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sexta-feira, 25 de março de 2022

Juiz de porta de avião - Revista Oeste

Luiz Inácio Lula da Silva e Rosemary Noronha | Foto: Montagem/ Revista Oeste
Luiz Inácio Lula da Silva e Rosemary Noronha - Foto: Montagem/ Revista 

Fazer o que faz o homem encarregado de lidar com suas redes sociais, liquidou a questão Bolsonaro no primeiro encontro com jornalistas excitados com o prosseguimento do duelo entre o chefe do Executivo e o artilheiro do Timão da Toga.  
Como a usina de insolências não pode parar, Moraes resolveu atacar com mais cobranças. 
Quer saber de onde saiu o dinheiro que pagou as despesas de Carlos. Do bolso do viajante? 
Ou de algum cartão corporativo usado indevidamente? 
O ministro também desconfia que a conta pode ter sido espetada no misterioso Gabinete do Ódio, assombração ainda homiziada em lugar incerto e não sabido, mas provida de munição digital suficiente para desequilibrar eleições e instalar no Brasil uma ditadura fascista.

Bolsonaro informou que o filho não foi socorrido por um único e escasso centavo. Mas Moraes é duro na queda: segue à caça de interrogações tão importantes quanto as dúvidas que me assaltam quando tento lembrar a escalação completa do Clube Atlético Taquaritinga, o “Leão da Araraquarense”, naquele jogo contra o Radium de Mococa disputado no verão de 1958. Já desisti de brigar com a memória. Bem mais teimoso é o parteiro do inquérito que há mais de três anos combate fabricantes de fake news, atos antidemocráticos, atentados a instituições e falatórios que deixam mal no retrato o Pretório Excelso.

Se acordar com o pavio alguns milímetros mais curto, o ministro pode expedir um mandado de prisão em flagrante perpétuo e trancafiar numa cela o piloto do avião que levou Carlos à Rússia. 
Se perder o sono, talvez seja assaltado pela ideia de indiciar no inquérito do fim do mundo a comissária de bordo que serviu cafezinho ao investigado. 
Por isso, e antes que aumente o calibre do surto de prepotência, convém desviar as atenções do impetuoso superjuiz para as comitivas que abrigaram Rosemary Noronha, a Rose, alojada de 2004 a 2012 na chefia do escritório da Presidência da República em São Paulo.

Durante sete anos, a mulher de temperamento esquentado desfrutou dos grandes e pequenos prazeres ao alcance de uma Segunda Dama

Não foi esse cargo que fez da ex-secretária de José Dirceu e ex-assessora de Lula uma assídua freguesa do Aerolula. Ela chegou lá por ocupar o posto de Segunda Dama.

As medidas preventivas adotadas pelo casal procuravam apenas evitar acessos de fúria da Primeira. Rose só viajava quando Marisa Letícia ficava em casa. Como seu nome era excluído da lista de passageiros publicada no Diário Oficial, a clandestina dispensada de esconder-se virou a penetra com mais horas de voo do planeta. Os parceiros de comitiva conheciam os reais motivos da presença a bordo daquela mulher cujas ancas desafiavam poltronas acanhadas e com uma franja na testa que dilatava as maçãs do rosto. A missão de Rose era garantir que Lula acordasse com a expressão satisfeita de quem passara boa parte da noite sobrevoando nuvens extraordinariamente azuis.

A bordo, o expediente de Rose começava quando anoitecia: risonha, avançava pelo corredor em direção aos aposentos presidenciais — para regressar ao fundo da aeronave depois do café da manhã. Em terra, seguia a programação oficial em silêncio, com o olhar distraído de quem se dispensa de saber se está no litoral do Caribe ou num deserto africano. Terminado o jantar, os dois partiam rumo às suítes contíguas do hotel cinco-estrelas. 

A porta entre as duas alcovas permanecia entreaberta. Foi assim nos mais de 30 países que Rose conheceu em mais de 20 viagens no Aerolula. Entre uma e outra, os encontros ficavam mais complicados. De todo modo, a frequência bastou para conferir ao escritório da Presidência, onde uma ampliadíssima foto de Lula fantasiado de atacante no momento do pênalti enfeitava um bom pedaço de parede, a fama de maior garçonnière da capital paulista.

(...)

E então o que parecia um romance extraconjugal virou caso de polícia.

A vida mansa acabou em 23 de novembro de 2012, quando a Operação Porto Seguro, desencadeada pela Polícia Federal, alcançou a Segunda Dama e seus protegidos, batizados pela imprensa de “Bebês de Rosemary”.  Assustado com a ampliação do acervo de maracutaias, Lula fez o que sempre faz quando precisa costurar algum álibi menos cretino: perdeu a voz e sumiu, agarrado à esperança de sobreviver sem fraturas ao primeiro escândalo que não poderia terceirizar. Não havia bodes expiatórios a convocar. Nem respostas aceitáveis para perguntas especialmente constrangedoras. Passou a primeira semana enfurnado no Instituto Lula. Passou as duas seguintes longe do Brasil, driblando repórteres com escapadas pela porta dos fundos ou pela cozinha do restaurante.

(......)

Cansados das tentativas de prender o gângster Al Capone pelos medonhos crimes que praticara, policiais de Chicago conseguiram condená-lo a uma interminável temporada na cadeia por ter lesado o Fisco.  
Como Rose e seus parceiros escaparam do castigo reservado a torturadores do Código Penal, a última esperança do Brasil que pensa e presta é, quem diria?, a cabeça tumultuada de Alexandre de Moraes. A perseguição movida contra Carlos Bolsonaro informa que, aos olhos do ministro, juntar-se a comitivas presidenciais pode ser considerado ato criminoso. 
Por que o ministro não reexamina o papel desempenhado por Rosemary Noronha depois de embarcar no Aerolula? 
É o que já teria feito se Rose, decepcionada com o sumiço de Lula, declarasse que vai votar em Jair Bolsonaro.

