Maria Cristina Fernandes
No governo do Rio, Rodrigo Maia resolveria quase todos os problemas, menos os do presidente da República
O Rio inventou Jair Bolsonaro, mas foi o Brasil quem pariu o
bolsonarismo. É esta equação que está em jogo no imbróglio que envolve a
sucessão do ex-governador Wilson Witzel. A sobrevida do presidente da
República depende, em grande parte, do que será capaz de entregar ao
país no segundo biênio do governo. Se não recuperar a economia, deixará a
teia que o levou e o mantém no Planalto, mais suscetível às engrenagens
da política, do judiciário e da polícia do seu Estado.
[Admitimos que o subtítulo nos causou estranheza e dúvidas sobre sua escolha;
terá alguma intenção irônica? uma fake sugestão? uma oportunismo do Maia?
Na dúvida resolvemos ser oportunista e utilizar a imagem abaixo para mostrar o que o deputado que preside a Câmara pensa do interesse público - o parlamentar é campeão no uso de aviões da FAB para uso incompatível com o estado que diz representar e sua residência em Brasília.]
A decisão monocrática referendada ontem no STJ, pelo afastamento do
governador, rifou uma parte dos riscos que Witzel oferecia a Bolsonaro,
pela autonomia dos órgãos de investigação, e ao próprio Estado, pela
ameaça de não renovação do generoso regime fiscal do qual o Rio é o
único e felizardo beneficiário na União. A saída do sexto governador do Estado envolvido em malfeitos é um
bezerro desgarrado da boiada da corrupção que o Judiciário tem abrigado
nesta pandemia. Não resolve, porém, o problema da sucessão. Esta passa
pela política. Ao presidente da República, o mais conveniente parece ser a permanência
do vice Claudio Castro (PSC), que, sem lastro na política, ficará ainda
mais dependente do Planalto do que costumam ser os governadores
fluminenses. Os indícios de que uma das delações do caso o envolve,
porém, sugerem que à Assembleia Legislativa não restaria outra
alternativa senão dar curso a um processo de impeachment de ambos.
Concretizado ainda em 2020, a cassação de Witzel e Castro levaria a uma
eleição direta. O desfecho, porém, além de subir o preço da incerteza,
ameaçaria a missão mais premente do governador em exercício que é a
escolha do procurador-geral de Justiça, chefe do ministério público
estadual. Realizado a partir de 2021, o impeachment levaria a uma escolha indireta
pela Alerj. É nesse prumo que se coloca a hipótese de o presidente da
Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), vir a assumir a incumbência.
Levantada por Mônica Bergamo, na “Folha de S.Paulo”, a possibilidade,
cogitada como uma possibilidade real por ministros de tribunais
superiores, governadores e parlamentares, desperta no personagem em
questão, um obsequioso silêncio.
Maia sinaliza ter deixado o presidente do Senado, Davi Alcolumbre,
sozinho na barca furada da reeleição para as mesas do Congresso. A
tarefa se revelará ainda mais dura para o senador se o Supremo delegar a
decisão para o regimento do Senado, instância em que a presidente da
Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet, que já esteve e pode
voltar ao páreo, terá larga margem de manobra. Maia terá mais a ganhar se for capaz de desamarrar o nó de sua sucessão.
A aproximação do ex-presidente Michel Temer com Bolsonaro pode amaciar o
caminho do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), mas atravanca o jogo do
partido que hoje mais postulantes tem no Senado. Nenhuma legenda parece
capaz de repetir o feito do DEM de acumular a Presidência das duas
Casas. A opção pelo deputado Aguinaldo Maia (PP-PB) abre o Senado para o
MDB mas esbarra na pré-candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL),
mais próximo do Palácio do Planalto.
Ultrapassada a sucessão das mesas, porém, não será fácil encontrar um
lugar para o presidente da Casa que mais tempo ficou ininterruptamente
no cargo. A eventual vacância no governo do Rio, por isso, aparece como
uma saída. Daria ao presidente da Câmara uma função com peso compatível àquela que
exerce hoje e à qual seu histórico de votações como deputado não sugere
que viesse a chegar pelo voto direto. Livraria o sucessor da sombra de
um articulador do seu quilate e, finalmente, daria ao Rio um
administrador de credo liberal, mas com trânsito na esquerda, merecedor
da confiança de empresários e investidores, e azeitado relacionamento na
alta magistratura. Se bem sucedido no projeto de reforma administrativa da Câmara, o
deputado daria uma demonstração da disposição para enfrentar os
esqueletos da máquina pública do Rio. Ofereceria, por fim, uma chance
para o Estado por um pé para fora daquela que Hipólito José da Costa, no
seu auto exílio londrino, no fim do século XVIII, e recuperado em boa
hora pelo historiador Chico Alencar, chamou de “Corte infame, corrupta e
depravada”.
