Tragédia na escola dos meus filhos reforçou minha convicção contra armas
Pai de escola da Flórida reflete sobre riscos de copiar modelo americano para armas no Brasil
Na
quarta-feira da semana passada, saí da rotina e, talvez por um pressentimento,
combinei de buscar meus dois filhos na escola onde estudam, na Flórida, para
que fizéssemos um passeio juntos. No caminho, meu filho ligou e disse que
estava saindo antes de a aula acabar, por causa de um alarme de incêndio.
Comecei a ligar insistentemente para minha filha. Em instantes, vi helicópteros
e carros de polícia por todos os lados, enquanto meu filho avisava: “Papai, tem
um atirador na escola, mas já estou na rua.”
Comecei a
rezar em agradecimento a Deus por ele, e, sobretudo, pela proteção da filha que
ainda estava lá e não atendia o celular. Meia hora depois, ela ligou chorando:
seu professor fora morto no momento em que fechava a porta da sala para
proteger os alunos, e, por um milagre, o atirador não percebeu que ela e os
colegas estavam lá dentro.
Na porta
da escola, encontrei pais desesperados. Procurei acalmá-los. Um deles gritou
com um policial que fazia a barreira, e virou-se para mim, aos prantos: “Armas,
armas... eles sabem! Já é a vigésima escola. Até quando?”
O
massacre deixou 17 mortos e famílias destroçadas. O episódio, que o destino me
fez vivenciar de perto, reforçou a convicção que eu já tinha antes de chegar à
Flórida, em 2015: a política de armas dos Estados Unidos é fracassada. Um
controle é fundamental, mas, ao invés de rigor na venda de armamentos, a
Associação Nacional do Rifle (NRA) vem com uma proposta quase inacreditável:
armar professores. [se o professor que salvou vários alunos protegendo-os com o próprio corpo e recebendo as balas a eles dirigidas, certamente o atirador teria sido abatido.]
A
tragédia americana reforça o meu temor pela pressão que o Congresso brasileiro
vem recebendo para liberar armas de fogo para a população, uma
irresponsabilidade sem precedentes. Entendo o desespero de muitos que acreditam
ser esta a melhor solução para a sua defesa pessoal, tendo em vista a falência
de nossa segurança pública. Mas revogar o Estatuto do Desarmamento seria um
equívoco terrível. Não apenas repetiríamos o erro americano. Iríamos além, pois
nosso país, sem estrutura para garantir a resposta rápida e eficiente da
polícia, ainda carrega o estigma da impunidade, patrocinada por boa parte do
nosso Judiciário. [felizmente o estúpido 'estatuto do desarmamento' vai ser revogado e em breve os brasileiros terão livre porte/posse de quantas armas desejarem - atualmente, alguns brasileiros emprenham pelos ouvidos e acham que está tudo bem vivendo em um país em que só a polícia e os bandidos podem possuir/portar armas.]
Em alguns
estados americanos, se você apontar a arma para alguém, mesmo sem disparar,
pode ser condenado a mais de uma década de prisão. Isso não basta para impedir
os massacres, facilitados pelo livre acesso às armas. Liberar as armas no
Brasil equivale a pretender apagar um incêndio com querosene. Um dos
argumentos dos que defendem a liberação é que, apesar de terem mais armas em
circulação do que o Brasil, os EUA registram muito menos mortes. O argumento se
baseia numa comparação falaciosa de grandes potências com um país onde a
violência urbana decorre da soma de diversos fatores, incluindo distribuição de
renda, qualidade da polícia e do Judiciário, falta de acesso à educação e
políticas de controle de armas. [onde está a falácia do afirmado: o próprio senhor Girão, apresenta abaixo uma estatística que desmente o que afirma acima:
- nos Estados Unidos ocorrem 29,7 homicídios a tiros por um milhão de habitantes = 2,97 homicídios por 100.000 habitantes - sendo o país mais armado do mundo;
- no Brasil, país em que o porte/posse de armas só é permitido aos policiais e a bandidos, ocorrem 29,4 mortes a tiros por 100.000 habitantes.]
Na
comparação com outros países desenvolvidos, os EUA ficam muito mal: ocupam a
liderança dos homicídios por arma de fogo, com 29,7 homicídios a tiros a cada
um milhão de habitantes, taxa seis vezes maior do que a do Canadá, por exemplo.
Isso por uma diferença fundamental: facilidade de acesso às armas. No Brasil,
segundo estudos citados no Atlas da Violência 2017, mais armas também
significam mais mortes: a cada 1% de aumento na circulação de armas, estima-se
que a taxa de homicídios cresça 2%.
O
controle de armas não é uma questão ideológica. Estamos tratando de vidas. O
pesadelo por que passamos aqui nos leva a refletir sobre os riscos de se copiar
o modelo americano no Brasil, e sobre a necessidade de nos unirmos pela paz e
pelo bem de nossa sociedade. Já disse Gandhi, também assassinado a bala: “Olho
por olho e a Humanidade acabará cega.”
Luís
Eduardo Girão é empresário, ex-presidente do Fortaleza Esporte Clube, e mora na
Flórida
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