Leia também “O prepotente, o dissimulado e o ególatra”

MATÉRIA COMPLETA - Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste -


sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Uma democracia curiosa - Ives Gandra Martins

Revista Oeste

Meu desconforto cresce à medida que cresce o intervencionismo judicial

O Brasil vive um momento em que duas realidades opostas são tidas por democráticas, a saber: aquela idealizada pelos constituintes e aquela definida pelo Supremo Tribunal Federal.

Participei de audiências públicas a convite dos constituintes, mantive contatos permanentes com o relator da Constituição, senador Bernardo Cabral, mandando-lhe até mesmo sugestões de textos, a seu pedido; com o presidente, deputado Ulisses Guimarães, que chegou a assistir a palestra minha sobre o parlamentarismo, pois era sua vontade implementar o sistema no Brasil.

Ulysses Guimarães, durante a promulgação da Constituição de 1988 - Foto: José Cruz/ABr 

Também estive com o deputado Francisco Dornelles, que me fez um dos primeiros convidados para audiência pública, na Subcomissão de Tributos, algumas de minhas sugestões tendo sido incluídas na Lei Suprema; com o deputado Delfim Netto, na Subcomissão de Economia, em audiência pública; com Roberto Cardoso Alves, já no plenário que comandou o grupo o qual a imprensa denominou de centrão, quando, a seu pedido, redigi, com Hamilton Dias de Souza, novo anteprojeto tributário, objetivando salvar — o que, de certa forma, foi possível — o trabalho da Subcomissão —, consta da primeira edição de meu livro Sistema Tributário na Constituição (Editora Saraiva) o texto do substitutivo.

Além de inúmeros outros contatos, encontros e palestras. Organizei um congresso pela Fecomércio de Minas Gerais e pela Academia Internacional de Direito e Economia, dez dias antes da promulgação da Carta Magna, em que, durante três dias, com participação de mais de 50 palestrantes (ministros do STF, TFR e TST, desembargadores, senadores, deputados, ministros do Executivo, governadores, professores universitários, especialistas), se discutiram, em painéis simultâneos, todos os capítulos e seções da nova Lei Suprema. 

As palestras foram editadas pela Forense Universitária sob o título A Constituição de 1988 — Interpretações. Por fim, comentei com Celso Bastos, em 15 volumes, mais ou menos 10.000 páginas e em dez anos (1988-1998), o Texto Supremo pela Editora Saraiva. [presidente Bolsonaro, por favor, para o BEM do Brasil e dos brasileiros, na próxima indicação ao STF, consulte o currículo do insigne jurista Ives Gandra - currículo que certamente reverterá o processo de apequenamento que acomete nossa Suprema Corte.
Todos agradecerão Vossa Excelência, incluindo os atuais ministros do STF. ]

Até hoje no Conselho Superior de Direito da Fecomércio-SP, que presido, o relator da Constituinte, senador Bernardo Cabral, é conselheiro, sendo quem melhor poderia testemunhar sobre esta modesta, mas intensa participação minha no processo constituinte. 

Este ativismo judicial descaracteriza a independência e a harmonia dos Poderes

Exatamente por esta razão, causa-me desconforto divergir dos eminentes ministros da Suprema Corte — muitos deles amigos e com quem escrevi livros, participei de bancas universitárias, proferi palestras — sobre sua visão de que o Supremo Tribunal Federal é o maior Poder da República, com o direito de corrigir os rumos do Executivo, legislar para suprir vácuos legislativos e reformular votações sobre matérias de exclusiva responsabilidade da Casa, sempre que a oposição derrotada recorra ao Pretório Excelso para que lhe permita ganhar com 11 votos o que não conseguiram entre 513 deputados e 81 senadores. [o ilustre articulista esqueceu - ou por cortesia fingiu esquecimento - de citar a condição de Poder Moderador atribuída pelo supremo ministro Dias Toffoli ao STF.]

Este ativismo judicial, que descaracteriza a independência e a harmonia dos Poderes do Artigo 2° da Lei Maior, pois coloca um Poder acima dos outros dois, por muitos é tido como uma nova corrente do moderno constitucionalismo, denominado ou de “consequencialismo” ou de “neoconstitucionalismo”. Por ela, caberia ao Supremo, como disse o ministro Toffoli em Lisboa, ser o Poder Moderador e ao ministro Luiz  Fux, o defensor da democracia. Por essa corrente doutrinária, os fins justificam os meios. 

Ocorre que, todavia, na Lei Suprema, o Título IV em que se insere o Poder Judiciário, como o último dos Três Poderes, a denominação é apenas de “Organização dos Poderes”, lembrando-se que o constituinte colocou como enunciado do Título V, o seguinte: “Da defesa do Estado e das instituições democráticas”, outorgando às Forças Armadas e de Segurança Pública tal função.  

O que mais impressiona, entretanto, é que nem mesmo nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão pode o Judiciário legislar, devendo solicitar ao Legislativo que o faça (Artigo 103 § 2° da Carta da República), numa clara demonstração que há um nítido conflito entre o pensamento do constituinte e aquele dos eminentes julgadores federais. 

Por fim, para não alongar demais este artigo, é de se lembrar que o Artigo 49, inciso XI, impõe ao Legislativo que zele por seu poder normativo, entendendo eu que pode não obedecer ordem do Supremo que invada tal competência, por força da Constituição Federal, visto que só ao Legislativo cabe zelar por sua independência normativa.

Como se percebe, apesar da grande admiração que tenho pelos ínclitos julgadores do STF, meu desconforto cresce à medida que cresce o intervencionismo judicial. 

Leia também “A farsa das instituições”

Ives Gandra Martins -  Revista Oeste


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Cabe às Forças Armadas moderar os conflitos entre os Poderes - Ives Gandra da Silva Martins

Um pouco da sabedoria de Ives Gandra sobre o artigo 142 da Constituição Federal

Tendo participado de audiências públicas, durante o processo constituinte, a convite de parlamentares eleitos em 1986, assim como, repetidas vezes, apresentado sugestões ao então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, relator Bernardo Cabral e presidentes de Comissões e Subcomissões, sempre que solicitado, decidi com Celso Bastos comentar o texto supremo, em 15 volumes, por 10 anos (1988-1998), em edições e reedições veiculadas pela Editora Saraiva.
 
