A Igreja
Católica nunca se deixou enganar pelas trapaças do socialismo e do
comunismo. Encíclicas atrás de encíclicas denunciaram, desde o
princípio, a falsa ideologia de Marx e Engels.
Os últimos cem anos, de 1917 a 2017, têm sido como uma recapitulação do protoevangelho, quando Deus disse à serpente: "Porei inimizade entre ti e a mulher"
(Gn 3, 15). Trata-se de uma guerra secular que representa o período
mais acentuado desta inimizade. Tudo começou em 1917, com as revelações
de Nossa Senhora de Fátima, de um lado, e a Revolução Russa, que levou à
implantação do comunismo ateu, de outro. Quais seriam as chances de tamanha coincidência?
Ao longo
dos últimos cem anos, a forma mais grotesca que o "corpo místico" do
Anticristo já adotou é, sem sombra de dúvida, o materialismo ateu,
incorporado mundo afora por governos socialistas e comunistas. A
serpente tornou-se Leviatã. Antes da Revolução de Outubro, Maria já
advertira, em julho de 1917, que a Rússia espalharia "os seus erros pelo mundo, provocando guerras e perseguições contra a Igreja". O resto, como sabemos, é história.
Este
centenário da Revolução de Outubro é uma grande oportunidade para trazer
à memória o "horrendo flagelo" — como lhe chamou Pio XI (cf. Encíclica
"Divini Redemptoris", de 19 mar. 1937, n. 7) — que vergastou o mundo
através das perversas armadilhas do socialismo e do comunismo. Isto é
particularmente importante na medida em que as elites culturais do Ocidente e seus simpatizantes vêm há tempos forcejando por minimizar os males do marxismo,
como parece ser a intenção do jornal The New York Times, com sua "série
de apaixonadas e saudosas recordações dos bons e velhos tempos do
comunismo do século passado" [1].
Talvez seja
mesmo chegada a hora de passar em revista esses tempos felizes do
"século vermelho" com uma relaxante leitura de O Livro Negro do
Comunismo ou O Arquipélago Gulag, de Solzhenitsyn. Mas, afinal, o que
poderia ser mais enriquecedor do que dedicar um tempo a ler sobre o
Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung? Melhor
ainda: que tal estourar um saco de pipocas e assistir a Os gritos do
silêncio [2], um filme para divertir toda a família?
Alguns, porém, talvez se perguntem: "E quanto ao socialismo do século XXI?" Ora, basta dar uma rápida olhada nas notícias que chegam da Venezuela.
Há não muito tempo, a Venezuela era uma país próspero, abundante em
petróleo; numa palavra, um milagre socialista! Mas agora, após dezoito
anos de marxismo, entre Chávez e Maduro, o país não passa de um inferno
socialista. Muitos ali têm passado fome — uma especialidade comunista —,
não lhes sobrando outra alternativa senão roubar ou comer animais de
zoológico, prática na qual parecem ter especial predileção por carne de
búfalo e porco-do-mato.
Isso, infelizmente, não é incomum às experiências socialistas; antes, pelo contrário, constitui a regra geral.
A alimentação venezuelana, contudo, deve ainda assim ser mais agradável
que a dieta à base de mato e casca imposta aos reclusos na prisão
estatal da Coreia do Norte. Os fatos históricos revelam que os demagogos comunistas foram responsáveis pela morte de 140 milhões de pessoas [3],
desde Lênin até Stalin, passando por Mao Tsé-Tung, Pol Pot, Kim
Jong-un, Chávez, Che Guevara, Fidel Castro... e a lista poderia ir-se
alongando. Lênin disse, no final das contas, que é preciso quebrar uns
tantos ovos para fazer uma omelete: 140 milhões de ovos quebrados; eis
aí uma omelete gigante!
A Igreja, por sua vez, nunca se deixou enganar pelas trapaças do socialismo e do comunismo.
Encíclicas atrás de encíclicas denunciaram, desde o princípio, a falsa
ideologia de Marx e Engels. De fato, o Catecismo o afirma claramente: "A
Igreja rejeitou as ideologias totalitárias e atéias, associadas, nos
tempos modernos, ao 'comunismo' ou ao 'socialismo'" (n. 2425). O
Catecismo, porém, é curto e sucinto, ao passo que as encíclicas papais são ricas em detalhes e categóricas em suas condenações.
Em 1846, o
Papa Pio IX promulgou a encíclica "Qui Pluribus", sobre fé e religião,
na qual já combatia vigorosamente as ideias de Marx, que em 1848
publicaria O Manifesto Comunista. Pio IX ali se referia à "nefanda
doutrina do comunismo, contrária ao direito natural, que, uma vez admitida, lança por terra os direitos de todos, a propriedade e até mesmo a sociedade humana".
Ele advertia contra "as mais perversas criações de homens que, trajados
por fora com peles de ovelha, por dentro não passam de lobos rapaces".
