O Estado de S.Paulo
IDH toca na maior ferida do Brasil: desigualdade social. País rico, cidadãos pobres
O Brasil ficou na 79.ª posição geral e na quarta da América do Sul no
IDH, atrás de Chile, Argentina e Uruguai, mas a pior notícia não é essa,
é o pódium da desigualdade. O índice brasileiro vai melhorando devagar,
mas continua péssimo e sem reduzir o gap triste e vexaminoso entre os
mais pobres e os mais ricos. Simplesmente 1/3 da renda vai todinha para
apenas o 1% de mais ricos. Os avanços foram mais acentuados de 1990 a 2013, até que a crise Dilma
Rousseff, com todos os seus fatores, estancou esses avanços. Em 2018, a
melhora foi de um milésimo no IDH. O que puxou o freio foi a educação.
Alguma surpresa? E há uma grande previsão de melhora?
Ao lado disso, a confirmação agora, como ocorre ano após ano, de que as
mulheres estudam mais, mas ganham menos que os homens. Muito menos,
aliás, em torno de 41,5%. Novamente, há alguma surpresa? E há uma grande
previsão de melhora? O principal alerta sobre o significado de tudo isso está aqui perto, no
Chile. Considerado um oásis, com bons indicadores econômicos, políticos e
sociais, o país ficou novamente em primeiro lugar no IDH na região.
Então, há alguma coisa fora de lugar. Se o país tem o melhor IDH e
indicadores tão elogiados, por que pipocaram manifestações gigantescas
contra tudo? [importante lembrar que o IDH se refere ao ano de 2018, as manifestações no Chile estão ocorrendo no final de 2019;
de igual modo, o governo do presidente Bolsonaro, iniciado em janeiro/2019, não tem nenhuma influência sobre o IDH em comento.] A resposta, não científica, mas compartilhada pelos meios acadêmicos e
diplomáticos tanto do Chile quanto do Brasil, é essa: o país vai bem,
mas as pessoas não tanto. A renda é alta, a divisão é precária. E,
atenção, quanto mais a sociedade tem informação, serviços adequados e
suas reivindicações atendidas, mais ela fica exigente.
Afinal, informação é poder. Se as pessoas têm mais acesso a escola, a
saúde, a habitação e aos seus direitos, mais ela acha que pode
conseguir. E está certa. Daí a pressão. E daí o temor no Brasil de que a
onda de protestos no Chile venha cruzando fronteiras e desembarque por
aqui. Esse temor é reforçado pelo ambiente geral na região. Também vivem
graves conflitos de rua Colômbia, Bolívia e Equador, sem falar na
Venezuela, um caso perdido. E há troca de governo na Argentina e
Uruguai.
É instigante que os protestos não perdoem os regimes nem de direita
(Colômbia) nem de esquerda (Bolívia). O “povo” não quer saber desse
mimimi de direita e de esquerda. Quer direitos e serviços: educação,
saúde, habitação, transporte, emprego, dinheiro no bolso – e inclusão
social. No Chile, todas as forças políticas, exceto o Partido Comunista, se
reuniram para tentar entender o que está acontecendo e providenciar uma
reação consistente à sociedade. O manifesto dessa nova “Concertación”,
“pela democracia”, acena com uma resposta ao “clamor dos cidadãos”, um
“acordo social” e uma “nova era”, avançando com a atualização da
Constituição.
No Brasil, pego de surpresa, como todos os demais, por essas ondas de
rebelião ao seu redor, a questão é tratada superficialmente, só pelo
ângulo da repressão. Ou melhor, como caso de polícia, de tropas do
Exército ou até mesmo de AI-5. O correto, porém, é passar os olhos pelo manifesto chileno e focar num
parágrafo sobre o “bom momento” para reformas sociais e econômicas que
possam “outorgar justiça e maior igualdade de oportunidades, ajudando
aqueles que necessitam da presença de um Estado solidário, de bem-estar e
seguridade social”. Esse é o pulo do gato. É arregaçar as mangas, lá, como cá, para que o Estado deixe de servir às
castas estatais e privadas e passe a se voltar para o interesse da
maioria, para aqueles que realmente precisam do Estado. Reformas já! Mas
não só enxugando os privilégios de quem não precisa, mas garantindo
direitos para quem precisa. O começo de tudo é a Educação.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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