Grupo é comparado aos Seals da Marinha americana
Uma tropa
que recebe treinamento de alto nível, com sede em Goiânia, chegou ao Rio para
ficar na linha de frente da intervenção federal na área da segurança pública do
estado, sob o comando do general Walter Souza Braga Netto. Na caserna, entre os
militares, seus integrantes são chamados de “fantasmas” por atuarem nas
sombras, em operações sempre cercadas de sigilo.
Forças especiais do Exército durante treinamento - Divulgação / Exército brasileiro
O Batalhão de Forças Especiais
do Exército conta com aproximadamente 2 mil homens. Não raro, eles são
comparados aos Navy Seals da Marinha americana, que mataram Osama bin Laden no
Paquistão em 2011. Esses militares, preparados para ações antiterror, têm nas
mãos uma missão muito difícil: expulsar o tráfico e as milícias de algumas
favelas cariocas. Coronel
da reserva e ex-integrante das Forças Especiais, Fernando Montenegro coordenou
a ocupação do Complexo do Alemão, em 2010. Ele explica que o grupo tem um nível
de preparo muito superior à média da tropa do Exército.
Além de táticas de
guerrilha, os “fantasmas” aprendem estratégias de combate à criminalidade
urbana durante o período de formação: fazem treinamentos com oficiais do Bope
da PM e com militares de unidades especiais de outros países. É por
isso que se espera, nas ruas, um resultado muito diferente dos obtidos até
agora pelas operações de Garantia da Lei e da Ordem no Rio. Os integrantes das
Forças Especiais passam por um rígido processo de seleção no Forte Imbuí, em
Niterói, antes de seguirem para um mínimo de cinco anos de preparação em
Goiânia. — É
incomparável a qualidade deles. Eles alcançam uma qualificação extrema não só
em nível tático, recebem treinamento de ponta para ações de alto risco em áreas
urbanas. Trabalham com inteligência e entendem como funcionam as forças de
sustentação de uma guerrilha — afirma Montenegro, acrescentando que a formação visa,
em condições normais, a proteger o país contra invasões. — É um treinamento que
capacita o militar a suportar situações extremas. Cada integrante das Forças
Especiais tem um nível de conhecimento que o permite planejar sabotagens em
grandes instalações e até produzir explosivos de forma improvisada.
O símbolo
das Forças Especiais foi criado para passar a imagem de que seus homens são os
mais temidos do Exército. No brasão dos FEs, como são chamados, aparece uma mão
empunhando uma faca. Não por acaso, ela está com uma luva, referência às ações
sempre discretas, que não deixam rastros. A lâmina está manchada de vermelho.
Até mesmo o fundo do desenho, na cor preta, tem um significado: a tropa,
preferencialmente, age à noite. O primeiro grupo de FEs desembarcou no Rio no
último dia 16, e, na madrugada de sexta-feira, fez uma incursão à Vila Kennedy
antes da chegada de 3 mil homens do Exército à comunidade.
Preparo
para ação em área de mata
Os FEs
integram uma unidade do Comando da Brigada de Operações Especiais do Exército,
que tem em seu brasão uma faca enfiada numa caveira, desenho que inspirou o
símbolo do Bope. Mas, enquanto os homens do batalhão da PM inspiraram os filmes
da franquia “Tropa de elite”, os FEs atuam cercados de mistérios. Fontes
ouvidas pelo GLOBO revelam que eles são submetidos a situações extremas durante
o processo de formação: chegam, por exemplo, a ser atacados por veteranos que
usam óculos de visão noturna em salas escuras, onde os novatos têm o desafio de
encontrar uma saída enquanto tentam reagir.
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Só
militares de carreira podem ser FEs. Se o candidato à tropa de elite do
Exército for um sargento, além do período de cinco anos na Academia Militar,
ele precisará de mais dois para concluir sua formação. Há ainda três cursos
obrigatórios. O primeiro é o básico de paraquedista, que dura seis semanas. Em
seguida, começa o de comandos, com carga horária de 800 horas, distribuídas ao
longo de quatro meses, durante os quais são ensinadas técnicas de uso de
explosivos e de combate e infiltração. A etapa final exige 1.200 horas de
treinamento, num período de cinco meses.
Montenegro
diz que, por mais estranho que possa parecer, a aptidão dos FEs para combates
na selva poderá fazer a diferença no Rio: — Há
vários treinamentos que, à primeira vista, parecem não fazer sentido no
contexto atual, como salto de paraquedas e mergulho. Mas, no Rio, há grandes
extensões de mata nos morros. A polícia não possui a capacidade dos “fantasmas”
para atuar nessas áreas. As Forças Especiais têm preparo e equipamentos para
isso, como óculos que detectam movimentos em meio à escuridão. Especialistas em
helicópteros, eles também têm a habilidade de um sniper para atirar de uma
aeronave.
Os FEs são
treinados para atuar com discrição absoluta, mas a tropa especial já foi
acusada de perder o controle da situação e provocar uma explosão de violência.