Resolve muitos problemas, menos o do presidente da República. Uma
costura intrincada dessas não teria como contorná-lo. Exigiria um
acordo, senão de cavalheiros, porque pressupõe que exista um no Palácio
do Planalto, mas de interesses. Um desfecho que venha a colocar Maia no governo do Rio passa por um
emaranhado de processos, do prosseguimento das ações judiciais
envolvendo o titular e o vice ao encaminhamento do impeachment na Alerj
passando pela sucessão na Câmara. E com degraus, barreiras e recuos em
cada uma dessas etapas.
Paralelamente transcorreriam no Judiciário duas sucessões cruciais para
os Bolsonaro, a eleição do presidente do Tribunal de Justiça do Estado,
instância decisiva para o caso de ser sacramentada a segunda instância
como o foro do senador Flávio, e a lista tríplice para a Procuradoria
Geral de Justiça. Bolsonaro tem um par de trunfos para interferir nas escolhas, as vagas
no Supremo Tribunal Federal. Para ambas, chovem candidatos em várias
instâncias com poder sobre o processo - Procuradoria Geral da República,
ministérios e tribunais superiores, para não falar daqueles
patrocinados por ministros do STF.
Em julho do próximo ano, porém, quando se fecha a última vaga no
Supremo, se reduz, em grande parte, o poder de barganha do presidente. E
ainda que tenha sido capaz de garantir aliados no TJ e na PGJ, poderá
não ter sido capaz de fechar todas as brechas que permitam revelar a
contribuição das milícias para a atualidade da Corte descrita por
Hipólito José da Costa.
A esta altura, um novo governador já estaria no cargo, com plenos
poderes. Se este se chamar Rodrigo Maia, ainda teria a boa vontade da
legião de bolsonaristas arrependidos e bem postos para viabilizar um
campo para 2022. Teria que ser capaz de manter, ao mesmo tempo, canais
com a União e as esperanças dos que acreditam ser possível cortar o mal
pela raiz. Deve ser assim que se troca a meia sem descalçar o sapato.
No governo do Rio, Rodrigo Maia resolveria quase todos os problemas, menos os do presidente da República
O Rio inventou Jair Bolsonaro, mas foi o Brasil quem pariu o
bolsonarismo. É esta equação que está em jogo no imbróglio que envolve a
sucessão do ex-governador Wilson Witzel. A sobrevida do presidente da
República depende, em grande parte, do que será capaz de entregar ao
país no segundo biênio do governo. Se não recuperar a economia, deixará a
teia que o levou e o mantém no Planalto, mais suscetível às engrenagens
da política, do judiciário e da polícia do seu Estado.
[Admitimos que o subtítulo nos causou estranheza e dúvidas sobre sua escolha;
terá alguma intenção irônica? uma fake sugestão? uma oportunismo do Maia?
Na dúvida resolvemos ser oportunista e utilizar a imagem abaixo para mostrar o que o deputado que preside a Câmara pensa do interesse público - o parlamentar é campeão no uso de aviões da FAB para uso incompatível com o estado que diz representar e sua residência em Brasília.]
A decisão monocrática referendada ontem no STJ, pelo afastamento do governador, rifou uma parte dos riscos que Witzel oferecia a Bolsonaro, pela autonomia dos órgãos de investigação, e ao próprio Estado, pela ameaça de não renovação do generoso regime fiscal do qual o Rio é o único e felizardo beneficiário na União. A saída do sexto governador do Estado envolvido em malfeitos é um bezerro desgarrado da boiada da corrupção que o Judiciário tem abrigado nesta pandemia. Não resolve, porém, o problema da sucessão. Esta passa pela política. Ao presidente da República, o mais conveniente parece ser a permanência do vice Claudio Castro (PSC), que, sem lastro na política, ficará ainda mais dependente do Planalto do que costumam ser os governadores fluminenses. Os indícios de que uma das delações do caso o envolve, porém, sugerem que à Assembleia Legislativa não restaria outra alternativa senão dar curso a um processo de impeachment de ambos.
