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domingo, 15 de março de 2020

SOBRE ÉTICA LULA LEU ARISTÓTELES EM GREGO, DE CABEÇA PARA BAIXO - Percival Puggina

É chocante para a população de um país que convive com tantas dificuldades postas interna e externamente à ascensão social e econômica de seus cidadãos, ver tantos gastos com prerrogativas e privilégios concedidos a uma parcela de sua elite política. Raros serão os usufrutuários que tenham, de algum modo, contribuído para agregar à renda nacional o valor necessário para sustentá-los em jatinhos, helicópteros, voos em primeira classe e luxuosas hospedagens. Em outras palavras: só podem dispor disso se por nossa conta.

Em 22 de julho de 2005, discursando a petroleiros (1), o ex-presidente Lula disse: "Neste país de 180 milhões de brasileiros, pode ter igual, mas não tem nem mulher nem homem que tenha coragem de me dar lição de ética, de moral e de honestidade". Esse depoimento do ex-presidente me voltou à cabeça quando fiquei sabendo de sua nova agenda europeia na qual receberia homenagem em Paris e iria à Suíça para reunião com o Conselho Mundial de Igrejas e dali a Berlim para um ato em favor da democracia. Sempre à nossa custa, claro, falando bem de si mesmo e mentindo sobre o Brasil e sobre sua situação perante a justiça brasileira. Acompanhado de quatro assessores, também pagos por nós.

Não sei se existe algum brasileiro disposto a topar o desafio e discutir ética com Lula. Afinal, o ex-presidente, a despeito de todos os processos que contra ele rolam no judiciário nacional, já deixou bem claro em ocasiões anteriores a frouxidão de seus conceitos sobre ética. Divagando sobre eles, Lula se imagina cravando picaretas, cunhas e cordas nas escarpas da vida até o cume da moralidade nacional... É possível que o leitor destas linhas não conheça, ou não lembre mais dos conceitos do ex-presidente sobre si mesmo a esse respeito. Parece que o líder petista leu Ética a Nicômaco, de Aristóteles, em grego e de cabeça para baixo:
“Sou filho de pai e mãe analfabetos, minha mãe não era capaz de fazer o "o" com um copo. E o único legado que deixaram, não apenas para mim, mas para a família, era que andar de cabeça erguida é a coisa mais importante que pode acontecer com um homem e uma mulher. Conquistei o direito de andar de cabeça erguida nesse país e não vai ser a elite brasileira que vai ‘fazer eu’ baixar minha cabeça".

Pronto! Eis aí, entre erros gramaticais, o certificado de garantia da própria idoneidade que nos fornece o esclarecido ex-chefe de Estado. A mãe não sabia fazer o "o" com um copo e, junto com o marido, o ensinou a andar de cabeça erguida.
É altamente improvável que os leitores destas linhas tenham recebido tais lições de seus pais. Analfabetos ou não, em português correto ou não, possivelmente lhes terão passado preceitos assim: 
a) deves buscar o bem e evitar o mal; 
b) não faz aos outros o que não gostarias que te fosse feito; 
c) exerce tua liberdade com responsabilidade; 
d) não justifica teus erros com os erros alheios; 
 e) diz sempre a verdade; f) evita as más companhias. Correto?
Se você, leitor, checar essa lista, enquadrará o ex-presidente como infrator de todos esses princípios. Mas isso não o impede de jactar-se mundo afora. Realmente não dá para discutir ética com esse homem imaculado, que já se proclamou sem pecados, santificado por um fio de prumo. Talvez seja por essa empinação toda, de tanto olhar para cima, que seu governo, levando o país junto, se tenha estatelado no chão da moralidade.

* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sábado, 21 de dezembro de 2019

Até que enfim: Brexit aprovado e Boris Johnson consagrado - VEJA - Mundialista


Por Vilma Gryzinski

Pelo menos até o Natal, com muita boa vontade até o Ano Novo, a vida sorri a quem deu duro para selar o divórcio; depois, vem o choque de realidade


Boris Johnson merece seu momento de glória, Jeremy Corbyn merece ser tripudiado, a rainha Elizabeth merece um descanso – ainda mais agora, com o marido hospitalizado.  Com o espírito de boa vontade que cerca o período natalino – sem contar o recesso geral –, o primeiro-ministro que conseguiu o aparentemente impossível terá um respiro.

Bem curto. Fazer o Parlamento aprovar o acordo de separação com a União Europeia, mesmo com dificuldades internas que pareciam insuperáveis, vai acabar parecendo a parte fácil, com o passar do tempo. E o tempo vai passar muito depressa. Romper as infinitas florestas de regulamentos, empreendimentos comuns e entendimentos comerciais que uniam a Grã-Bretanha à União Europeia é algo que nunca foi feito antes na história. Nem o mais ardente partidário do Brexit pode achar que vai ser fácil.  Aos primeiros resultados negativos – que, inevitavelmente, existirão – e muito antes que os resultados positivos comecem aparecer, as animosidades voltarão a aflorar.