A tropa foi colocada sob suspeita de envolvimento na morte de oito pessoas no
Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em novembro do ano passado. O Comando
Militar do Leste, no entanto, nega a participação de “fantasmas” no caso. [se necessário que morram oito mil e não apenas oito.]
Elite do
Exército já passou pelos complexos do Alemão e da Maré
Os
“fantasmas” do Exército brasileiro atuaram em diversas ações no Rio nos últimos
anos. Ao contrário de outras tropas, eles preferem não dar publicidade às suas
ações. De acordo com o coronel da reserva Fernando Montenegro, os FEs agiram
durante a ocupação do Complexo da Maré pelas Forças Armadas, entre 2014 e 2015.
O coronel, que coordenou ações do Exército na região, afirma que os FEs tiveram
papel importante. O Centro de Comunicação Social do Exército informou que o
grupo também fez trabalhos no Complexo do Alemão, entre 2010 e 2012. — Foram usadas
equipes das Forças Especiais do Exército e da Marinha. Eles atuam em situações
pontuais e muito significativas. Mas essa é uma tropa que faz questão de não
aparecer. Os FEs realizam a operação, mas quem colhe os louros são outros.
Muitas operações que entraram na conta de outras unidades foram feitas e
articuladas pela tropa das Forças Especiais. A filosofia é fazer a operação
para ter o resultado — observa Montenegro.
Segundo o
Ccomsex, a tropa de elite também participou de todos os grandes eventos internacionais
que ocorreram no Brasil nos últimos anos. Eles foram empregados no
Pan-Americano, nos Jogos Mundiais Militares, na Jornada Mundial da Juventude,
durante a visita do Papa, na Rio+20, na reunião da cúpula do Mercosul, na Copa
das Confederações, na Copa do Mundo, e durante os Jogos Olímpicos e
Paralímpicos. Em todos os eventos, seus integrantes tiveram papel fundamental
na estratégia de prevenção e combate ao terrorismo. Lá fora, os FEs
participaram de operações especiais integrando as forças da ONU no Haiti, além
de ações em Kinshasa, na República Democrática do Congo; e em Abidjan, na Costa
do Marfim, fazendo a segurança da representação diplomática brasileira até a
retirada dos brasileiros da região.
Ex-subcomandante
do Batalhão de Forças Especiais, o coronel da reserva Roberto Criscuoli chama
os FEs de multiplicadores, pela sua capacidade de atuarem no lugar de dezenas
de militares comuns. Criscuoli, que foi colega de turma, no curso dos FEs, do
general de divisão Mauro Sinott Lopes, braço direito do interventor federal
general de Exército Braga Netto, se arrisca a dizer que uma outra vantagem do
grupo é ser focado apenas na missão, com índice zero de corrupção.
— O maior
desafio do interventor federal, sem dúvidas, será a corrupção nas polícias. Os
FEs são blindados para não haver desvios de conduta. É uma tropa que consegue
fazer com que as pessoas cooperem com a missão e confie nela. Uma das vantagens
que Braga Netto terá com o emprego dos Forças Especiais é que ele fará muita
coisa com um pequeno grupo de militares altamente qualificados, que não
escolhem a tarefa — diz Criscuoli. — Não é a toa que o nosso lema é: “o ideal
como motivação; a abnegação como rotina; o perigo como irmão e a morte como
companheira” — conclui, lembrando que a própria tropa militar comum está
corrompida.
A
transferência das Forças Especiais do Rio para Goiânia, na década de 1990,
ocorreu justamente por causa do assédio de traficantes cariocas a militares e
ex-integrantes da tropa. Em 2004, o Exército criou a Brigada de Operações
Especiais, atual Comando de Operações Especiais, que reúne o 1º Batalhão de
Forças Especiais, o 1° Batalhão de Ações de Comandos, o 1° Batalhão de
Operações Psicológicas e a 1° Companhia de Defesa Química, Biológica,
Radiológica e Nuclear.
Militares,
segundo especialistas, estão bem preparados, mas verba para armas e veículos
diminuiu
O preparo
dos militares mobilizados para a intervenção federal é reconhecido por
especialistas em forças de segurança, mas parte dos equipamentos da tropa está
defasada. No ano passado, o investimento do Exército em material para operações
foi o menor desde 2010: R$ 619,1 milhões. Em 2014, época de Copa do Mundo e de
preparativos para a Olimpíada de 2016, os gastos com armamento, veículos e
utensílios de apoio chegaram a R$ 2,47 bilhões. Hoje, a
tropa convocada para combater a violência no Rio tem à disposição tanto um
fuzil de última geração, o IA2, como um que o Exército usa desde a década de
1950, o FAL.
— Isso é
um problema porque exige, na intervenção, duas cadeias diferentes de suprimento
de munição e peças de reposição — diz o coronel da reserva Fernando Montenegro.
Uma das
prioridades do Exército é substituir sua frota de veículos Urutu, dos anos
1970, pelo modelo Guarani.
— A
blindagem do Guarani é superior, assim como sua mobilidade em terrenos
acidentados. Mas o Urutu não é sucata, pode ter boa utilização nas operações no
Rio — afirma Vinicius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira de
Profissionais de Segurança (Abseg).
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