(.........) 
 

O Título V da Carta da República corresponde ao volume 5, que ficou a meu cargo. Cuida de dois instrumentos legais para a defesa do Estado e das instituições democráticas (Estado de Defesa e de Sítio) e das instituições encarregadas de proteger a democracia e os poderes (Forças Armadas, Polícias Militares, Polícia Civil e Guardas Municipais).

Na 5ª parte da Lei Maior, por sua abrangência nacional e missão de proteção da soberania nacional, as Forças Armadas passaram a ter um tratamento diferenciado (artigos 142 e 143), tratamento este alargado quanto às demais corporações, pelas próprias atribuições outorgadas pelo constituinte às três Armas.

As funções determinadas pelo Constituinte estão no artigo 142, assim redigido:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:

  1. Defesa da pátria;
  2. Garantia dos poderes constitucionais;
  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.

A palavra "Pátria" aparece pela primeira e única vez neste artigo da Lex Magna.

Sobre a defesa da Pátria até mesmo os alunos do pré-primário sabem que o país será defendido contra eventuais invasões de outras nações pelas Forças Armadas. Não oferece qualquer dúvida.Sobre a garantia dos poderes contra manifestações de qualquer natureza, compreende-se, lembrando-se que, nos estados de defesa e de sítio as polícias militares, civil e guarda municipal são coordenadas pelas Forças Armadas.

A terceira função, todavia, é que tem merecido, nos últimos tempos, discussão entre juristas e políticos se corresponderia ou não a uma atribuição outorgada às Forças Armadas para repor pontualmente lei e a ordem, a pedido de qualquer Poder.

Minha interpretação, há 31 anos, manifestada para alunos da universidade, em livros, conferências, artigos jornalísticos, rádio e televisão é que NO CAPÍTULO PARA A DEFESA DA DEMOCRACIA, DO ESTADO E DE SUAS INSTITUIÇÕES, se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor, NAQUELE PONTO, A LEI E A ORDEM, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante.

Alguns juristas defendem a tese que a terceira atribuição e a segunda se confundem, pois para garantir as instituições, necessariamente, estarão as Forças Armadas garantindo a lei e a ordem, já que o único Poder Moderador seria o Judiciário.  Parece-me incorreta tal exegese, muito embora eu sempre respeite as opiniões contrárias em matéria de Direito. Tinha até mesmo o hábito de provocar meus alunos de pós graduação da Universidade Mackenzie a divergirem de meus escritos, dando boas notas àqueles que bem fundamentassem suas posições. É que não haveria sentido de o constituinte usar um "pleonasmo enfático" no artigo 142 da Carta Magna, visto que a Lei Suprema não pode conter palavras inúteis.

A própria menção à solicitação de Poder para garantir a lei e a ordem sinaliza uma garantia distinta daquela que estaria já na função de assegurar os poderes constitucionais, como atribuição das Forças Armadas.

Exemplifico: vamos admitir que, declarando a inconstitucionalidade por omissão do Parlamento, que é atribuição do STF, o STF decidisse fazer a lei que o Congresso deveria fazer e não fez, violando o disposto no artigo 103, parágrafo 2º, assim redigido:

Art. 103. (...) § 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.”

Ora, se o Congresso contestasse tal invasão de competência não poderia recorrer ao próprio STF invasor, apesar de ter pelo artigo 49, inciso XI, a obrigação de zelar por sua competência normativa perante os outros Poderes. Tem o dispositivo a seguinte redação:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

(...) XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes;

Pelo artigo 142 da CF/88 caberia ao Congresso recorrer às Forças Armadas para reposição da lei (CF) e da ordem, não dando eficácia àquela norma que caberia apenas e tão somente ao Congresso redigir. Sua atuação seria, pois, pontual. Jamais para romper, mas para repor a lei e a ordem tisnada pela Suprema Corte, nada obstante — tenho dito e repetido — constituída, no Brasil, de brilhantes e ilustrados juristas.

O dispositivo jamais albergaria qualquer possibilidade de intervenção política, golpe de Estado, assunção do Poder pelas Forças Armadas. Como o Título V, no seu cabeçalho, determina, a função das Forças Armadas é de defesa do Estado E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS. Não poderiam nunca, fora a intervenção moderadora pontual, exercer qualquer outra função técnica ou política. Tal intervenção apenas diria qual a interpretação correta da lei aplicada no conflito entre Poderes, EM HAVENDO INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OU DE ATRIBUIÇÕES.

No que sempre escrevi, nestes 31 anos, ao lidar diariamente com a Constituição — é minha titulação na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie —, é que também se o conflito se colocasse entre o Poder Executivo Federal e qualquer dos dois outros Poderes, não ao Presidente, parte do conflito, mas aos Comandantes das Forças Armadas caberia o exercício do Poder Moderador.

Nada obstante reconhecer a existência de opiniões contrárias, principalmente dos eminentes juristas que compõem o Pretório Excelso, não tenho porque mudar minha inteligência do artigo 142
Como não sou político, mas apenas um velho advogado e professor universitário, que sempre buscou exercer a cidadania, continuarei a interpretar, academicamente, o artigo 142, como agora o fiz, com o respeito que sempre tive às opiniões divergentes, não me importando com as críticas menos elegantes dos que não concordam comigo. John Rawls dizia que as teorias abrangentes são próprias das vocações totalitárias, que não admitem contestação. Só são democráticas as teorias não abrangentes, pois estas admitem contestação e diálogo.

Aos 85 anos, felizmente não perdi o meu amor ao diálogo e à democracia.

MATÉRIA COMPLETA e comentários -  Revista Consultor Jurídico.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifeo, Unimeo, do CIEE-SP, das escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), superior de Guerra (ESG) e da magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (ARG), San Martin de Porres (PER) e Vasili Goldis (ROM), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (ROM) e da PUC-PR e RS, e catedrático da Universidade do Minho (POR); presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio (SP); ex-presidente da Academia Paulista de Letras e do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo).

