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domingo, 18 de fevereiro de 2018

Um xerife trapalhão

Ao sugerir o arquivamento de uma investigação em andamento contra o presidente Michel Temer, o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, extrapola suas funções, provoca uma desnecessária crise interna e fica ameaçado até de perder o posto





FALOU DEMAIS O diretor-geral da PF, Fernando Segovia, contraria seus antecessores, para os quais a discrição sempre foi a alma da investigação (Crédito: Jorge William)
 

Terminada a folia de carnaval, recheada de figurinos de protesto, eis que o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, decidiu vestir a indumentária de xerife trapalhão. “Botou a fantasia de Absolvedor-Geral da República”, resumiu o procurador Fabio Seghese. Segovia podia ter dormido sem essa. Em novembro de 2017, assumiu o cargo prometendo “trabalhar em silêncio”. Não cumpriu o próprio desígnio. Discrição é a alma da atuação de toda PF que se pretenda eficiente e séria. Toda vez que desviou desse prumo, o trabalho da instituição virou alvo de questionamentos. Não seria diferente com Segovia. A mais recente pérola do comandante da PF o levou para o epicentro de uma crise que pode até lhe custar o emprego. Em entrevista, ele falou mais do que devia e sugeriu o arquivamento de uma investigação em andamento contra o presidente Michel Temer. O inquérito tramita no STF, sob relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, e apura se Temer recebeu propina para favorecer uma empresa na prorrogação de contratos no porto de Santos.

Relator do inquérito do Porto de Santos, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso intimou o diretor-geral da PF a prestar esclarecimentos

Na polêmica entrevista, Segovia disse não ver indícios de crimes de corrupção. Mesmo não sendo o responsável pela investigação, o diretor-geral falou abertamente sobre um inquérito ainda em andamento, ou seja, há diligências a serem realizadas antes de uma conclusão definitiva sobre eventuais práticas de crimes. Ou seja, além da tentativa de blindar o governo, Segovia abusou da autoridade ao atropelar os próprios subordinados. A declaração não poderia ter repercutido de forma mais negativa. Foi uma verdadeira trapalhada do diretor-geral. Internamente, gerou revolta de delegados e agentes, principalmente entre os que atuam no inquérito contra Temer. “Foi um desastre completo”, resumiu à ISTOÉ um investigador da PF. As críticas vieram até mesmo dos delegados que atuam nos inquéritos da Lava Jato. Em dura carta, os delegados disseram que não vão admitir interferência em qualquer investigação em andamento. Se isso acontecer, prometem recorrer ao STF para “obtenção de medidas cautelares”. Não bastasse a polêmica fala em defesa de Temer, Segovia ainda cometeu um grave erro, afinal não é de competência da PF pedir o arquivamento de inquéritos que tramitam no STF. O pedido deve ser feito unicamente pela Procuradoria-Geral da República e a decisão sobre o arquivamento cabe ao ministro-relator no Supremo. Vladimir Aras, da equipe do antigo PGR, ironizou: “O Sr. Segovia tem tanta autoridade para fazer isso (arquivar o inquérito) quanto o Rei Momo tem sobre o destino da Inglaterra”.

Desde 2003, ocupantes do mais alto posto da PF em geral primaram pelo recato. Alguns até faziam questão de evitar os holofotes, deixando o protagonismo para os delegados responsáveis pelos inquéritos. Pelo menos até 2007, as equipes da inteligência policial de Brasília procuravam preservar seus segredos até o ato das prisões dos investigados. A participação dos Estados era apenas marginal. Cediam pessoal para cumprir os mandados de prisão e de busca e apreensão, organizavam as celas para acomodar os presos, cediam e preparavam os carros policiais, entre outros detalhes burocráticos. Era uma forma encontrada pela gestão do então diretor-geral, Paulo Lacerda, de reforçar o sigilo das investigações. Sucessor de Lacerda, Luiz Fernando Corrêa alterou a rotina das operações, ao descentralizar as ações especiais consideradas mais sensíveis. 

A descentralização gerou debate na PF. Setores da polícia apontaram esvaziamento das funções de algumas diretorias, maior risco de vazamentos e aumento das disputas internas. Mesmo assim, jamais houve espalhafato por parte do diretor-geral. Espetaculares eram as operações. Leandro Daiello, no cargo de 2011 até novembro do ano passado, manteve a mesma toada. Sua voz pouco era ouvida, talvez por isso tenha se tornado um dos diretores-gerais mais longevos. Contrariando o que prometera na posse, Fernando Segovia preferiu mudar o estilo. Boquirroto, acabou inserido na célebre frase cunhada pelo ex-atacante e hoje senador Romário (PSB) para se referir a Pelé: “Segovia calado é um poeta”, afirmou o senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP). O senador foi além da poesia. Entrou com uma ação popular na 22ª Vara Federal Cível do Distrito Federal que, caso prospere, pode fazer com que Segovia deixe o posto. [Não surpreende a decisão do senador da Rede. A especialidade desse senador é entrar com ações na Justiça contra isso, aquilo e mais aquilo; 
seu DEVER, imposto pelo cargo para o qual foi eleito, que é apresentar projetos em prol do seu Estado e do Brasil, ele NÃO CUMPRE; 
não tem um único projeto aprovado;
se espera que os ingênuos que votaram nele, desconfiem que o senador em termos de competência legislativa é um ZERO a esquerda.
Ele é líder do seu partido no Senado mas não por competência e sim por ser o único senador da Rede = líder de si mesmo.]

As reações desaguaram no STF. Relator do inquérito do porto de Santos, Luís Roberto Barroso intimou o diretor-geral a prestar esclarecimentos. Como ainda há diligências em andamento, Barroso afirmou que Segovia não poderia fazer comentários públicos sobre o assunto. E disse que tal conduta, se confirmada, seria “manifestamente imprópria” e poderia “caracterizar infração administrativa e até mesmo penal”. O ministro também não gostou de Segovia ter sugerido a abertura de uma sindicância interna contra o delegado Cleyber Lopes, responsável por investigar Temer e pediu esclarecimentos. “O delegado deve ter autonomia para desenvolver o seu trabalho com isenção e livre de pressões”, afirmou. Um constrangimento para o diretor-geral – para dizer o mínimo. Na segunda-feira 19, Segovia vai ter de se explicar pessoalmente ao ministro.

Nos últimos dias, cresceram as pressões para que Temer demitisse o xerife da PF. O Palácio do Planalto resiste. A nomeação de Segovia foi apadrinhada por dois políticos de peso do PMDB: o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ex-senador José Sarney. Ninguém confessa, mas no fundo Segovia é visto como um possível freio sobre as denúncias caciques do PMDB. Sob comando de Segovia, as investigações da Lava Jato contra políticos não têm avançado na velocidade que se esperava. São mais de 200 procedimentos em aberto. Muitos deles envolvem ministros do governo, como Eliseu Padilha e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, identificados, respectivamente, como “primo” e “angorá” nas planilhas da Odebrecht.

IstoÉ
 

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