Concretizado ainda em 2020, a cassação de Witzel e Castro levaria a uma eleição direta. O desfecho, porém, além de subir o preço da incerteza, ameaçaria a missão mais premente do governador em exercício que é a escolha do procurador-geral de Justiça, chefe do ministério público estadual. Realizado a partir de 2021, o impeachment levaria a uma escolha indireta pela Alerj. É nesse prumo que se coloca a hipótese de o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), vir a assumir a incumbência. Levantada por Mônica Bergamo, na “Folha de S.Paulo”, a possibilidade, cogitada como uma possibilidade real por ministros de tribunais superiores, governadores e parlamentares, desperta no personagem em questão, um obsequioso silêncio.
Maia sinaliza ter deixado o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sozinho na barca furada da reeleição para as mesas do Congresso. A tarefa se revelará ainda mais dura para o senador se o Supremo delegar a decisão para o regimento do Senado, instância em que a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet, que já esteve e pode voltar ao páreo, terá larga margem de manobra. Maia terá mais a ganhar se for capaz de desamarrar o nó de sua sucessão. A aproximação do ex-presidente Michel Temer com Bolsonaro pode amaciar o caminho do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), mas atravanca o jogo do partido que hoje mais postulantes tem no Senado. Nenhuma legenda parece capaz de repetir o feito do DEM de acumular a Presidência das duas Casas. A opção pelo deputado Aguinaldo Maia (PP-PB) abre o Senado para o MDB mas esbarra na pré-candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL), mais próximo do Palácio do Planalto.
Ultrapassada a sucessão das mesas, porém, não será fácil encontrar um lugar para o presidente da Casa que mais tempo ficou ininterruptamente no cargo. A eventual vacância no governo do Rio, por isso, aparece como uma saída. Daria ao presidente da Câmara uma função com peso compatível àquela que exerce hoje e à qual seu histórico de votações como deputado não sugere que viesse a chegar pelo voto direto. Livraria o sucessor da sombra de um articulador do seu quilate e, finalmente, daria ao Rio um administrador de credo liberal, mas com trânsito na esquerda, merecedor da confiança de empresários e investidores, e azeitado relacionamento na alta magistratura. Se bem sucedido no projeto de reforma administrativa da Câmara, o deputado daria uma demonstração da disposição para enfrentar os esqueletos da máquina pública do Rio. Ofereceria, por fim, uma chance para o Estado por um pé para fora daquela que Hipólito José da Costa, no seu auto exílio londrino, no fim do século XVIII, e recuperado em boa hora pelo historiador Chico Alencar, chamou de “Corte infame, corrupta e depravada”.
Resolve muitos problemas, menos o do presidente da República. Uma costura intrincada dessas não teria como contorná-lo. Exigiria um acordo, senão de cavalheiros, porque pressupõe que exista um no Palácio do Planalto, mas de interesses. Um desfecho que venha a colocar Maia no governo do Rio passa por um emaranhado de processos, do prosseguimento das ações judiciais envolvendo o titular e o vice ao encaminhamento do impeachment na Alerj passando pela sucessão na Câmara. E com degraus, barreiras e recuos em cada uma dessas etapas.
Paralelamente transcorreriam no Judiciário duas sucessões cruciais para
os Bolsonaro, a eleição do presidente do Tribunal de Justiça do Estado,
instância decisiva para o caso de ser sacramentada a segunda instância
como o foro do senador Flávio, e a lista tríplice para a Procuradoria
Geral de Justiça. Bolsonaro tem um par de trunfos para interferir nas escolhas, as vagas
no Supremo Tribunal Federal. Para ambas, chovem candidatos em várias
instâncias com poder sobre o processo - Procuradoria Geral da República,
ministérios e tribunais superiores, para não falar daqueles
patrocinados por ministros do STF.
Em julho do próximo ano, porém, quando se fecha a última vaga no Supremo, se reduz, em grande parte, o poder de barganha do presidente. E ainda que tenha sido capaz de garantir aliados no TJ e na PGJ, poderá não ter sido capaz de fechar todas as brechas que permitam revelar a contribuição das milícias para a atualidade da Corte descrita por Hipólito José da Costa.
A esta altura, um novo governador já estaria no cargo, com plenos poderes. Se este se chamar Rodrigo Maia, ainda teria a boa vontade da legião de bolsonaristas arrependidos e bem postos para viabilizar um campo para 2022. Teria que ser capaz de manter, ao mesmo tempo, canais com a União e as esperanças dos que acreditam ser possível cortar o mal pela raiz. Deve ser assim que se troca a meia sem descalçar o sapato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário