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segunda-feira, 18 de novembro de 2019

A segunda instância e a presunção de inocência - Sergio Fernando Moro


O Estado de S.Paulo

Exigir a punição dos culpados não é vingança, é, sim, império da lei

A presunção de inocência é um princípio cardeal dentro do processo penal. Proíbe condenações injustas e punições prematuras.  O núcleo essencial da presunção diz respeito às provas. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem que existam provas categóricas, claras como a luz do dia. A essência do direito é cláusula pétrea, não pode ser alterada sequer por emenda constitucional e ninguém de bom senso defenderia a relativização dessa regra. 

Como escudo contra punições prematuras, proíbe prisões – a sanção penal por excelência – antes do julgamento. A prisão preventiva deve ser excepcional, para proteger provas, evitar fuga, prevenir novos crimes ou proteger a ordem pública.
Outra questão completamente diferente diz respeito ao momento de início do cumprimento da pena e ao efeito de recursos no processo penal após o julgamento.  Se países como Estados Unidos e França, que constituem berços históricos não só das revoluções liberais, mas também da presunção de inocência, admitem a prisão após o julgamento de primeira ou segunda instância, é intuitivo que a presunção de inocência não é compreendida universalmente no sentido de exigir o julgamento do último recurso, o trânsito em julgado, para início da execução da pena. 

A leitura literal do inciso LVII do artigo 5.º da Constituição talvez favoreça a interpretação de que se exige o trânsito em julgado para o início de execução da pena. Mas, sempre oportuno lembrar, é sobre uma Constituição que estamos expondo e ela precisa ser lida em consonância com outros princípios cardeais, entre eles que “a aplicação da lei deve ser igual para todos” e “não somos uma sociedade de castas”. Exigir o trânsito em julgado tem o efeito prático, dada a prodigalidade dos recursos, de gerar a impunidade dos poderosos, o que é inaceitável do ponto de vista constitucional ou moral. 

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) demandando o trânsito em julgado e revendo precedente anterior deve ser respeitada. O STF é uma instituição essencial à democracia. Ao exercer o controle de constitucionalidade e proferir decisões de impacto na vida dos brasileiros, só fortalece o Estado de Direito. Mas a decisão foi dividida, seis a cinco.
A divergência apertada sobre o significado específico da presunção de inocência dá margem ao Congresso para alterá-lo, já que sobre ele inexiste consenso. Magistrados que compuseram a própria maioria vencedora, como o ministro Dias Toffoli, admitiram que o Congresso poderia alterar a legislação processual ou a Constituição para dar à presunção de inocência uma conformação diferente da interpretação que prevaleceu por estreita maioria. [apenas para que  não se torne um vício, enfatizamos que o PODER LEGISLATIVO não precisa de permissão do PODER JUDICIÁRIO, para legislar sobre qualquer assunto, inclusive alcançando modificar a própria Constituição.]
Não há afronta à Corte. Juízes interpretam a Constituição e a lei. O Congresso tem o poder, observadas as condições e maiorias necessárias, de alterar o texto da norma. Cada um em sua competência, como Poderes independentes e harmônicos. 

Não seria a primeira vez que uma Corte teria a decisão alterada pelo Parlamento, nem sequer no Brasil. A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Dred Scott v. Sandford, de 1857, que escravos não poderiam tornar-se cidadãos dos Estados Unidos e que o Congresso não poderia proibir a escravidão nos novos territórios. A resposta do Congresso foi, após a guerra civil, a revogação da decisão pela 13.ª e pela 14.ª Emendas à Constituição. 

Em exemplo mais prosaico, o Congresso brasileiro aprovou, em 2017, a Emenda Constitucional 96 para permitir práticas desportivas e culturais que utilizem animais, como a vaquejada, para se contrapor à prévia decisão do STF na ADI 4.983. A decisão do STF, embora mereça ser respeitada, causou certa irresignação aos que vislumbravam a execução em segunda instância como medida necessária contra a impunidade e contra o avanço da criminalidade. 