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A paciência acabou - Augusto Nunes

Os brasileiros começam a reagir à cassação dos direitos individuais

A Constituição informa que o Supremo Tribunal Federal deve cuidar apenas de questões constitucionais
Hoje, o STF decide qual time de futebol foi o campeão brasileiro em alguma temporada do século passado, se o presidente da República pode preencher cargos que sempre foram preenchidos pelo chefe de governo ou se parlamentares bandidos têm o direito de deixar em casa a tornozeleira eletrônica para participar de sessões do Congresso, fora o resto. 
 
Quem conhece o Timão da Toga não se surpreendeu ao saber que também o combate ao vírus chinês, que já sobrevoava em formação de esquadrilha numerosas regiões do país, fora anexado ao vastíssimo buquê de atribuições da corte cujo codinome em juridiquês ultracastiço é Pretório Excelso.  
No fim da tarde de 15 de abril do mais estranho dos anos, o STF resolveu que caberia aos governadores e prefeitos a montagem e a execução da estratégia da guerra, a definição do que seria fechado ou continuaria funcionando enquanto durasse a crise sanitária ou como deveriam comportar-se os governados.  
Ao governo federal restaria socorrer financeiramente Estados e municípios, arranjar dinheiro para sustentar os desvalidos, não se meter em assuntos alheios e rezar para que a economia sobrevivesse à paralisia.

Os ministros nem haviam guardado no armário a capa preta e os incumbidos de liderar a guerra contra o antagonista invisível já agiam com a prepotência de quem se acha munido de superpoderes. Com a arrogância de quem convivera desde criancinha com o inimigo que ninguém conhecia, governadores e prefeitos suprimiram o direito de ir e vir por tempo indeterminado, ordenaram que todo mundo ficasse em casa, fecharam todas as escolas, públicas e privadas, bloquearam acessos às cidades que administravam, interditaram estabelecimentos comerciais e indústrias. [lembravam no agir os tempos dos fiscais do Sarney, só que se intitulavam os fiscais dos supremos e fracassaram tal qual aqueles.] Avisaram que só deveriam usar máscara os profissionais de saúde (voltaram atrás quando a Organização Mundial da Saúde mudou de ideia e inaugurou uma nova palavra de ordem: use máscara), tornaram obrigatório o uso de luvas para impedir a disseminação do vírus que acampava em qualquer superfície. Em poucas horas, o autoritarismo epidêmico contaminou os escalões inferiores e se intensificou o confisco de direitos individuais indissociáveis do Estado Democrático de Direito.  

Amedrontados com um inimigo onipresente e invisível, aturdidos com o noticiário dos jornalistas de velório [estes e estas, que possuíam algum renome, se especializaram via mestrado em contagem de cadáveres,  ´foram discretamente lembrados que quando a pandemia cessasse a permanência deles, ou delas, na função de âncora dependeria da precisão na contagem dos falecidos e do quanto  compungida fosse a 'cerimônia' do encerramento do noticioso e suas fisionomias; houve até uma suprema decisão estabelecendo como deveria ser a contagem e apresentação pelo Ministério da Saúde, dos números dos defuntos de cada dia milhões de brasileiros demoraram quase nove meses para compreender que a preservação da liberdade não é menos importante que a defesa da vida, e que o combate à pandemia pode ser travado sem que a economia se submeta à falência epidêmica. Ficou evidente que a fome e o desemprego também matam. E então a paciência do povo chegou ao fim.

Em 13 de dezembro de 1968, ao justificar seu voto contrário à aprovação do Ato Institucional nº 5, o vice Pedro Aleixo explicou ao presidente Costa e Silva que não o atormentava o uso do duro instrumento político-jurídico pelo chefe do governo militar ou por seus ministros. “O problema é o guarda da esquina”, advertiu o jurista mineiro. Faltou um Pedro Aleixo na sessão do Supremo que transformou governantes e prefeitos em tiranetes de ópera-bufa. Os guardas municipais, primos dos guardas de esquina, entraram em ação no minuto seguinte. 

Em Araraquara, atiçados pela insolência do prefeito Edinho Silva (PT, naturalmente), quatro deles protagonizaram cenas de selvageria explícita no cumprimento da missão patriótica: prender uma mulher pelo crime de sentar-se no banco de uma praça deserta sem trajes de astronauta.  
Em Niterói, duas brasileiras foram capturadas quando caminhavam na orla. 
Em Maringá, o dono de um lava-jato desmaiou depois de imobilizado por guardas municipais com um golpe conhecido como “mata-leão”. Ao recuperar os sentidos, foi engaiolado por violar um decreto do prefeito Ulisses Maia (PSD). 
Em São Paulo, Henrique Fogaça, chef do restaurante Sal, foi impedido pela polícia de distribuir marmitas a moradores de rua. Tudo isso sob o silêncio da plateia nacional.
“Cuidado”, advertiu J. R. Guzzo, colunista de Oeste. “Não é certo que lhe devolvam depois tudo o que estão lhe tirando agora.” Passados nove meses, os alvos dos surtos de autoritarismo vão enfim percebendo que as coisas foram longe demais. Cada vez mais brasileiros agora sabem que o isolamento horizontal permitiu que o sistema hospitalar em escombros se equilibrasse sobre as pernas mirradas, e livrou de congestionamentos paralisantes a rede de UTIs. Mas não reduziu significativamente o número de infecções e mortes, não deteve o avanço da pandemia
As previsões catastróficas não se consumaram: os porta-vozes de necrotério tiveram de conformar-se com um total de óbitos muito menor que o milhão de vítimas imaginado por cientistas de manicômio como Atila Iamarino. Esvaziado o baú de profecias terroristas, cresceu a multidão de brasileiros convencidos de que a sensatez recomenda a combinação de cautelas preventivas com a retomada das atividades econômicas.