Em 1878, o
Papa Leão XIII escrevia sobre os males do socialismo na encíclica "Quod
Apostolici Muneris". O Pontífice começa a carta referindo-se à "praga mortífera que se tem difundido no seio mesmo da sociedade humana, conduzindo-a ao abismo da destruição". Leão XIII aponta em seguida que "as facções dos que, sob diversas e quase bárbaras designações, chamam-se socialistas, comunistas ou niilistas,
espalhados ao redor do mundo e unidos pelos laços estreitíssimos de uma
perversa confederação, já não se põem ao abrigo da sombra de reuniões
secretas, senão que, marchando aberta e confiadamente à luz do dia,
ousam levar a cabo o que há muito tempo vêm maquinando: a derrocada de toda a sociedade civil".
A encíclica também chamava a atenção para o projeto socialista de destruição do matrimônio e da família.
Para os socialistas, com efeito, não pode haver maior fidelidade, nem
mesmo a Deus e à família, do que a obediência ao Estado todo-poderoso.
Leão XIII afirmava ainda que "os fundamentos da sociedade repousam,
antes de tudo, sobre a união indissolúvel entre os esposos, conforme as
exigências da lei natural". E no entanto "as doutrinas socialistas aspiram por dissolver quase por completo os elos desta união".
Treze anos
depois, em 1891, Leão XIII voltou a escrever outra encíclica, "Rerum
Novarum", a respeito do trabalho, do capital e da classe operária. Trata-se do texto fundacional da doutrina social católica nos tempos modernos. Dizia
o Pontífice: "Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o
ódio invejoso contra os que possuem e pretendem que toda a propriedade
de bens particulares deve ser suprimida". Isto, declarou a Igreja, "é
sumamente injusto" e "o remédio proposto está em oposição flagrante com a
justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural".
O socialismo ergue-se sobre as bases da cobiça, ou seja, uma transgressão do nono e décimo Mandamentos. Eis o que diz a "Rerum Novarum": "A autoridade das leis divinas vem pôr [...] o seu selo, proibindo, sob pena gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence aos outros".
O socialismo se baseia, além disso, na falsa ideia da luta de classes.
Também para dissipar este erro Leão XIII levantou a voz: "O erro capital
na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma
da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta".
Como já o
fizera em encíclicas anteriores, Leão XIII insiste em defender contra as
investidas socialistas as instituições familiar e matrimonial: "À
família [...] será forçosamente necessário atribuir certos direitos e
certos deveres absolutamente independentes do Estado". "Querer, pois, que o poder civil invada arbitrariamente o santuário da família é um erro grave e funesto."
Em 1931, o
Papa Pio XI divulgou a carta "Quadragesimo Anno", por ocasião do 40.ª
aniversário da encíclica "Rerum Novarum", à qual chamou a "Carta Magna"
da doutrina social católica. Pio XI afirma sem rodeios: "Declaramos: o
socialismo quer se considere como doutrina, quer como fato histórico,
ou como 'ação' [...] não pode conciliar-se com a doutrina católica".
O Pontífice foi ainda mais longe, ao dizer: "Se este erro, como todos
os mais, encerra algo de verdade [...], funda-se contudo numa concepção
própria da sociedade humana diametralmente oposta à verdadeira doutrina
católica. 'Socialismo religioso' e 'socialismo católico' são termos
contraditórios: ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro socialista".
Mas o que
pensar do socialismo mitigado? Também este fustigou-o o Papa de forma
bastante sucinta: "Citamos novamente a juízo o comunismo e o socialismo,
e vimos o quanto as suas formas, ainda as mais mitigadas, se desviam dos ditames do Evangelho".
Reiterá-lo-ia anos depois o Papa João XXIII, em sua encíclica "Mater et
Magistra", de 1961: "Entre comunismo e cristianismo, o Pontífice [Pio
XI] declara novamente que a oposição é radical, e acrescenta que não se pode admitir de maneira alguma que os católicos adiram ao socialismo moderado".
E, para ser justo, Pio XI repreendeu também o "individualismo" e o capitalismo extremos por não respeitarem a dignidade humana do trabalhador, cuja atividade não pode ser vendida como um "um simples gênero comercial". O Pontífice apontava ainda que o remédio mais necessário consiste, não na reação violenta dos socialistas em ordem ao desmantelamento do livre mercado, mas, antes de tudo, na "reforma dos costumes".
De fato, a postura da Igreja frente a esses problemas sempre foi
ponderada, resguardando os direitos tanto do empregado quanto do
empregador, mediante uma volta à caridade cristã e ao zelo pelo bem do
próximo.