Embora a execução em segunda instância seja vista como essencial para os avanços anticorrupção, é ela igualmente importante para reduzir a impunidade de toda espécie de crime, incluídos os de sangue. Não deve ser esquecido que em 2009, quando o STF concedeu o Habeas Corpus 84.078, estabelecendo pela primeira vez a exigência do trânsito em julgado, regra depois revista em 2016, o beneficiado foi pessoa condenada por tentativa de homicídio qualificado, que havia disparado por diversas vezes arma de fogo contra a vítima. Como consequência, além da soltura, o caso acabou prescrevendo pela demora no julgamento dos recursos. Muitos outros casos, envolvendo crimes diversos, tiveram destino similar. Não é só a corrupção. 

No pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso consta proposta de alteração do Código de Processo Penal para que seja admitida a execução em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação.
Não precisa ser esse o projeto votado. Há vários outros projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição prontos para ser objeto de discussão e deliberação pelo Congresso que tratam do tema. 

Cabe ao Legislativo o protagonismo numa democracia. Cabe a ele, respeitosamente, deliberar sobre a justa aspiração da sociedade de que o processo penal cumpra as suas funções. Sim, devemos proteger o acusado, mas também temos de responder às violações dos direitos das vítimas, o que exige a efetiva punição dos culpados num prazo razoável. Isso deve depender exclusivamente da existência ou não de provas, e não da capacidade do acusado de utilizar os infindáveis recursos da legislação brasileira. Exigir a punição dos culpados não é vingança, mas, sim, império da lei. Reduzir a impunidade é essencial não só para justiça, mas também para prevenir novos crimes, aumentando os riscos de violação da lei penal. A prisão em segunda instância representa um alento para os que confiam que o devido processo não pode servir como instrumento para a impunidade e para o avanço do mundo do crime.

Sérgio Moro - Ministro da Justiça e Segurança Pública - O Estado de S. Paulo
 

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Pétreo enquanto dure - Folha de S. Paulo

Hélio Schwartsman

É preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro

[finalmente alguns articulistas, usando o indispensável bom senso, começam a aderir à tese de a vontade de 31 anos passados - o muro ainda existia -  não pode prevalecer sobre os cidadãos de agora.

As cláusulas pétreas, a exemplo de outros pontos da CF 88, começam a mostrar que a Lei Maior vigente precisa ser modificada e que para a petricidade vale o que vale para o amor a conhecida máxima 'que o amor seja eterno, enquanto dure', já adaptada no título pelo autor.

Especialmente que o conceito de pétreo da Carta vigente parece valer mais para limitar o Poder Legislativo - cujos membros são eleitos pelo povo, que é por eles representado e a quem cabe legislar - do que para conter as intervenções 'legislativas' do Supremo. 

Se eventual mudança optar por manter o conceito de petricidade, que seja incluído que as intervenções legislativas do Supremo quando tiverem como alvo cláusulas pétreas terão que ser tomadas pelo Plenário com maioria qualificada, presença dos onze ministros e com um tempo mínimo de validade (afinal, muitos argumentam que prender bandido antes do fim do processo - que pode ser 'eterno', a depender do poder econômico do condenado - fere direito individual = 'cláusula pétrea' = mas os ministros podem tornar 'movediça' a interpretação de tal cláusula, sempre que assim desejarem.)]

Uma tese popular em circulação é a de que, agora que o STF definiu que a execução da pena só é possível após o trânsito em julgado, tal entendimento não pode ser alterado pelo Congresso, já que a presunção de inocência é uma cláusula pétrea da Carta que não pode ser modificada nem por emenda constitucional.

A presunção de inocência é sem dúvida uma garantia individual, o que faz dela cláusula pétrea, mas isso não significa que esteja totalmente imune aos parlamentares. É fácil ver isso lendo o artigo 60 da Carta, que regula as emendas constitucionais. Quem chegar até o § 4º do dispositivo verá que a proteção às cláusulas pétreas não é contra qualquer tipo de emenda, mas só contra as que tendam a aboli-las.

“Abolir” é um verbo forte, mas o termo “tendente” o relativiza, o que significa que os ministros do STF poderão decidir da forma que preferirem, como sempre. Mas, se quiserem se ater ao texto constitucional, terão de discutir se a prisão após a segunda instância “tende a abolir” a presunção de inocência ou só a coloca em outras balizas.