Também chegara a hora de encerrar a quarentena escolar mais rigorosa, extensa e absurda do mundo. Em São Paulo, não há aulas presenciais desde março. Até recentemente, o isolamento da geração covid era defendido a socos e cotoveladas por professores e funcionários do sistema educacional, e endossado pela imensa maioria dos pais de alunos. A primeira rachadura na muralha foi produzida por grupos de pediatras e psicólogos aflitos com os danos impostos à saúde física e mental de crianças e adolescentes. 

Os ventos viraram de vez com o surgimento do movimento Escolas Abertas, criado por mães inconformadas. Amparadas em 35 mil assinaturas, e em argumentos irrefutáveis divulgados nas redes sociais e em grupos de WhatsApp, as militantes acuaram a prefeitura de São Paulo com uma ação popular. Uma vitória em primeira instância obrigou a prefeitura e o governo do Estado a apresentar um relato oficial sobre o pouco que até agora fizeram e o muito que terão de fazer para que as escolas sejam reabertas em 1º de fevereiro. A mobilização dos pais também induziu o governador João Doria a alterar o plano de combate à pandemia, permitindo que as escolas permaneçam abertas mesmo que a curva desenhada pela pandemia oscile para cima. “Nenhum país permaneceu com as escolas fechadas durante tanto tempo”, registra a empresária Lana Romani, uma das fundadoras do Escolas Abertas. “Dezenas de estudos científicos mostram que manter as aulas presenciais não aumenta a contaminação pelo vírus e que a transmissão, tanto de criança para criança quanto de criança para adulto, é muito pequena. Estamos tirando de uma geração a chance de ter um futuro melhor.” 

Em território paulista, o governador só acredita no que lhe dizem os integrantes do Centro de Contingência, formado por sumidades de distintas tribos da ciência e da medicina. Aconselhado por eles, Doria encomendou a vacina chinesa, marcou para 25 de janeiro o início da imunização e, sem revelar os estudos que medem o grau de eficácia do que chama de vacina do Butantan, passou a acusar a Anvisa de fazer o diabo para retardar a invencível ofensiva contra a covid. Foi certamente esse conselho de sábios que recomendou a Doria o endurecimento da guerra contra a pandemia. Ignora-se se também o aconselharam a anunciar a má notícia só depois das eleições municipais. “Uma definição de loucura é continuar fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”, constata a frase atribuída a Albert Einstein. Sobram evidências de que o lockdown e as políticas de isolamento (mais ou menos severas) não ajudaram a salvar uma única vida. 

Um estudo do banco norte-americano J. P. Morgan divulgado em junho demonstrou que medidas drásticas não alteraram o curso da pandemia. “Embora costumemos ouvir que os lockdowns são guiados por modelos científicos e que existe uma relação exata entre o nível de atividade econômica e a propagação do vírus, isso não é amparado pelos dados”, afirmou o físico Marko Kolanovic, coordenador da pesquisa. “Em quase toda parte os números de infecção diminuíram após a reabertura econômica.” 
O Peru foi um dos primeiros países a adotar um radical lockdown.  
No momento, amarga a sétima posição entre as nações com mais mortes por milhão de habitantes. 
A Argentina também apostou no confinamento eterno e promoveu o mais longo lockdown do planeta. A estratégia desastrada garantiu-lhe, ao longo de outubro, a liderança no ranking das mortes por milhão.

Na contramão dos loucos por um lockdown, as autoridades japonesas abdicaram do confinamento horizontal e se dedicaram a convencer a população de que o essencial era evitar os “3Cs”. C é a inicial das três expressões do idioma japonês que, em português, significam espaços fechados, aglomerações e locais que dificultam o distanciamento. Ao percorrer o caminho do meio, a nação asiática, cuja população idosa é proporcionalmente a maior do mundo, transformou-se num caso exemplar de sucesso no controle da pandemia: 26 mortos por milhão de habitantes, de acordo com os dados registrados na terça-feira, 29. É um número extraordinariamente baixo se comparado às cifras da Bélgica (1.657), da Itália (1.190) ou da Espanha (1.066). 

Avesso a examinar com boa vontade opiniões que contrariem os especialistas de estimação, Doria avançou com determinação pelo caminho que leva ao penhasco. Dias depois de qualificar de fake news a informação correta — a quarentena para todos seria ressuscitada assim que terminasse a apuração do segundo turno —, Doria anunciou o retorno à fase vermelha de todos os municípios e comunicou que os brasileiros de São Paulo deveriam ficar em casa nos feriados do Natal e do Ano-Novo.

O descontentamento causado pela volta dessa espécie de prisão domiciliar tornou-se um pote até aqui de cólera com uma das mais curtas, mais desastradas e mais inoportunas viagens internacionais planejadas por um político. Como revelou Oeste com exclusividade, no dia seguinte ao do decreto que intensificou o confinamento o governador mandou os três filhos para Trancoso, no litoral da Bahia, e embarcou para Miami com a mulher, Bia. Pretendia ficar dez dias por lá. Voltou horas depois do desembarque, tangido pela tempestade de críticas que varreu as redes sociais. O pretexto para o regresso indesejado foi o providencial ataque de um pelotão de coronavírus ao vice Rodrigo Garcia. Num vídeo gravado já no Palácio dos Bandeirantes, Doria pediu desculpas pelo erro. Mas o estrago estava feito. A viagem que não houve favoreceu a mobilização de prefeitos que, pressionados por comerciantes e empresários locais, resolveram ignorar ostensivamente as ordens do rei nu.

Cerca de 20 governantes municipais, vários deles filiados ao PSDB, mantiveram o comércio aberto entre 25 e 27 de dezembro. E prometem reprisar o desafio de 1º a 3 de janeiro de 2021. “Nesse período, temos o maior fluxo de turistas”, justificou Alexandre Barbosa, prefeito de Santos. “E discordamos da forma como a medida foi implementada.” Prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto avalizou a discordância: “Temos uma condição diferenciada e a cidade está protegida”, afirmou. “Todas as vezes que o governo anunciou que iria mudar de fase e criar restrições aos comerciantes e empresários nós seguramos a onda.” Durante uma entrevista ao programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan, Everton Sodario, prefeito de Mirandópolis, foi taxativo: “A população precisa e quer trabalhar”.

