Especialistas analisam, ponto por ponto, fala de generais sobre intervenção no Rio
Para eles, falta detalhamento ações anunciadas em entrevista coletiva
Depois da
coletiva de imprensa do interventor da Segurança Pública do Rio, general Braga
Netto, onde foi oficializado o nome do general Richard Nunes, especialistas
analisaram, a pedido do GLOBO, os assuntos abordados pelos militares. Muitos
deles ressaltaram a falta de detalhamento, na coletiva, das ações que serão
executadas pelos militares.
Foram ouvidos a socióloga Julita Lemgruber,
coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), José
Ricardo Bandeira, do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da
América Latina, Rodrigo Brandão, professor de Direito Constitucional da Uerj e
membro do observatório da OAB-RJ montado para acompanhar a intervenção, e Lenin
Pires, professor do Departamento de Segurança Pública e diretor do Instituto de
Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF.
MUDANÇAS
NA CÚPULA
"O
restante da estrutura da segurança pública continua o mesmo" (General
Braga Netto)
José
Ricardo Bandeira afirma que a decisão do general é " uma falha grave no
projeto de intervenção".
- Ele não
tem como fazer uma intervenção séria e bem feita sem atacar os problemas
internos das duas corporações. Para isso, tem que mudar a cadeia de comando,
alterar a chefia das polícias Militar e Civil. Tem que mudar a estrutura de
comando.
Para a socióloga Julita Lemgruber, a impressão passada pelo interventor com essa
decisão é que o grupo foi "pego de surpresa" com o decreto de
intervenção federal.
- A
grande questão que ficou evidente é que não há planejamento - considera
Julita.
Rodrigo
Brandão atribui a decisão à crença do general de que o estado "vai
continuar fornecendo tudo o que fornecia" e que a União veio só para
acrescentar pontos a essa estrutura.
- Acho
que ele diz com isso que conta com a estrutura que o estado já fornecia, ou
seja, ele parte da premissa que o estado vai continuar fornecendo tudo que o
estado fornecia. E a União viria com o algo a mais. O problema é que, pelo que
ouvi, esse algo a mais ainda não está definido.
Lenin
Pires afirma que houve cautela do interventor ao não mudar a estrutura das
polícias:
- Não há
uma mudança brusca. Eu diria que o interventor está buscando ter uma prudência
diante da percepção de que o governo federal não tem um plano sério, gestado a
partir de uma administração responsável. Até porque é um governo que não tem
legitimidade, não tem clareza de suas debilidades. É uma grande jogada, e o
próprio presidente falou isso. Essa prudência parece, no meio de tanta coisa
ruim, uma coisa salutar. Ele precisa ter a garantia de que essa tropa vai
respeitar uma cadeia de comando coerente.
INTELIGÊNCIA
E ESTRATÉGIA
"Inferimos
que nossa missão é recuperar a capacidade operativa da segurança pública e
baixar os índices de criminalidade" (General Braga Netto)
"Vejo
essa intervenção como uma janela de oportunidades para a Segurança Pública do
Rio de Janeiro. Nos objetivo é reestruturar, fortalecer e apoiar logisticamente
a segurança pública do Rio de Janeiro" (General Braga Netto)
"A
intervenção é gerencial. Nosso objetivo é integrar e cooperar" (General
Braga Netto)
"É
uma oportunidades para a segurança aproveitar essa expertise de gerenciamento
que as forças armadas possuem" (General Braga Netto)
Mais uma
vez, para Julita, faltaram detalhes sobre como essa "experiência" e a
integração vão mudar protocolos que já estão em vigor.
- O
general se esquivou em relação a todas as perguntas. Não se enfrentou o que
estava sendo colocado - afirma
Já
Bandeira critica a falta de menção a investimentos para recuperar essa
"capacidade operativa" citada:
-
Recuperar a capacidade operativa deveria ser feito por meio de um plano de
investimento na polícia do Rio. E ele não falou sequer de investimento.
Consertar umas viaturas não vai resolver. As mudanças passam por melhoria em
várias áreas, como maior treinamento da PM e da Polícia Civil. Há anos não há
treinamento adequado. E também há o investimento em inteligência, que vem sendo
renegado há anos.
Por outro
lado, ele destaca que a experiência do exército, citada pelo general, de fato é
"diferenciada" e pode educar as polícias.
- É um
gerenciamento diferenciado mesmo. O preparo do Exército é muito acima da média.
Eles também têm anos e anos de experiência no Haiti, o que pode ser aproveitado
aqui.