Acho difícil sustentar a primeira opção. Um bom paralelo é com o mandato de quatro anos. O voto direto, secreto, universal e periódico também é apontado pelo artigo 60 como cláusula pétrea, mas não me parece que seja impossível emendar a Carta para criar mandatos de, digamos, cinco anos. A periodicidade do voto estaria preservada, ainda que com outra extensão. [emenda para abolir o voto e sua periodicidade, sequer pode ser aceita;
mas, emenda para mudar a periodicidade  tem livre tramitação.]

Cláusulas pétreas são um negócio complicado. Concordo que a Constituição precisa proteger-se de maiorias de ocasião. A exigência de votações qualificadas e o estabelecimento de cláusulas pétreas são um meio de fazê-lo. Mas é preciso cautela para que o constituinte do passado não amarre demais a vontade dos cidadãos do futuro. Se se exagera na dose, constituições vão deixando de ser cartas políticas e assumindo cada vez mais a feição de escritos religiosos.

Hélio Schwartsman, colunista - Folha de S. Paulo

 

sábado, 14 de setembro de 2019

Um país quebrado - Merval Pereira

O Globo

O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga traçou um quadro dramático das contas públicas brasileiras na entrevista que deu ao programa Central da Globonews, na quarta passada. Segundo ele, o problema hoje é que 80% do gasto público do Brasil vêm de duas grandes contas, a do funcionalismo público e a da Previdência. “É preciso mexer nelas, sob pena de não sobrar dinheiro para nada”. Os demais gastos estão muito comprimidos, inclusive os investimentos públicos, que estão perto de 1% do PIB, quando nas últimas décadas chegou a um pico de cerca de 5% do PIB.

Arminio destacou que o volume de investimentos do setor público no Brasil nos últimos 4 anos não foi suficiente sequer para repor a depreciação. “Não à toa estamos assistindo a episódios frequentes de quedas de viadutos, pontes etc”.  Segundo Arminio Fraga, comparações internacionais mostram que os gastos com funcionalismo e previdência no Brasil estão muito acima dos observados em países de renda média. Ele vê como necessária a redução desses gastos de 80% para 60%, o que proporcionaria uma economia de 7 pontos do PIB, a ser buscada ao longo de dez anos.

Tanto como proporção do PIB quanto como do gasto total, o Brasil gasta bem mais com funcionalismo do que a maioria dos países do Ocidente, destaca Arminio Fraga. Parte desse excedente vem do fato de que temos 20% de participação de empregos públicos no total de empregos do país, um total relativamente alto se comparado a outros países. O economista Arminio Fraga mostra também, em trabalho recente, que há um elevado prêmio salarial, de cerca de 60%, que recebem os funcionários do governo federal, em comparação a assalariados do setor privado com qualificações semelhantes, como estima o economista Naércio Menezes.

Os gastos com Previdência mostram resultados semelhantes aos do funcionalismo: o Brasil gasta relativamente muito, o que surpreende, sobretudo, dada à demografia relativamente jovem do país.  Essa mesma constatação levou o deputado federal do Rio (DEM) Pedro Paulo a apresentar uma emenda constitucional que limita o crescimento de despesas obrigatórias, quando gatilhos serão acionados a cada momento em que os gastos passarem de limites predeterminados. Até chegar a uma série de medidas mais drásticas ao atingir o estágio de descontrole grave, como a redução da jornada de trabalho temporária, até que volte o equilíbrio.

No diagnóstico do deputado Pedro Paulo, que trabalha no desdobramento da emenda constitucional com técnicos do ministério da Economia e da Câmara, o Estado brasileiro quebrou há algum tempo. "Já quebramos todas as metas fiscais, e estamos a caminho de quebrar as que restam, com o teto de gastos", alerta.  Para ele, é preciso conter crescimento exponencial dos gastos públicos, em especial os obrigatórios, que consomem 96% do orçamento, não sobrando nada para investimentos. Emitir títulos e aumentar a dívida para pagar despesas correntes, o que o parlamento permitiu esse ano dando ao governo autorização para aumentar a dívida pública em R$ 248 bilhões (7% do PIB) sem uma medida sequer para resolver o problema, é cavar mais o buraco.  O problema central do desequilíbrio fiscal brasileiro, para Pedro Paulo, é o tamanho e o descontrole da despesa obrigatória, e a enorme rigidez orçamentária. A reforma da Previdência, ainda que seja a maior das despesas, é necessária, mas não suficiente para resolver o desequilíbrio fiscal.

