O principal desafio da proposta encaminhada pelo governo a fim de modernizar a máquina administrativa é reunir condições políticas para corrigir problemas como o desrespeito ao teto do funcionalismo, o custo dos inativos e a demissão de servidor por mau desempenho
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa,
enviada pelo governo ao Congresso na quinta-feira, serviu para agradar
ao mercado, dando um sinal de que o presidente Jair Bolsonaro pretende
manter a agenda reformista. Mas, além de não ter impacto fiscal de curto
prazo, ela apresenta resultados duvidosos no médio e no longo prazos.
Com isso, segundo especialistas ouvidos pelo Correio, não deve reduzir
muito essa despesa, pois mais da metade dos servidores das folhas da
União e dos entes federativos é de aposentados e pensionistas.
“O maior problema da administração pública são os
inativos. Mesmo com a reforma da Previdência aprovada, a despesa com
aposentadorias e pensões continuará crescendo em ritmo mais acelerado do
que a com funcionários ativos. Nos estados, o quadro é mais preocupante
do que na União, e, dificilmente, a reforma será feita com a inclusão
dos poderes autônomos”, alertou o economista Raul Velloso. Pelas contas
dele, nos últimos anos, o crescimento dessas despesas ficou bem acima da
inflação e, portanto, a reforma proposta, mantendo a autonomia dos
Poderes, é “um tiro n’água”.
Na avaliação do economista Leonardo Ribeiro, consultor do Senado Federal, o problema dos inativos pode comprometer qualquer resultado da reforma administrativa. Ele cita, também, o problema dos servidores da ativa que ganham acima do teto e não são atingidos pela reforma. “Essa é uma despesa que tem que ser atacada e que é difícil de ser medida em todas as esferas, porque não existem dados unificados de gastos com servidores que estão acima do limite do funcionalismo. Falta um mecanismo para obrigar os órgãos a apresentarem, de maneira transparente e centralizada, qual é o impacto fiscal dos gastos acima do teto nos três níveis de Poderes e de governos. Mas a reforma não prevê nada nesse sentido para melhorar a gestão”, criticou Ribeiro.
O problema de inativos nas despesas públicas vai além da reforma administrativa, lembrou o consultor do Senado. “O custo atual da folha de pagamentos é de 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB), o mesmo percentual de 1998. Contudo, o governo tem uma previsão de reduzir o custo da folha para 2,6% do PIB até 2026 para atender às regras previstas no teto de gastos. Só que, como a metade da folha é de inativos, não é factível”, destacou. Ele lembrou que a previsão do rombo da Previdência Social em 2021, será de R$ 287 bilhões, dado superior à previsão de deficit primário das contas públicas, de R$ 233,6 bilhões. “O efeito da reforma da Previdência é pequeno nos primeiros anos e, portanto, o governo ainda vai precisar aumentar imposto para conseguir cobrir esses rombos”, afirmou.
Um dos pontos positivos da PEC apontados pelos
analistas é o fato de prever, finalmente, a possibilidade de demissão de
servidor por mau desempenho, algo previsto na Constituição de 1988 e
que, até agora, nunca foi regulamentado devido ao lobby das corporações.
Mas, como a reforma está muito fatiada e prevê regulamentação das
regras posteriormente, também não há garantias de que isso ocorrerá de
forma rápida. “Se tudo não for bem amarrado e bem negociado pelo governo
com os parlamentares, a reforma ainda corre o risco de ser engavetada e
não ter efeito algum”, alertou a economista Juliana Damasceno,
pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas (Ibre-FGV). Para ela, a PEC é boa, mas não mexe com os servidores
da ativa, nem mesmo nos penduricalhos que eles recebem. “Ou seja, a
reforma é para um público que não existe. Corrige apenas as distorções
futuras e não melhora os problemas atuais que ainda vão custar muito
caro para todos durante muitos anos”, lamentou.[se a reforma tivesse sido efetuada no governo Collor, os problemas que hoje são atuais, teriam sido resolvidos, já que seriam alcançados por aquela reforma ao corrigir as distorções, na ocasião, futuras.]
Enquanto isso, o Ministério da Economia continua sem divulgar a previsão que ele tem dos impactos fiscais da PEC da reforma administrativa. O secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues, disse, ontem, que o impacto fiscal será divulgado no “momento devido”. Segundo ele, a ênfase, agora, é na “questão da eficiência e da melhor prestação de serviços ao cidadão”. “A reforma administrativa vai na direção correta de trazer mais eficiência na prestação de serviços. Não afeta para trás, não afeta os atuais servidores. Afeta para a frente na valorização do servidor público”, alegou.
Waldery reforçou o discurso de que a reforma é imprescindível para o equilíbrio fiscal do país. Ele disse que, apesar de não crescer de forma explosiva como os gastos previdenciários, a despesa com pessoal “estacionou em um patamar elevado”, próximo a 4,4% do PIB. Analistas também reconhecem que a PEC tem problemas que poderão ser questionados na Justiça, como é o caso dos regimes jurídicos e do fim da aposentadoria compulsória — muito comum no Judiciário.
Política - Correio Braziliense
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