João Doria não foi o único a descobrir que os governados chegaram ao ponto de exaustão. Em 26 de dezembro, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PDS), decretou o fechamento do comércio, que passaria a atender apenas por meio de delivery ou drive-thru. Na manhã daquele dia, manifestantes ocuparam as principais avenidas da capital, gritando a palavra de ordem: “Queremos trabalhar!”. “Não é justo que em plena festa de fim de ano o governador aplique um golpe desses nos comerciantes e varejistas do Centro e de toda Manaus”, resumiu Givanildo Marcos Maia, presidente da Associação dos Trabalhadores de Comércio. Wilson Lima recuou no dia seguinte. 

Sobrou até para autoridades do Judiciário. Há duas semanas, o juiz Raphael Campos, da 2ª Vara de Búzios, resolveu impor um lockdown ao município no litoral fluminense. Determinou o fechamento de estabelecimentos comerciais, limitou o acesso às praias e exigiu que todos os turistas dessem o fora em 72 horas. Imediatamente, a população foi às ruas exigir a revogação do surto autoritário, que acabou suspenso por Claudio de Mello Tavares, presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O deputado Ibsen Pinheiro, que presidiu a Câmara durante a tramitação do impeachment de Fernando Collor, vivia avisando que “o Congresso sempre faz o que o povo quer, e nenhum político ousa contrariar o que o povo claramente exige”. 
 
Silenciados durante meses pela ofensiva conjunta de governadores autoritários, prefeitos insolentes e doutores arrogantes, os brasileiros vão recuperando a voz e a vez. Já não aceitam decretos imperiais; querem ouvir argumentos e ser persuadidos. Já não admitem a supressão unilateral de direitos constitucionais irrevogáveis. Perderam a paciência com donos da verdade. E vão aprendendo que todo país será o que os seus habitantes quiserem que seja.
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

Colaboraram Artur Piva, Branca Nunes, Cristyan Costa e Paula Leal

 


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Gilmar Mendes está treinando para ser o pior decano da história do Supremo

Autópsia de uma chicana

No recesso do lar, Gilmar Mendes usa linguagem de gente, diz frases inteligíveis e até encurta palavras. Sua mulher, Guiomar Feitosa, por exemplo, virou simplesmente Guio. Em retribuição, ela passou a chamá-lo de Gil. Além de economizarem duas consoantes e uma vogal, os apelidos têm um som mais carinhoso. Também os trajes caseiros são singelos. O Gilmar doméstico gosta da linha bermudão, camisa de mangas curtas, meias soquete e par de tênis novinho em folha. É esse o combo popularizado pelas fotos que o mostram zanzando por Lisboa, sempre perseguido por algum turista brasileiro com um celular na mão e um cacho de insultos na ponta da língua.

As coisas mudam quando está em ação o ministro do Supremo Tribunal Federal. Terno escuro e gravatas sombrias, óculos de primeiro da classe no grupo escolar, os instintos mais primitivos traduzidos nas caras e bocas desenhadas pelos lábios possantes, o centroavante rompedor do Timão da Toga faz bonito com seu repertório de jogadas repulsivas. Carrinhos por trás, gols de mão, cotoveladas no nariz do adversário, cravos da chuteira pisoteando braços de goleiro, pontapés no tornozelo — é vasto o repertório de lances abjetos assimilados pelo bacharel em Direito nascido em Mato Grosso que ganhou do presidente Fernando Henrique Cardoso uma vaga no STF. Foi a recompensa pelos serviços prestados aos chefes e amigos no comando da Advocacia-Geral da União.

A toga que o cobre adverte: sai Gil e entra no Pretório Excelso o Eminente Ministro Gilmar Mendes, o Maritaca de Diamantino, o Gerente-Geral da Fábrica de Habeas Corpus para Culpados, o Morubixaba da Segunda Turma, o Juiz dos Juízes, o Doutor em Tudo. Muda o dialeto. Nos votos, troca “proibição” por “vedação”, “caminho” por “senda”, “proteger” por “albergar”. Nada acontece contra alguém, mas “em desfavor de”. Nenhum assunto é discutido: está “em comento”. Ao latinório e ao juridiquês castiço, Gilmar adiciona citações de juristas alemães e trechos em inglês sem tradução.  
No fim do texto impenetrável, o superministro condensa o espetáculo da arrogância em três palavras: “É como voto”.

Essa é a última linha do inverossímil palavrório em que Gilmar Mendes tentou provar que é inconstitucional o trecho da Constituição que proíbe a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. As 64 páginas caberiam na seguinte frase: “Para que não haja perigo de melhorar, vamos manter onde estão o Rodrigo Maia e o Davi Alcolumbre”. Ao optar por um calhamaço que funde todos os truques, trejeitos e trapaças que marcam seu estilo, Gilmar ministrou uma aula magna de tapeação. E produziu um documento que merece figurar como fecho glorioso de uma História Universal da Chicana.