Seus efeitos são de longo prazo, e faltam muitas outras despesas obrigatórias, vinculações e indexações. Se adotados, esses mecanismos de controle do gasto público podem garantir, em dois anos, a manutenção do teto dos gastos até 2026, quando a lei completa 10 anos, e proporcionar economia que poderia ser aplicada, em parte, em investimentos públicos. “Não seria apenas um programa de contenção de despesas, mas de estímulo ao investimento”, explica do deputado Pedro Paulo.

Merval Pereira, jornalista - O Globo



terça-feira, 2 de julho de 2019

Reforma da Previdência - governadores de esquerda, querem os benefícios da reforma sem se expor. Será que o Maia tem a liderança que imagina ter?



 Ônus eleitoral afasta estados da reforma

A reunião de hoje do governador do Piauí, o petista Wellington Dias, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, provavelmente será infrutífera. Se resultar em acordo, com a inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência, será uma grata surpresa para todos, e um benefício para a economia do país, que terá uma organização horizontal do sistema de previdência. Os governadores, especialmente os oposicionistas do Nordeste, querem resolver seus problemas sem colocar as digitais na reforma. Mas a maioria dos temas não tem relação com a Constituição Federal, apenas seria mais fácil para eles. Só a alíquota acima de 14% será possível constitucionalizar.

A colocação do tema no bojo da reforma, para a apreciação da Comissão Especial, é delicada e pode trazer risco para a aprovação, a não ser que haja certeza de que os governadores vão agregar votos. Os parlamentares favoráveis à reforma calculam que o governo pode perder cerca de 40 votos de sua base com essa inclusão, e os governadores, sobretudo os de oposição, têm que acrescentar outros tantos para que a aprovação da reforma continue viável. E por que está difícil aprovar a reforma da Previdência com a inclusão de estados e municípios? Porque os deputados federais, temendo desgaste nas próximas eleições, querem deixar a decisão regional para governadores e prefeitos, que teriam que ter o apoio dos deputados estaduais e dos vereadores. Estes, por sua vez, são potenciais competidores dos deputados federais e dos estaduais nas próximas eleições. Teriam que também se comprometer com medidas impopulares para que todos se apresentassem como responsáveis pela reforma da Previdência, no êxito ou no fracasso.

Isso acontece porque ninguém está certo de que, com a aprovação dessa e de outras reformas estruturais, a economia vai embalar novamente. Se isso acontecer, os que hoje votarem a favor poderão assumir os benefícios alcançados. Mas, no momento, embora a ampla maioria saiba que são medidas saneadoras importantes, disputam contra oposicionistas o eventual desgaste popular. É uma punição do Centrão aos governadores de esquerda, que querem os benefícios da reforma sem se expor. Deputados continuam criticando a covardia dos esquerdistas, que insistem em querer se beneficiar dos efeitos da reforma sem bancar o ônus de apoiá-la publicamente.

É uma irresponsabilidade, pois, apesar de não afetar o resultado final da economia que o governo quer fazer com a reforma da Previdência, vai quebrar o Tesouro dos estados e municípios, que irão pedir mais tarde uma renegociação da dívida, já feita há 20 anos.  Mas, com deputados preocupados apenas com a eleição seguinte, fica difícil uma solução para o país. O temor de ficar impopular é tamanho que os governadores do Nordeste não aceitam sequer a reforma ser validada nas assembleias estaduais por meio de projeto de lei ordinária, com exigência apenas de maioria simples para aprovação.

