Carlos Pereira
A influência do Judiciário na política é fruto da escolha dos próprios políticos
Têm sido cada vez mais frequentes reclamações e críticas acerca da
proeminência do Judiciário brasileiro, especialmente da sua Suprema
Corte. Muitos afirmam que esta tem extrapolado a sua atuação, não apenas
invadindo a seara de outros Poderes, mas também constrangendo de forma
exacerbada a atuação dos políticos. Alegam também que a existência de
decisões judiciais em direções opostas sobre temas semelhantes, não só
proferidas pelo colegiado, mas especialmente de forma monocrática, tem
supostamente acarretado insegurança jurídica.
A crescente influência do Judiciário na política não é um fenômeno
brasileiro nem tampouco fruto de voluntarismos unilaterais de juízes ou
mesmo de jacobinismos. Na realidade, é produto da escolha dos próprios
políticos. Ou seja, o espaço que o Judiciário opera é definido
politicamente. [se a definição está errada, corrija-se a definição;
não pode é uma escolha resultante de uma definição errada, sustentar erros judiciários e insegurança jurídica.]
De acordo com Ran Hirschl (The Political Origins of Judicial Empowerment Through Constitucionalization: Lessons from Four Constitutional Revolutions, 2000),
essa influência é um fenômeno global. Em países cuja constituição
garante direitos fundamentais e atribui ao Judiciário o poder de rever a
constitucionalidade de atos de outros Poderes, verificou-se um aumento
considerável da influência do Judiciário nas prerrogativas do
Legislativo e do Executivo. Diante dos riscos de os interesses
minoritários serem esmagados por uma maioria episódica, o empoderamento
do Judiciário se tornou um imperativo. [uma maioria episódica, representando a vontade do povo é preferível a um empoderamento de uma instituição que não representa a vontade do soberana do povo.
Isso leva a que se cogite de um Poder acima dos demais e que seria o Poder Moderador.]
O incremento na judicialização de políticas fez com que o jogo
democrático dependesse cada vez mais da posição do Judiciário. A
Justiça, na realidade, se transformou em uma espécie de arma política
utilizada estrategicamente pelos próprios políticos. José Maria Maravall (The Rule of Law as a Political Weapon, 2003)
propõe três condições para que esse fenômeno ocorra. A primeira quando
Executivos constitucionalmente fortes são majoritários no Legislativo ou
conseguem formar coalizões. Nesse caso, o Parlamento teria poucas
condições de responsabilizar e controlar o governo de plantão,
tornando-se menos relevante. O confronto político seria assim
transferido para o terreno do Judiciário. Haveria incentivos políticos
para que a oposição minoritária embarcasse em uma estratégia de
judicialização da política.
A segunda condição se daria quando a oposição aceita a derrota nas
eleições na expectativa de se tornar governo no futuro próximo, mas
novamente é derrotada nas eleições subsequentes. Mesmo com menores
esperanças de se tornar vencedora com as regras do jogo atual, a
oposição não parte para saídas autoritárias, mas utiliza o ativismo
judicial como instrumento de competição política.
A última condição aconteceria quando o governo de plantão é minoritário e
vulnerável no âmbito eleitoral. O governo teria assim incentivos para
se valer do ativismo judicial para consolidar seu poder e enfraquecer a
oposição. A expectativa do governo de ser vitorioso no futuro sob as
atuais condições de competição é inferior à de ganhar após a politização
do Judiciário. Evidentemente, essa estratégia depende de o governo
encontrar apoio dentro do Judiciário.
No Brasil, as condições institucionais para uma maior interferência do
Judiciário na política estão presentes desde a Constituição de 1988. Mas
foi com a consolidação e amadurecimento de sua democracia que esse
fenômeno ganhou maior intensidade e relevância. Pois, como disse
Toqueville, “o poder arbitrário de magistrados em regimes democráticos é
ainda maior do que a de seus colegas em regimes despóticos”.
Por maior que seja a insatisfação que a interferência do Judiciário na
política gere em parte dos políticos e da sociedade, esse fenômeno tem
se mostrado extremamente resiliente ou quase irreversível. Apenas em
momentos de crise aberta que exigem refundação, mudanças dessa magnitude
conseguem ser implementadas. Mas é preciso lembrar que um
enfraquecimento do Judiciário também teria consequências negativas e,
portanto, que não existe solução ótima.
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