Segundo Gilmar, todos os regimes e épocas provam que não há democracia sem reeleição no Legislativo

Chicana, explicam os dicionários, é um substantivo feminino que significa “processo artificioso, abuso de recursos e formalidades em questões judiciais; querela de má-fé, cavilação; ardil, sofisma”.  
O voto de Gilmar é tudo isso — e mais um pouco. 
O objetivo era jogar no lixo o parágrafo do artigo 54 que fixa em dois anos o mandato dos membros das mesas do Congresso, “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Para deixar claro que não é bem assim, o ministro da defesa de bandidos faz uma viagem no tempo e no espaço que tem vaga assegurada na mais exigente Antologia das Discurseiras de Porta de Cadeia.
O voo do Maritaca de Diamantino começa pelo Parlamento britânico, faz uma escala nos Estados Unidos, avança para a Espanha renascida das cinzas da ditadura de Francisco Franco, recua para os tempos do imperador Pedro II, sobrevoa a República Velha, ameaça pousar no Brasil dos anos 50, arremete ao topar com a ditadura militar instaurada em 1964 e acaba reduzido a destroços pela colisão com os fatos. Segundo Gilmar, todos os regimes e épocas provam que não há democracia sem reeleição no Legislativo. E por que não no Brasil? 
Porque a Constituição de 1988 incorporou um entulho autoritário legado pelos generais-presidentes, mais especificamente por Artur da Costa e Silva. Foi o pai do Ato Institucional nº 5 quem resolveu livrar-se de parlamentares que, na chefia das casas do Congresso, viviam colocando pedras no caminho dos liberticidas. Gilmar louva sobretudo dois heróis da resistência: o senador paulista Auro de Moura Andrade e o deputado mineiro José Bonifácio Lafayette de Andrada.

Haja safadeza. Quem conhece a História aprendeu que foi Auro quem, em 2 de abril de 1964, declarou vaga a Presidência da República porque João Goulart deixara o país sem autorização do Legislativo. Até o gramado da Praça dos Três Poderes sabia que João Goulart estava em Porto Alegre. O descendente de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, era o presidente da Câmara em 13 de dezembro de 1968, a sexta-feira em que foi decretado o AI-5. [felizmente, tanto em 64 quanto em 68, havia um senador da República e um deputado federal para participar,um declarando vago o cargo mais importante da República e outro presidindo a Câmara dos Deputados.Nas duas ocasiões a existência dos ilustres citados melhorou o Brasil, possibilitando seu reerguimento, apesar de agora insistirem em soterrar nossa Pátria Amada.]  

Zezinho Bonifácio apareceu no plenário para avisar que o Congresso entraria em recesso por tempo indeterminado. Irritado com a tranquilidade do presidente, o deputado Celso Passos, do MDB mineiro, berrou o desafio: “Seja mais Andrada e menos Zezinho”. O desafiado preferiu a segunda opção: olhou na direção de Passos, fechou o punho direito, cruzou os braços e revidou com uma “banana”.

Entre uma mentira e um soco na verdade, Gilmar infiltra citações dos atuais ministros do Supremo que nada têm a ver com o caso da reeleição. Todos menos Marco Aurélio Mello. A exceção faz sentido. Marco Aurélio é o atual decano. E Gilmar herdará o posto em julho de 2021, com a aposentadoria do ministro indicado pelo primo Fernando Collor. Aos olhos do Maritaca de Diamantino, Marco Aurélio é um interino que exerce imerecidamente as funções do Pavão de Tatuí. A autópsia da chicana disfarçada de voto informa que Gilmar Mendes já está treinando para entrar na história como o pior decano de todos os tempos.

Sobre o fim da comédia da reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, leia também a reportagem “Por que a Câmara é tão ruim”

Augusto Nunes, jornalista - Coluna na Revista Oeste 

 

sexta-feira, 31 de julho de 2020

ENFIM, A CONFISSÃO - Percival Puggina

 “Todo órgão de imprensa tem censura interna. Em que sentido? O seu acionista ou o seu editor, se ele verifica ali uma matéria que ele acha que não deve ir ao ar porque ela não é correta, ela não está devidamente checada, ele diz: ‘Não vai ao ar’. Aí o jornalista dele diz: ‘Mas eu tenho a liberdade de expressão de colocar isso ao ar?’. Entendeu? Não é à toa que todas as empresas de comunicação têm códigos de ética, códigos de conduta, de compromisso. Nós, enquanto Judiciário, enquanto Suprema Corte, somos editores de um país inteiro, de uma nação inteira, de um povo inteiro”. (Ministro Dias Toffoli, em vídeo conferência promovida pelo site Poder 360 e pelo Observatório de Liberdade de Imprensa do Conselho Federal da OAB

Nos três dias que se seguiram a essa mal costurada fala do ministro, procurei no Google matérias a respeito que tivessem sido publicadas em grandes meios de comunicação. Praticamente nada! O presidente da Suprema Corte de um país que se declara Estado democrático de direito, afirma serem, cada um e todos os seus 11 ministros, “editores de um povo inteiro”, e o dito passa batido? Nenhum nos grandes jornais exclamou um “Epa!” sequer?

Chamou-me a atenção matéria do site Conexão Política, com o título “Toffoli diz que STF atua como editor da sociedade e recebe críticas da Internet”. Sim, é fato. Essencialmente na Internet, nas redes sociais tão antagonizadas pelos veículos da mídia militante, verdadeira multidão de brasileiros registrou seu estupor perante a presunção do ministro ao formular tal disparate em presença de tantas testemunhas.

Não fiquei surpreso. Reiteradas vezes tenho expressado, ao conhecer certas decisões de nosso Supremo e ao presenciar certos votos de alguns senhores ministros, minha percepção de que pretendem ser, ou agem como se fossem, reitores da sociedade, pedagogos da nação. Essa tendência se revela exatamente nos momentos em que as percepções, as concepções e as visões de mundo dos membros do pretório excelso transbordam além das gélidas linhas dos votos lidos. 
Houve quem julgasse exagerada minha observação. Agora não resta dúvida: o ministro presidente faz uso de outra palavra para definir a mesma ousada tarefa. Para ele, os membros da Corte não são reitores nem pedagogos da sociedade. São editores. E o são com agrado geral da Corte porque não apareceu um só para dizer diferente.