Insistem na inclusão automática de estados e municípios na proposta que tramita no Congresso. Alguns governadores são exceções, como o de Goiás, Ronaldo Caiado, que tem a proposta de entrar no Supremo Tribunal Federal (STF), logo após a aprovação da reforma, com pedido de autorização para decretar a adesão dos estados sem necessidade de aprovação do Legislativo.  É uma tentativa de levar a reforma até os estados e municípios, em vez de ficar submetido a interesses políticos eleitorais. Ou então inserir na emenda constitucional um dispositivo que permita aos governadores fazer a reforma por decreto, com validade limitada, até a aprovação do texto pelas assembleias.  Mas dificilmente a maioria dos governadores aceitará, pois o que querem é garantia de contas em ordem sem nenhum desgaste. Uma saída pode ser a adesão opcional dos estados e municípios, mas é difícil organizá-la, política e juridicamente.






terça-feira, 2 de abril de 2019

O governo, visto por Guedes

Acaba de completar três meses no centro do poder em Brasília um sonho de antigo militante do liberalismo. “Eu sou de Marte, cheguei agora, estou olhando”, disse a meia centena de senadores, semana passada. Tentava amenizar as relações com o Congresso — onde o esporte predileto sempre é falar mal do governo.  Paulo Guedes, ministro da Economia, enriqueceu com o Plano Real, e guarda eterna gratidão aos formuladores: “Foi o plano monetarista mais brilhante que já vi: juros na lua... Foi muito generoso comigo. Eu tinha o meu banco... Foi muito generoso.”

Eis o panorama, visto da sua janela: “Lá fora (do país) perguntam: ‘A democracia está em risco?’ Eu: ‘De jeito nenhum, mudou o polo de gravidade, para o outro lado’... Apesar de ser alguém que estava com vocês aí (parlamentares) há 30 anos, era considerado como um antiestablishment.” “Foi uma aliança em torno de valores” —acrescenta —, “e mais uma aliança com liberais. Virou uma espécie de aliança de centro-direita. No combate da eleição, se definiu: ou é esquerda ou é centro-direita, o que é uma simplificação. No fundo, a gente sabe que não é isso. No fundo, a gente sabe que um social-democrata bem centrado está muito próximo de um liberal-democrata. E eles estão muito longe dos extremos. Seja da extrema direita ou da extrema esquerda.”

Acabara de tomar um susto com a aprovação de emenda constitucional na Câmara em dois turnos e em uma hora —, tornando obrigatórias mais despesas orçamentárias. “Foi uma exibição de poder político.” Outro sobressalto ocorreu ao suspeitar que seria tratado como adversário pelos próprios aliados do PSL de Bolsonaro ao explicar-lhes a reforma da Previdência. “É um choque de acomodação”, contemporiza.

Talvez. Batalha maior, permanente, acontece dentro do governo. De um lado está um presidente crédulo nas virtudes da concentração de poder. De outro, há um ministro da Economia empenhado “em tentar formar uma liberal-democracia”. Por ironia das urnas, são prisioneiros das próprias convicções.
 
José Casado, jornalista - O Globo
 

domingo, 24 de março de 2019

Só 'vontade de Deus' não basta

Cada dia é um dia a menos para aprovar a reforma da Previdência, mas o Planalto e seus operadores parecem longe de compreender essa urgência

Cada dia que passa é um dia a menos que o governo tem para articular sua base com vista a aprovar a reforma da Previdência, mas o Palácio do Planalto e seus operadores políticos parecem longe de compreender a urgência do problema. As advertências de deputados e senadores ao governo deixaram de ser apenas murmuradas e passaram a frequentar discursos e entrevistas em que as queixas são expostas de maneira explícita. Hoje parece haver um consenso segundo o qual o presidente Jair Bolsonaro precisa mudar o modo como negocia o apoio para a reforma, sob o risco, cada vez mais concreto, de ser derrotado. 

A questão central é que os parlamentares que apoiam a reforma e se dispõem a liderar o esforço por sua aprovação estão cada vez mais descontentes com o fato de que o próprio Bolsonaro não se apresenta para defender com vigor a proposta. Não são poucos os que temem arcar sozinhos com o ônus político da reforma enquanto o presidente hesita ante a natural impopularidade do tema – quinta-feira passada, por exemplo, Bolsonaro disse que, “no fundo, não gostaria de fazer a reforma da Previdência”, embora reconheça que seja necessária. O fato é que Bolsonaro parece raciocinar ainda como deputado, condição que o tornaria mais suscetível à pressão de suas bases, e não como presidente, que deve governar para o conjunto da sociedade, com coragem para tomar medidas que podem eventualmente desagradar a seus eleitores. 

