernandes, deputado pelo PTB
maranhense, cuja carreira foi construída numa mesa de almoço da praia do
Calhau, em São Luís, comandada pelo ex-presidente José Sarney. Neoadversário do
patriarca maranhense, Fernandes até deu entrevistas confirmando o convite e a
nomeação prevista para o Diário Oficial da última sexta-feira de 2017. Na
véspera, Temer recuou diante do mau humor do clã Sarney, que já detém o
Ministério do Meio Ambiente e domina áreas-chave nas estatais de energia.
Fernandes continuou deputado, agora exposto na posição de quem foi sem nunca
ter sido ministro.
A
sucessão ministerial foi definida na semana passada com a escolha de Cristiane
Brasil, deputada fluminense e filha do chefe do PTB, Roberto Jefferson.
Resgatado ao centro do poder 12 anos depois do mensalão, Jefferson extravasou
alegria, ao seu estilo, à saída da conversa com Temer, convalescente de três cirurgias
no espaço de oito semanas: “Ele teve infecção de uretra. Isso é coisa de homem,
né? Graças a Deus! Nesse mundo tão conturbado, nosso presidente tem uma doença
de homem viril. Fico feliz com ele.”
Condenado
no mensalão por corrupção e lavagem de dinheiro, Jefferson foi indultado no
governo Dilma Rousseff. Agora procura brecha jurídica para escapar da
inelegibilidade por oito anos, prevista na Lei da Ficha Limpa, e se candidatar
a um novo mandato de deputado federal. Desta vez, por São Paulo, onde pesquisas
do partido confirmam sua viabilidade eleitoral. A vaga da
futura ministra na Câmara será ocupada por Nelson Nahim, cuja ascensão na
política de Campos (RJ) foi estaiada na carreira do irmão Anthony Garotinho,
que hoje o renega. Ele já foi deputado por 24 horas, em 2015, antes de ser
preso por exploração sexual de crianças e adolescentes. Amparado em habeas
corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal, é beneficiário da coligação
comandada pelo ex-governador Sérgio Cabral: Nahim também é suplente de Celso
Jacob, deputado pelo PMDB, presidiário em Brasília, condenado por falsificação
de documentos e fraudes contra a administração pública.
São esses
os protagonistas de apenas uma das mudanças projetadas no centro de um governo
inflado por 29 ministérios, com 49,5 mil unidades administrativas, subdivididas
em 53 mil núcleos responsáveis, em tese, pela execução das políticas públicas.
Caso o presidente convalescente decidisse ouvir por apenas 15 minutos cada um
dos seus ministros — inclusive o que está interino há 20 meses na Transparência
—, precisaria de sete horas ininterruptas. Alguns se mostraram fiéis no
principal objetivo governamental de 2017: salvar o mandato do presidente. Agora,
talvez, venham apoiá-lo na única prioridade real de Temer para 2018: assegurar
algum tipo de imunidade a partir do próximo 1º de janeiro, quando estiver sem
mandato.
2017
22.dez
O
presidente Michel Temer publica um indulto de Natal com regras mais brandas para
a concessão de perdão a presos já condenados, que precisariam cumprir apenas um
quinto da pena para ter direito ao benefício
26.dez
O
ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (PMDB), admite que o governo
está pressionando governadores e prefeitos a atuarem a favor da reforma da
Previdência em troca da liberação de recursos públicos e de financiamentos da
Caixa. Em carta, governadores do Nordeste protestam contra a ameaça
27.dez
Ronaldo
Nogueira (PTB) deixa o Ministério do Trabalho. No mesmo dia, havia sido
anunciada a perda de 12 mil empregos formais no país em novembro. O PTB indicou
o deputado Pedro Fernandes para o cargo. A procuradora-geral da República,
Raquel Dodge, entra no STF para revogar o decreto de Temer e chama o indulto de
“arbitrário”
28.dez
Reportagem
do GLOBO mostra que uma auditoria da CGU identificou irregularidades em um
contrato do Ministério do Trabalho. Temer desiste de passar o réveillon na
Restinga da Marambaia. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen
Lúcia, suspende parte do decreto de Temer sobre o indulto de Natal
29.dez
Ministério
do Trabalho recua e edita uma portaria com regras mais duras para a
fiscalização do trabalho análogo à escravidão. Em outubro, a flexibilização das
regras havia provocado uma série de críticas. O GLOBO mostra que Nogueira
tentou barrar, via Advocacia-Geral da União, a auditoria da CGU que constatou
irregularidades
2018
2.jan
O
ex-presidente José Sarney veta o nome de Pedro Fernandes, indicado do PTB para
o Ministério do Trabalho. Fernandes é aliado do governador do Maranhão, Flávio
Dino (PCdoB), adversário da família Sarney. O líder do PTB na Câmara, Jovair
Arantes, demonstra insatisfação, e o partido sai em busca de um novo nome
3.jan
Após uma
reunião entre Temer e o presidente do PTB, Roberto Jefferson,o governo anuncia
o nome da deputada Cristiane Brasil, filha de Jefferson, parao Ministério do
Trabalho. No mesmo dia,o ministro da Indústria e Comércio,Marcos Pereira (PRB),
deixa o cargo
4.jan
Reportagem
mostra que Cristiane Brasil foi condenada pela Justiça a pagar R$ 60 mil em
função de uma dívida trabalhista. Temer convoca a imprensa para presenciar sua
caminhada matinal no Palácio do Jaburu e mostrar que está bem de saúde, depois
de uma infecção urinária e vários dias de repouso
5.jan
Marun
garante que Cristiane Brasil será ministra, a despeito da dívida trabalhista.
Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Secretaria-Geral, Moreira Franco, defende
Marun sobre a necessidade de apoio de governadores e prefeitos à reforma da
Previdência.
O Globo
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