Sua crítica
mais dura, no entanto, reservou-a Pio XI à "peste comunista", cujas
ações e intenções são desmascaradas nos seguintes termos: "guerra de
classes sem tréguas nem quartel e completa destruição da propriedade
particular"; "a tudo se atreve, nada respeita; uma vez no poder, é incrível e espantoso quão bárbaro e desumano se mostra";
"aí estão a atestá-lo as mortandades e ruínas"; "ódio declarado contra a
Santa Igreja e contra o mesmo Deus"; "a impiedade e iniquidade do
comunismo"; "doutrinas que porão a sociedade a ferro e fogo"; "abre caminho à subversão e ruína completa da sociedade."
Mas o Papa
não parou por aí. Em 1937, veio a lume outra de suas encíclicas, a
"Divini Redemptoris", a respeito do comunismo ateu. O Pontífice não
poupou palavras. Exortou a que "os fiéis não se deixem enganar! O
comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitir em campo
nenhum a colaboração com ele, da parte de quem quer que deseje salvar a
civilização cristã". É um "sistema cheio de erros e sofismas". A encíclica tinha em mente o "perigo ameaçador" do "comunismo, denominado bolchevista e ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilização cristã."
O comunismo é particularmente nocivo, já que "priva a pessoa humana da sua dignidade". "Os direitos naturais [...] são negados ao [...] indivíduo para serem atribuídos à coletividade".
E é precisamente por isso que "qualquer direito de propriedade privada
[...] tem de ser radicalmente destruído". É a coletividade que legisla
em matérias de matrimônio e família. "O matrimônio e a família são apenas uma instituição civil e artificial", dependente "da vontade dos indivíduos ou da coletividade".
É o ressurgimento das "cartas de divórcio". A difusão do comunismo foi
possível graças à propaganda diabólica dos "filhos das trevas" e à
"conspiração do silêncio" orquestrada pela imprensa não-católica,
silêncio devido em parte às "diversas forças ocultas que já há muito
porfiam por destruir a ordem social cristã". Isso soa familiar.
Em 1991, o
Papa João Paulo II publicou a "Centesimus Annus", em comemoração ao
centenário da "Rerum Novarum". Esta nova encíclica reafirmava o
ensinamento segundo o qual a raiz do totalitarismo moderno encontra-se na negação da dignidade transcendental da pessoa humana.
O socialismo "considera cada homem simplesmente como um elemento e uma
molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece
totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo econômico-social".
"Luta de classes em sentido marxista e militarismo têm,
portanto, a mesma raiz: o ateísmo e o desprezo da pessoa humana, que
fazem prevalecer o princípio da força sobre o da razão e do direito".
Como sabiamente notou Fulton Sheen, "o comunismo pretende estabelecer o
impossível: uma irmandade entre os homens prescindindo da paternidade
divina".
George Orwell conhecia bem o engodo socialista, adaptando-lhe o mantra em sua obra A Revolução dos Bichos: "Todos os animais são iguais", e no entanto, como dirá o porco a certa altura da história, "alguns animais são mais iguais do que outros".
A sua verdadeira face, uma hora ou outra, acaba sendo descoberta. É o
"duplipensar" do Partido. E como são estranhamente atuais o "pensar
criminoso" e a "patrulha ideológica" de 1984 no ambiente politicamente
correto que se respira nas universidades norte-americanas e em tantos
governos europeus! O Muro de Berlim veio abaixo e a União Soviética dissolveu-se, mas o marxismo cultural está forte como nunca.
As
vanguardas progressistas da esquerda são os herdeiros ideológicos do
socialismo e do comunismo do século XX. Eles fazem avançar a revolução
ao adotarem os "erros da Rússia" e atacarem a propriedade privada, o
livre mercado, a liberdade individual e a livre expressão, o casamento e
a família tradicionais, a liberdade de consciência e a liberdade de
culto. Talvez não haja agora mesmo um "império do mal", um único Estado
totalitário; o que há, isso sim, é um totalitarismo das
inteligências, a pressão imperiosa exercida pelos media, pela educação,
pelos governos e sistemas judiciais. O Big Brother continua à espreita.
Mas ainda
há esperança. A Igreja triunfou, sim, do comunismo ateu, e Cristo
garantiu-nos que as portas do inferno não hão de prevalecer contra ela.
Nos sombrios idos de 1917, em meio à Primeira Guerra Mundial e à difusão
dos males do comunismo ateu, a Virgem Maria prometeu: "No fim, o
meu Imaculado Coração triunfará". Sim, o Leviatã continua furioso e com
o chicote em mãos; sua cabeça, porém, já foi esmagada.
Referências
*Reproduzido de www.padrepauloricardo.org
1. Robert Tracinski, "Why Is The New York Times Trying To Rehabilitate Communism?", em: The Federalist, 3 ago. 2017.
2. Em inglês, The Killing Fields, filme de 1984 sobre a ditadura comunista de Pol Pot no Camboja.
3. Cf. os dados levantados por Paul Kengor em The Politically Incorrect Guide to Communism.