A julgar pela desorganização de sua articulação política – até mesmo um dos filhos do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, diz ter sido designado para fazer contatos com deputados em nome do pai –, soa otimista a previsão oficial de que a reforma da Previdência possa ser votada ainda no primeiro semestre e de que faltariam pouco menos de 50 votos para aprová-la, como disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. O governo dá a impressão de apostar que Bolsonaro, por ter sido eleito pela “vontade de Deus”, como disse na recente visita aos Estados Unidos, aprovará no Congresso todas as pautas de seu interesse sem necessidade de negociação. Não é o que pensam, contudo, os principais parlamentares empenhados na aprovação da reforma. Para esses políticos, só a “'vontade' de Deus” não basta quando se trata de convencer três quintos da Câmara a aprovar uma emenda constitucional, especialmente a que endurecerá as regras para a aposentadoria. 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por exemplo, alertou que a Casa “não tem 320 liberais” e que será preciso convencer até 280 deputados que não foram eleitos com a agenda da reforma da Previdência.   Se já não seria tarefa simples mesmo para experimentados articuladores, essa empreitada tende a ser muito mais complicada se o governo não se dispõe a fazer política. Até deputados da chamada bancada evangélica têm reclamado da falta de diálogo. Ademais, quando o presidente da República se reúne com parlamentares para ouvir reivindicações com vista a obter apoio à reforma e em seguida vai às redes sociais se queixar de que “a velha política” está “querendo nos puxar para fazer o que eles faziam antes”, manda uma mensagem ambígua sobre sua disposição para negociar.  

Ao dar a entender que todas as demandas dos parlamentares são fisiológicas, o presidente colabora para criar um clima de fricção com o Congresso. Não surpreenderá se alguns dos parlamentares que hoje colaboram abertamente com o governo para costurar apoio à reforma da Previdência passarem a ficar reticentes, à espera de um suporte mais explícito do presidente. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ameaça abandonar a articulação se continuar sob ataque das milícias virtuais bolsonaristas e dos filhos de Bolsonaro, sob o olhar complacente do pai. 

Não basta a Bolsonaro dizer que a aprovação da reforma da Previdência vai acontecer só porque seu governo adotou “uma maneira diferente de negociar”, em que “o sentimento patriótico e a busca do consenso são fundamentais”, como escreveu em artigo publicado no jornal Valor. Como deveria saber qualquer iniciante na vida política, apelos patrióticos podem até animar eleitores e militantes, mas não costumam ser suficientes para arregimentar apoio no Congresso, ainda mais quando o presidente da República pede votos a favor, mas age como se fosse contra.

Opinião -  O Estado de S. Paulo
 

 

domingo, 10 de março de 2019

Toma lá, dá cá

Proposta dos militares tira na Previdência e põe nos soldos. Guedes quer “conta zero”

A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.
“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”

O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares. Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu. Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro.

Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual. Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial. Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.

O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.
Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público.

Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.
Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.
 
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Legislativo critica Judiciário, mas transfere decisões

Avanço da judicialização e do ativismo dos juízes decorre da omissão dos outros Poderes

São recorrentes as críticas dos políticos à judicialização e ao ativismo judicial. Há razões objetivas, mas, primeiro, é preciso ponderar que o arranjo institucional contempla amplas possibilidades para socorro em juízo, como também permite um modo expansivo, proativo, dos juízes interpretarem a Constituição. São fenômenos recentes, no debate político nacional, as conotações negativas da judicialização e do ativismo, ou a falta de exercício de autocontenção do Judiciário. A censura tem permeado dois em cada três discursos feitos na Câmara e no Senado.

É salutar a crítica parlamentar a iniciativas como a do Supremo Tribunal Federal quando legitimou a multiplicação de partidos — hoje são 35 com registro oficial, embora não se conheçam 35 ideologias. Da mesma forma, há coerência nos protestos contra a judicialização da saúde. O óbvio, ululante, evita-se reconhecer: o avanço da judicialização e do ativismo dos juízes decorre da omissão dos outros Poderes.

