Demétrio Magnoli
Policiais bandidos sempre existirão, mas a polícia bandida é fruto de seus superiores
Há, e são muitos, policiais profissionais que cumprem a sua missão de
proteger a ordem pública e a segurança dos cidadãos respeitando
estritamente a lei. Existem, e não poucos, policiais que vão muito além
de seu dever. Eles apartam brigas de casais, assumem riscos pessoais
excessivos para salvar indivíduos em perigo, fazem partos em situações
de emergência, amparam famílias durante os dias traumáticos do sequestro
de um dos seus. Por culpa dos inimigos da polícia, geralmente
esquecemos disso.
Um inimigo da polícia é o policial que usa sua arma como ferramenta para
violar a lei. Aquele que chantageia pessoas vulneráveis para obter
propina, cobra tributos informais de atividades irregulares, engaja-se
na intermediação de negócios ilegais, associa-se a máfias políticas ou
empresariais. Ou, ainda, aquele que pratica pequenos gestos cotidianos
de arbítrio, recorre à brutalidade gratuita, envolve-se em operações de
vingança homicida, forma milícias. Esse tipo de policial degrada sua
profissão: a substância pegajosa que dele emana suja o uniforme de seus
colegas honestos e mancha até mesmo os distintivos dos colegas heroicos.
(como estará a consciência de um pai e/ou de uma mãe que deixaram uma criança de 14 anos estar de madrugada em um bali funk bem longe de casa?) ]
O policial contaminado pelo preconceito é um inimigo da polícia. Ele
enxerga o bairro de periferia ou a favela como terra estrangeira — e seus
habitantes, especialmente quando jovens e negros, como delinquentes
naturais. Sob a lente de seus óculos, o baile funk dos pobres é orgia
criminosa. Nesse olhar fraturado começa o trajeto que se conclui em
tragédias como a de Paraisópolis, em São Paulo. Entretanto, quase
invariavelmente, a consumação da barbárie depende de uma palavra que vem
de cima.
A polícia é o que seus comandos querem que seja. A cultura policial
nasce nos escalões superiores —isto é, nos comandantes e nas autoridades
políticas que os selecionam. Policiais bandidos sempre existirão, mas a
polícia bandida é o fruto do presidente que elogia o arbítrio e a
truculência, do filho do presidente que homenageia milicianos, do
governador que pede tiros “bem na cabecinha” ou do que nada vê de
condenável na alta letalidade das operações de sua polícia. Os
principais inimigos da polícia têm nome e sobrenome: chamam-se Jair
Bolsonaro, Wilson Witzel, João Doria. [um pequeno esclarecimento: achamos haver um certo exagêro, em considerar autoridades que tem responsabilidade sobre a segurança pública como policiais bandidos.
O policial bandido está adequadamente definido, ao nosso ver, no segundo parágrafo da matéria.
Considerar policial bandido autoridades, estaduais ou federais, que desejam combater o crime, que desejam a vitória do policial profissional, é um absurdo que só depõe contra o esforço de aprimorar a polícia.]
O policial profissional sabe que o policial bandido é seu inimigo —e,
por isso, espera que sistemas de controle o identifiquem e excluam da
corporação. Entre os maiores inimigos da polícia encontra-se Sergio
Moro, o ministro que, por meio de seu “excludente de ilicitude”, almeja
impedir a punição de criminosos uniformizados. O dispositivo, se
aprovado, representaria o triunfo jurídico da polícia bandida —ou, dito
de outro modo, o enterro definitivo da polícia profissional. Atrás da
proposta legislativa, espreita a sombra do esquadrão da morte.
A Lei de Drogas, envelope jurídico do preconceito social, é o pátio de
encontro dos inimigos da polícia. Seus holofotes comprimem, numa tábua
única, a alta criminalidade do narcotráfico, o pequeno crime da “mula”
ou do “aviãozinho” e o consumo de entorpecentes no pancadão da periferia
(esqueça a rave de Pratigi, na Bahia: nas festas da classe média não
circulam drogas!). Os adolescentes mortos em Paraisópolis são “danos
colaterais” da Lei de Drogas, como o são as crianças alvejadas no Rio e a
multidão de presos sem nome das penitenciárias convertidas em escolas
do crime.
Os inimigos da polícia fazem com que, no lugar de respeito, a polícia se
torne objeto de temor, aversão e ódio. Não há nada mais perigoso do que
isso para os policiais. Eles têm que cumprir sua missão em territórios
hostis, entre pessoas que os enxergam como as ameaças mais letais.
Devem, portanto, operar em comunidades que preferem o silêncio à
cooperação ou, em casos extremos, escolhem cooperar com os criminosos. [opção que sempre resulta em acusações falsas contra os policiais - é tal opção que faz com que as balas perdidas sempre tenham saído das armas de policiais, que sempre acusam os policiais de violência e outras coisas mais e que complicam o trabalho da polícia no combate ao crime.] O
partido do “excludente de ilicitude” também mata policiais.
Demétrio Magnoli, coluna Folha de S. Paulo
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