Trata-se
da aprovação da admissibilidade do pedido de impedimento, ainda a ser julgado
pelo Senado. Mas tudo
precisa ser rápido, devido à situação do país
A
aprovação, pela Câmara dos Deputados, da admissibilidade do processo de
impeachment da presidente Dilma abre uma
possibilidade concreta de que a crise econômica e o nó político possam ser
equacionados antes de 2018, a partir da saída do PT do Planalto, onde se encontra há 13
anos, o mais longo período na República de um grupo político no
poder, por meio de eleição direta. Mas
patrocinador de uma catástrofe ética e uma hecatombe econômica.
É previsão infalível garantir que
hoje Bolsa sobe e dólar cai, sinais característicos do bom humor dos mercados.
Como tem sido nos últimos meses na repercussão de toda notícia negativa para o
governo Dilma e, mais recentemente, sobre o ex-presidente Lula, convertido em
chefe das forças de defesa da cidadela do Planalto sob o controle do PT. São características
dos mercados oscilações nervosas, que buscam se antecipar a fatos. Eles operam
no vácuo das expectativas. Como é neste
caso do processo de impeachment.
Mas a derrota de ontem da
presidente, revés
grave para o projeto de poder do partido, não é definitiva. Para o
vice-presidente Michel Temer assumir, à frente do seu PMDB, com uma
diversificada aliança entre partidos de histórica oposição ao PT (PSDB, DEM,
PPS) e legendas recém-desembarcadas de um navio que faz água (PSD, PR, PP
etc.), ainda há pela frente o julgamento propriamente dito, conduzido no Senado
pelo ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal.
Mas o Brasil tem pressa, esta é a
questão. Dois dados: o
desemprego aumenta à razão de 100 mil pessoas por mês e já se
aproxima o saldo tenebroso de 10 milhões de brasileiros sem trabalho. O lado de vida real da crise é dramático: debacle social, pobreza, queda de padrão de vida, aumento
da violência, e assim por diante, sempre ladeira abaixo. Portanto,
picuinhas entre caciques peemedebistas, Renan Calheiros e Temer, e jogo de cena
para buscar favores do Planalto precisam ser deixados de lado a fim de que se
ponha para andar, com rapidez, o julgamento da presidente no Senado.
Aceito o processo pelo Senado,
Dilma será afastada por até 180 dias, durante os quais governará Temer. Mas, se esgotado o prazo e o julgamento não tiver sido concluído, Dilma volta. É indiscutível que este
cenário será letal para todos: para
Dilma, PT e Lula, porque serão mais fortemente
responsabilizados pela catástrofe, e
para a aliança que terá assumido o governo, ao lado de Temer, por não ter estabilizado o país. Perdem os políticos e
sofre mais ainda a população.
Logo, inexiste qualquer justificativa razoável
para o Senado não dar início à fase de julgamento da presidente com urgência
máxima, obedecidos todos os trâmites legais, com respaldo do STF. Chega a ser uma questão de segurança
nacional.
Mesmo
que ainda falte o essencial, o julgamento, o vice Michel Temer tem de agir,
diante da situação em que está a economia. Ela é tão
crítica que as únicas duas boas notícias — a inflação perde fôlego e o superávit comercial pode ser recorde
histórico — derivam de um sério
problema: a
profunda recessão interna. Com o
nível baixo de atividade na produção, importa-se menos; com a perda de poder de
compra da população, devido ao desemprego e a uma persistente inflação elevada,
indústria e comércio são obrigados a reduzir preços. Mas há limites. O remédio que produz os bons resultados
matará o doente. Ele é veneno. É ilusório achar que o pior passou, que se
bateu no “fundo do poço”.
As coisas
não funcionam assim numa severa crise fiscal e em que o governo ainda no poder
mantém os mecanismos que alimentam esta crise — deseja continuar a elevar os
gastos quando as receitas caem, puxadas pela recessão.
E, como sempre em nome da defesa do pobre,
também rejeita desindexar o Orçamento, cujas
despesas crescem rumo ao infinito porque a inflação não para de subir, embora
numa velocidade mais baixa. É
receita infalível do agravamento ainda maior da crise fiscal, que tornará o
pobre miserável. Já se sabe o que esta fórmula econômica tóxica produz.
Michel Temer, então, não pode esperar inerte a abertura da fase de julgamento
pelo Senado. Imóvel ele não está, a considerar o noticiário sobre sondagens a
Arminio Fraga, economista, presidente do Banco Central no momento delicado de
liberação do câmbio, com FH, formulador do projeto econômico do candidato
tucano Aécio Neves, derrotado por Dilma em 2014
.
Se o olfato do político aponta
para onde migra o poder — motivo pelo qual houve
debandada na Câmara da base do governo para o Palácio Jaburu —, mercados têm também sentidos apurados.
O exemplo pode não ser o ideal, mas ajuda a entender do que se trata: logo ao
assumir, depois de derrotar nas urnas o
kirchnerismo na Argentina, Mauricio Macri fez fortes sinalizações para
superar a profunda crise em que Néstor e Cristina Kirchner mergulharam o país
em 12 anos de poder — semelhante ao que o
lulopetismo fez no Brasil —, e em poucas semanas conseguiu reverter o humor
interno e mundial com relação à economia argentina. Macri já detinha a caneta para tomar decisões concretas. Mas
mostrou ao parceiro do Mercosul que postura é capaz de começar a romper a mais
espessa argamassa de pessimismo em pouco tempo. Temer precisa ensaiar, agora, um choque de credibilidade.
Até
porque, como ficou exposto no vídeo que
a presidente Dilma difundiu sexta-feira pela internet, ela retomou o discurso de campanha para tentar semear o
pânico na população, como em 2014 com seu marqueteiro, João Santana, hoje preso, exibindo
filmes em que a comida desaparecia do prato das famílias humildes se
adversários ganhassem a eleição. Dilma garante que Temer e aliados acabarão com
o Bolsa Família — criada por tucanos —,
e o vice-presidente nega. Mas Temer precisa ir além. Não basta negar, mas, por
exemplo, apresentar nomes de peso, respeitados, para pastas-chave. Raposas da
política — e Temer é uma delas —
devem estar aconselhando o vice-presidente a evitar temas sobre a corrupção. Mas ele não deveria ouvi-los.
Lembremo-nos da reação espontânea do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo,
ao ver a foto em que Eduardo Cunha e Romero Jucá, de mãos dadas e braços
erguidos, comemoravam a formalização da saída do PMDB da base do governo. “Meu Deus do céu! Esta é nossa alternativa
de poder...” Cunha e Jucá, este,
braço-direito de Temer, os dois denunciados pela Lava-Jato, sendo o primeiro dono de extenso prontuário, são
vistos como símbolos dos riscos que um governo Temer corre neste campo.
Ora, no lado do governo também há extensas
folhas corridas de delitos, inclusive com o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, ainda
preso em Curitiba. O próprio Lula é investigado. Não se trata,
portanto, de estabelecer uma disputa sobre quem tem fichas mais limpas. Ou mais
sujas. Mas de deixar claro de forma veemente que um possível governo do vice,
com característica de salvação nacional, nada fará para criar obstáculos à
Lava-Jato ou a qualquer outra ação anticorrupção, mesmo que tenha, como se diz,
de cortar a própria carne.
No
sábado, Temer fez, por escrito, uma
defesa da Lava-Jato. Agiu bem e precisa continuar assim. Não transigir em questões éticas também é uma forma de se diferenciar da era lulopetista. Não é
apenas na economia.
Fonte: Editorial – O Globo