Caso exemplar é o da controvérsia sobre a prisão em segunda instância. O Judiciário por muito tempo adotou o princípio como válido. Na década passada, mudou o entendimento. Em outubro de 2016, voltou a legitimar a prisão de réus condenados após julgamento em colegiados. Desde o início deste ano há uma pressão relevante para que o Supremo julgue a questão pela quarta vez. Agora a motivação é o nome na capa do processo: Luiz Inácio Lula da Silva, líder do PT, condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção. [o Poder Legislativo não pode ser responsabilizado pelo Supremo Tribunal Federal não valorizar suas próprias decisões - até um analfabeto sabe que o vai e vem, a mudança constante de opinião é indecisão e esta quando praticada pela instância máxima do Poder Judiciário estabelece a INsegurança Jurídica.]

Na semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou uma intervenção do novo Congresso, via emenda constitucional, para resolver a questão da prisão em segunda instância. Cabe perguntar: por que o Legislativo já não o fez? 
[resposta óbvia: por medo do Poder Judiciário = pavor, temor, etc - como ficaria o Congresso se decidisse de uma forma que não agradasse aos supremos ministros e, estes ofendidos, decidissem de forma monocrática ou coletiva desautorizar o Congresso, revogando a qualquer pretexto a Lei promulgada? 
Não é uma divagação absurda; 
 
há algum tempo um ministro do STF decidiu retirar um parlamentar em pleno exercício do mandato, regularmente eleito presidente da Câmara dos Deputados, da função de presidente da Câmara.
 
Por faltar amparo legal para executar sua decisão ele criou um: criou a inexistente figura da punição SUSPENSÃO do mandato.
Deputado com MANDATO SUSPENSO não pode exercer função privativa de parlamentar - FIM DE PAPO.
Disse 'fiat lux' o mandato foi considerado suspenso, o parlamentar expulso da função de presidente e acabou-se.
 
Ninguém, ousou contestar a suprema decisão.] 
Cabe, ainda, arguir as razões pelas quais os partidos se tornaram plantonistas nos protocolos do Judiciário, usando-os em conflitos de toda natureza, inclusive em temas naturais, peculiares, regimentais e da prerrogativa da Câmara e do Senado.
Como não existe vácuo em política, o espaço aberto pelo Legislativo acaba sendo ocupado pelos demais Poderes. Veja-se o caso do Orçamento da União. Elaborá-lo e fiscalizá-lo é razão da existência, o que define o papel republicano do Legislativo — como exemplifica, com extremo zelo, o Congresso dos Estados Unidos.

No caso brasileiro, os parlamentares se restringem ao carimbo na proposta do governo ou do Judiciário, com inserções episódicas, em geral patrimonialistas. Há pelo menos vinte anos debate se o tópico dos supersalários na Justiça e no Ministério Público. Até hoje não houve uma decisão legislativa. Em boa medida, as críticas dos políticos à judicialização e ao ativismo judicial servem de biombo aos interesses de políticos e de partidos, que transferem o ônus das decisões a juízes dispostos ao protagonismo.
 
Editorial - O Globo
 

sábado, 15 de dezembro de 2018

A batalha previsível

Na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos


É previsível que o futuro governo Bolsonaro tenha dificuldades políticas e jurídicas para a aprovação das reformas estruturais de que o país necessita, na maioria impopulares pelo menos para setores da sociedade. O sucesso da manifesta vontade do presidente eleito de tratar diretamente desses temas espinhosos com o cidadão, através dos novos meios de comunicação em rede, dependerá da capacidade de convencimento de que privilégios estarão sendo cortados, e não “direitos adquiridos” subtraídos. [correndo o risco de ser recorrente, ou sendo,  lembramos que no tocante a aposentadoria dos servidores públicos (os que ainda contribuem para a Previdência no percentual único de 11% sobre tudo que ganham de salário - para aqueles servidores não existe teto (veja aqui)  - tem o direito adquirido de receber sobre tudo que contribuíram.

