O pior não foi o ministro Rogério Marinho anunciar a mixaria de R$ 3,8 milhões para combater o fogo no Pantanal. Conforme a conta feita pelo pessoal do Jornal da Globo, isso mal daria para pagar 540 horas de voo de aviões aparelhados para debelar esse tipo de incêndio. O pior foi o ministro dizer que estava liberando aqueles 3,8 milhões porque havia projetos para o uso do dinheiro. E que soltaria mais recursos – 5, 10 milhões, o quanto fosse – se houvesse outros projetos. Há quantas semanas ocorre o atual fogo? Há quantos anos se sabe que há incêndios nessa época do ano? E só tem projeto para aplicar menos de 4 milhões de reais? Pior ainda: não é apenas aí que faltam projetos.
Considerem o Renda Brasil. Deveria ser o sucessor do auxílio emergencial e o substituto do Bolsa Família. Ocorre que o próprio auxílio nasceu sem projeto. O Ministério da Economia sugeriu a distribuição mensal de 200 reais para os mais vulneráveis – cujo número se desconhecia. O Congresso, nos debates, elevou o benefício para R$ 500 e, na véspera da votação, o presidente Bolsonaro mandou: põe aí logo 600 reais.
Acabou saindo um programa de R$ 51 bilhões de reais/mês para algo como 60 milhões de pessoas. Por isso, aliás, ocorreram aquelas confusões nas agências da Caixa. A instituição obviamente não esperava tanta gente.
Houve muita fraude, mas o programa melhorou a renda das faixas mais pobres. E elevou a popularidade do presidente, que resolveu perpetuar a benefício com o Renda Brasil. Seria muito mais que o Bolsa Família, o grande eleitor do PT no Nordeste, e que gasta “apenas” R$ 32 bilhões por ano para pagamentos a 14 milhões de famílias.
Mesmo descontando as fraudes do auxílio e reduzindo para R$ 300 reais/mês por pessoa, o custo continua insustentável.
A despesa total prevista pelo governo federal para 2021 é de R$ 1,5 trilhão, sem qualquer provisão para o Renda Brasil, sequer mencionado no projeto de orçamento. Desse gasto total, nada menos de R$ 1,2 trilhão vai para o pagamento de aposentadorias, pensões e salários do funcionalismo. Sobram R$ 300 bilhões para todos os demais gastos de custeio e investimentos.
Se reduzido para a metade, o custo do Renda Brasil alcançaria R$ 300 bilhões/ano. Ou seja, ou o governo funciona ou paga o Renda Brasil.
Aí, fica o pessoal do Guedes procurando de onde tirar uns trocados para o um Renda Brasil desidratado.
Sem chance. A menos que o governo decida imprimir aqueles 300 bilhões, ou tomar emprestado ou aumentar impostos – e reaparece a CPMF. Se não fosse politicamente inviável, levaria a um aumento da dívida pública, com consequente alta dos juros e da inflação. Lembram-se da recessão da Dilma? Pois então.
Essas confusões do governo Bolsonaro fizeram reaparecer o tal risco fiscal – a ameaça de descontrole das contas públicas, um temor que se expressa na alta dos juros no mercado futuro. Se a taxa básica (Selic) está em 2% ao ano, um papel do governo com vencimento em janeiro de 2023 é vendido a juros de 4%. E de 8% para vencimento em dez anos.
Eis o ponto a que chegou o governo Bolsonaro. Perdeu a bandeira do combate à corrupção (com a saída de Moro) para se transformar em alvo do combate à corrupção. Sua sorte é que muita gente lá de cima está ansiosa para acabar com a Lava Jato.
Com os seguidos percalços da política econômica, o governo perde o apoio de parte da elite e da classe média que estava farta do intervencionismo e da roubalheira do PT. E não tem o dinheiro para fazer o populismo do Renda Brasil.
Daí a anistia às igrejas e templos. Só o perdão da cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido daria para pagar mais 142 mil horas de voo para combater o fogo no Pantanal.
Mas o presidente precisa agora garantir suas bases mais fiéis e, digamos, mais sinceras, para obter ao menos os 30% que o levem a um segundo turno em 2022, com sorte contra um candidato inviável de esquerda.
Aqui tem, sim, tem um projeto. Que pode ser atrapalhado se aparecer um candidato viável ao centro.
E nem falamos da pandemia.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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