Brandão,
por sua vez, acredita que é imprescindível uma reforma das instituições
policiais, que ficou de fora do discurso do interventor:
- Espero
que isso, de reestruturar, signifique uma reforma das instituições policiais.
Ele precisará fazer uma releitura das estruturas policiais, como identificar e
retirar a banda pobre da polícia e montar instrumentos de inteligência e
investigação.
Já Lenin
Pires questiona a citada "expertise" das tropas no tocante à
inteligência policial
- O
Exército tem inteligência para pensar questões estratégicas, de defesa militar.
Mas para lidar com a Seguranças Pública é preciso ter outros conhecimentos que
não estão disponíveis. Não apareceu o que foi produzido na Maré de informações
e conhecimentos para a Segurança Pública do estado. Se alguma coisa aconteceu,
foi particularizado corporativamente.
UPPS
"Que
o orgulho de ser policial no Rio tenha um up. Com isso, recupera-se a
credibilidade da instituição segurança pública no Rio" (General Braga
Netto)
"Num
primeiro momento, toda a sistemática e gerenciamento da segurança do Rio vai
ser mantida (inclusive as UPPs), enquanto o general Richard vai fazer uma
análise" (General Richard Nunes)
Para
Julita Lemgruber, a resposta do general mostra que o grupo interventor
"ainda não sabe o que fazer com as UPPs", que vem perdendo
importância e recursos nos últimos anos.
- Em
todas as perguntas em que o general foi confrontado com a possibilidade de dar
uma informação concreta sobre o resultado dessas reuniões, que em tese deveria
haver pelo menos um plano estratégico, não há nada. Efetivamente, eles não
sabem o que fazer com as UPPs, não têm clareza.
Lenin
Pires acha que há um entendimento do interventor de que esses lugares devem ser
ocupados, porque ainda que as UPPs não funcionem, ter policiais nas comunidades
é "interessante do ponto de vista estratégico":
- A
política original (de pacificação) foi desmantelada sucessivamente. Você não
tem mais uma polícia pacificadora autônoma e desvinculada dos batalhões. A UPP
já acabou, o que existem são unidades físicas.
Bandeira
acredita que o discurso dos generais é de que a agonia das UPPs vai continuar:
- Ele vai
manter como está. Ou seja, em uma situação precária. O mais correto seria
recuar no projeto das UPPs, que não se sustenta mais. É um erro estratégico
muito grande. O governo tem as UPPs, mas não tem o domínio dos territórios onde
elas estão. É iniciar com o pé esquerdo
Já
Brandão entendeu que a forma de atuação nas favelas não vai mudar:
- Isso
diz muito pouco - ressalta.
OCUPAÇÃO
NAS FAVELAS
"Não
existe planejamento de ocupação permanente de comunidades. As operações vão
continuar pontuais" (General Braga Netto)
José
Ricardo Bandeira acha que é um risco promover uma intervenção sem ocupar
permanentemente áreas de risco:
- Com a
ocupação, você consegue quebrar a criminalidade. Sem uma ocupação permanente,
não vai dar certo. Vamos continuar naquele esquema de mandar o policial militar subir o morro para apreender uma ou duas armas.
Diante da
resposta do general, a socióloga Julita Lemgruber disse não ver diferença entra
a proposta da intervenção e a já existente Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
- Se não
há planejamento, se não há como ir além das GLOs, para que a intervenção? Fica
mais claro ainda que essa intervenção é um ato político. Acho que essa coletiva
mostra que realmente o exercito é pego de surpresa. Que eles então mantivessem
as GLOs, não precisava de intervenção.
O professor
de Direito Ricardo Brandão, por sua vez, vê a medida com bons olhos:
- Essa
medida me parece razoável, porque otimiza recursos humanos, que não são
infinitos. O Exército tem um determinado contingente de tropa, não pode ficar
gastando isso na ocupação permanente de comunidades. Uma ação como essa também
contribui para gerar menos danos às comunidades. Mas o tempo dirá se isso será
eficaz.
Para
Lenin Pires, a permanência das operações pontuais demonstra que os militares
foram surpreendidos com o decreto de intervenção:
- É uma
prova de que os militares estavam com uma GLO em curso e foram instados a mudar
o padrão. Essa decisão de manter o que estava em curso me parece um exercício
de prudência e de cautela, e de fazer política diante da falta de planejamento.
É pirotecnia política em ano eleitoral. Eu discordo da política de intervenção,
mas saúdo a cautela que tem demonstrado interventor.
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