Direitos adquiridos só são eliminados mediante Emenda Constitucional e convenhamos que aprovar uma EC já é difícil, imagine uma que casse direitos adquiridos de forma legal e justa.]


Com recente pesquisa confirmando que o futuro governo tem aprovação inicial mais avantajada que a votação obtida por Bolsonaro no segundo turno, é provável que tenha tempo para trabalhar, com a oposição sem espaço para grandes mobilizações.  Os problemas do clã Bolsonaro com as verbas de representação de seus mandatos legislativos ainda não deram gás suficiente para uma oposição mais aguerrida, [não se trata  dos alegados problemas não terem dado gás para uma oposição mais aguerrida e sim FALTA DE PROVAS - até agora não existe prova nenhuma de possíveis desvios de verbas de representação e caso sejam encontrados desvios, falta vinculá-los - mediante provas - ao clã Bolsonaro.] mas já tivemos recentes exemplos dos problemas que a equipe econômica subordinada a Paulo Guedes encontrará pela frente para aprovar as reformas, inclusive o necessário programa de privatizações para reduzir parte da nossa dívida interna.

Bom exemplo foi a tentativa de barrar a associação da Embraer com a Boeing, que encontrou um juiz para conceder liminar, logo depois revogada, impedindo o negócio.  Também na fundamental reforma da Previdência haverá disputa sobre diversos aspectos, pois todos os temas são polêmicos. A reorganização dos servidores públicos, com planos de carreira que privilegiem o mérito sobre a antiguidade, será outro ponto a ser disputado no Congresso e também no Judiciário, especialmente se tocar em mudanças de mentalidade, como a proposta de acabar com a estabilidade do funcionário público, que muitos consideram cláusula pétrea da Constituição, mas que, segundo alguns juristas, pode ser alterada até mesmo por projeto de lei.

Também o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, encontrará problemas tanto no Congresso quanto no Judiciário. Moro, por exemplo, quer que condenados por corrupção ou peculato cumpram prisão em regime fechado, não importando o tamanho da pena. Mas já existe resistência de alguns ministros do STF. Também há temores no Congresso com a ida para a Justiça do controle de transações financeiras (Coaf), que identificou a movimentação bancaria “atípica” do motorista de Flavio Bolsonaro e de diversos outros deputados.

Para prospectar problemas e soluções para essa previsível batalha, pedi ao professor da UERJ e constitucionalista Gustavo Binemboin uma análise do que pode vir pela frente. Para ele, “os que defendem no Supremo Tribunal Federal maior ativismo judicial invocam o sistema de freios e contrapesos (“checks and balances”) para sustentar a postura mais intrusiva do Judiciário na definição de políticas públicas e na imposição de uma agenda a partir da leitura criativa do texto constitucional”. De outro lado, pondera Binemboin, “os defensores de maior autocontenção invocam a repartição de funções estatais para justificar que ao Judiciário caiba apenas a preservação das regras do jogo democrático e a defesa de direitos fundamentais, deixando as escolhas políticas a cargos dos agentes eleitos para o Parlamento e para a Chefia do Executivo”.

Acho que no Brasil, nos últimos anos, o ativismo judicial atingiu nível elevado, e, diante das questões graves que terá que enfrentar, o melhor seria que o conselho do presidente do STF, ministro Dias Tofolli, fosse seguido: o Judiciário deixar de ser protagonista, a bem da segurança jurídica e do respeito às escolhas políticas legítimas feitas por agentes públicos eleitos.  Na análise de Gustavo Binemboin, de modo geral os tribunais constitucionais adotam postura de deferência em relação a políticas públicas nas áreas econômica, fiscal, orçamentária e de relações internacionais, consideradas próprias do campo da política majoritária.

Já em relação à defesa de direitos individuais e à preservação das regras democráticas, comenta, as cortes constitucionais se permitem maior ativismo, sobretudo no que se refere à proteção de minorias subrepresentadas politicamente.
É possível antever algumas questões que certamente serão submetidas ao Supremo Tribunal Federal (STF) levadas à Corte por partidos da oposição, pela Procuradoria-Geral da República ou entidades de classe de âmbito nacional.


Merval Pereira, jornalista - O Globo