A orientação “editorial” do STF está em consonância ou fornece regência à linha dos grandes veículos da mídia militante e a ela não escandalizou. Sabe por quê? Porque esta só receia o fantasma da censura da direita; censura da esquerda, real e evidente, é feita dentro de casa mesmo, ora essa. Daí o silêncio ante a analogia formulada pelo ministro. Note-se que para não deixar dúvida sobre o sentido dessa simetria, o ministro falou que tais jornalistas editores, cada um no seu quadrado, atuam como censores do trabalho dos colegas.
O “inquérito do fim do mundo”, dito inquérito das fake news, o eterno compadrio com o Senado Federal, a fala do ministro e a indulgência plenária concedida pela mídia militante são sinais de uma rejeição ao resultado das urnas de 2018. Ele afetou o juízo de muita gente. [vocês que rejeitam a decisão das urnas em 2018, não se desgastem fisicamente; vão precisar de muita saúde para engolirem nova decisão,em 2022, concedendo mais quatro anos ao presidente Bolsonaro para ele governar de verdade, fazendo o que a pandemia e manobras outras não permitiram que  ele realizasse, na plenitude, no mandato em curso.] 

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 30 de maio de 2020

O STF “fake news”, vítima, acusador e juiz - Sérgio Alves de Oliveira

Os restos mortais de Ruy Barbosa devem estar se contorcendo na tumba desde o  momento em que o “Pretório Excelso” passou de todos os seus  limites  jurisdicionais, deixando a célebre  frase do jurista  “ A PIOR DITADURA É A DO PODER JUDICIÁRIO,PORQUE CONTRA ELA NÃO HÁ MAIS A QUEM RECORRER”, completamente subavaliada, defasada, desatualizada, mesmo um brinquedo de criança  ,perto dos criminosos ataques, em nome de uma pretensa “Justiça”, que o Supremo Tribunal Federal está desferindo contra a sociedade civil, só escapando desses ataques,”por enquanto”, os militares !!!

Mais que nunca, tentando trazer alguma luz a essa discussão, devemos recorrer ao filósofo Aristóteles,da Antiga Grécia, que  em “Política”  classificou as formas de governos em duas grandes vertentes: as formas PURAS ,e as formas IMPURAS. Dentre as formas PURAS,estariam a MONARQUIA (governo de um só ); a ARISTOCRACIA (governo dos melhores); e a DEMOCRACIA (governo do povo). E nas formas IMPURAS de governo, que seriam, respectivamente, formas degeneradas das formas puras, estariam a TIRANIA (poderes executivo,legislativo e judiciário,concentrados nas mão de um TIRANO); a OLIGARQUIA (colegiado delinquente  substituindo a Aristocracia); e finalmente a DEMAGOGIA ( a democracia corrompida nos seus valores); que mais tarde Políbio, geógrafo e historiador também da Antiga Grécia,  substituiu por OCLOCRACIA, ”ampliando” os vícios da democracia enxergados por Aristóteles (restritos à demagogia), ficando, por isso mesmo, uma classificação mais completa e abrangente.

O tal de “inquérito”, determinado pelo Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, atribuindo ao Ministro Alexandre de Moraes a sua execução, a fim de apurar “fake news” e ataques ao Supremo Tribunal Federal, começou com investidas contra os órgão de comunicação virtual “O Antagonista” “Crusoé”, e na corrente semana contra outras 29 pessoas, entre parlamentares, blogueiros,e empresários,dentre outros,sem dúvida, por um lado, constitui  ato de pura “tirania”, não só por reunir num só Poder todas as  competências atribuídas constitucionalmente a cada um dos  Três Poderes, mas também, e principalmente, no caso, por  corromper ou subtrair totalmente as competências internas  da Justiça e dos seus órgãos relacionados e “operadores do direito”, fazendo com que ela se tornasse, concomitantemente,  ”vítima” de pretenso ato delituoso, ”órgão acusador”, ou seja, um concorrente “desleal” do Ministério Público, e “juiz”. Tudo ao mesmo tempo. Em suma: é  a  própria “vítima” acusando e julgando.

Deixo ao livre arbítrio de Vossas Excelências, se for o caso, o  eventual enquadramento desse inquérito “infinito” do Supremo como ato típico de alguma das formas de governo preconizadas na Antiguidade por Aristóteles e Políbio.                                                                                                                                              
Seria esse tal “inquérito” ato típico de “Monarquia”? 
De “Aristocracia”?
De “Democracia”? De “Tirania”? De “Oligarquia”? De “Demagogia”? ou de “Oclocracia”?

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo



domingo, 2 de junho de 2019

Ou STF segura Toffoli ou Toffoli carboniza STF



Com a supremacia já bastante combalida, o Supremo Tribunal Federal sofre um ataque inusitado. O ministro Dias Toffoli decidiu transformar sua autocombustão num processo de carbonização de toda a Corte. O cérebro de um magistrado começa a funcionar no instante em que ele nasce. E não para até que o dono da toga se mete em conchavos políticos. O presidente do Supremo virou arroz de festa nos salões do Poder Executivo. Nesta quinta-feira, Toffoli participou de café da manhã oferecido por Jair Bolsonaro à bancada feminina do Congresso. Ao discursar, o capitão sentiu-se à vontade para dizer o seguinte: "É muito bom nós termos aqui a Justiça ao nosso lado, ao lado do que é certo, ao lado do que é razoável e ao lado do que é bom para o nosso Brasil."...

Mesmo quem não entende de política é capaz de compreender os lances da politicagem. No início da semana, noutro café da manhã, Toffoli comprometera-se com os termos de um pacto a ser celebrado entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No embrulho do pacto há temas que podem resultar em demandas judiciais com potencial para escalar a pauta do Supremo —reformas previdenciária e tributária, por exemplo.  Ao dizer que a Justiça está "ao nosso lado", Bolsonaro utiliza Tofolli (9% da composição do Supremo) para desmoralizar os outros dez ministros (91% da Corte). 

É como se o chefe do Executivo enxergasse no Pretório Excelso, do outro lado da Praça dos Três Poderes, um  puxadinho do Palácio do Planalto. Uma instância da qual o governo espera ouvir apenas "amém", pois a Bic do capitão só assina "o que é bom para o nosso Brasil."

Nesse enredo, não parece haver espaço para meio-termo. Ou o Supremo Tribunal Federal segura Dias Toffoli ou Dias Toffoli transforma em carvão o que restou do Supremo

 
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