É por isso que ele já se antecipou e prometeu um “Governo do Povo”, no discurso, uma retribuição aos eleitores que abandonaram em massa o Partido Trabalhista e votaram nos conservadores, dando ao partido de Boris a acachapante maioria de 80 parlamentares que destrancou o Brexit. Na prática, significa fazer o que o povo gosta de ver o governo fazer: gastar e gastar mais um pouco, preventivamente, para contrabalançar potenciais impactos do Brexit. Na compreensível embriaguez das vitórias sucessivas, e nada, nada fáceis, o círculo mais ligado ao primeiro-ministro já está falando numa era de dez anos com o conservadorismo renovado no poder.
Aí, evidentemente, mora um dos muitos perigos.

Boris Johnson costumava dizer, antes de virar um conservador populista, que era capaz de recitar, de cor, os cem primeiros versos da Ilíada, em grego, claro para isso servem os estudos clássicos em Oxford.  Conhece, portanto, perfeitamente, o significado profundo de hubris, a palavra grega que mistura o excesso de confiança dos vitoriosos com a arrogância, sempre resultando em tragédia.
Quando Theresa May foi eleita primeira-ministra pelo Partido Conservador e prometeu que ia fazer o Brexit exatamente como o povo havia votado no referendo, convenceu muita gente. Sua popularidade disparou.
Parecia competente, equilibrada, durona, capaz. Na realidade, não foi nada disso, talvez pela dificuldade interna em fazer algo em que não acreditava.

Existe, portanto, um exemplo muito próximo de como popularidade e ventos a favor podem durar pouco, pouquíssimo, em política.
A vitória eleitoral de Boris Johnson reverberou muito além da Grã-Bretanha por colocar em choque dois adversários representativos dos tempos atuais.
Jeremy Corbyn é exatamente o que a esquerda de manual, renascida em Marx, depois da fase de se aproximar do centro e abraçar o racionalismo econômico, hoje deseja.
Só esqueceu de combinar com os eleitores tradicionais do Partido Trabalhista, especialmente os fartos da enrolação do Brexit e com o orgulho nacional ferido pelos desaforos da União Europeia.

Falar em orgulho nacional no bioma esquerdista convencional, obviamente, é tabu. E vale, logo de cara, um “fascista”.
Deu no que deu.
Com cara de ódio mal disfarçado, Jeremy Corbyn ainda se deu ao desfrute de não renunciar imediatamente e acompanhar todos os rituais parlamentares dos últimos dias.
Para piorar, sua falange mais próxima deu de culpados os próprios eleitores – burros, ignorantes, onde foi mesmo que já ouvimos isso – pelo fracasso da liderança do partido.

Ter um trabalhismo enfraquecido apenas amenizará, inicialmente, as dificuldades de Boris, um típico integrante das castas privilegiadas que ainda bebe nas raízes profundas do conservadorismo inglês, mas é antenado com as elites em matéria de comportamento. E ainda tem uma namorada 24 anos mais jovem, a primeira companheira não casada a morar em Downing Street.  Agora, ele vai ter que mostrar serviço em áreas quase conflitantes: comandar o Brexit (e levar a culpa por tudo que não der certo); ser um conservador preocupado com o povão (ou que pareça como tal); aplacar as elites da bolha, os inconformados com o divórcio europeu; reinventar o potencial comercial independente do Reino Unido.
E mantê-lo unido – os independentistas da Escócia saíram reforçados da eleição e os anti-unionistas da Irlanda do Norte também estão loucos para aproveitar a brecha do Brexit.

Ser conseguir, ainda que em parte, terá alguns anos em Downing Street – quantos, é impossível dizer.
E talvez seu discurso cheio de otimismo que a rainha leu no Parlamento tenha sido um dos últimos, ou até o último, do longo reinado de Elizabeth II.
Pelo menos, um final digno.
Já pensaram se a rainha tivesse que ser um discurso preparado pela ala marxista-corbinista?

Blog Mundialista - VEJA - Vilma Gryzinski

domingo, 29 de setembro de 2019

Um banho de decência - Gaudêncio Torquato

Blog do Noblat

Choque de gestão 



O brasileiro está insatisfeito com os serviços públicos. Segurança? Um desastre – tanta morte por bala perdida, como no Rio. Educação? Piada. Weintraub, aliás, gosta de chiste. Mobilidade urbana? Um atraso – as massas se comprimem nos transportes públicos. Saúde? Um caos nos corredores de hospitais superlotados.

 Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Governo do Brasil/Divulgação)

Difícil apontar algo de boa qualidade. O país precisa de um gigantesco choque de gestão. Governadores, prefeitos, a hora é essa: ponham sua administração na UTI. 
 [o governador do DF tentou inovar e se deu mal;
quando assumiu julgava que a culpa do mau atendimento hospitalar era da direção dos hospitais e unidades de saúde e assim, a cada denúncia da imprensa de uma morte na porta dos hospitais, ele demitir o diretor da unidade de saúde onde ocorreu o óbito.

Só no Hospital de Ceilândia, ele efetuou demissão de vários diretores. Resultado: ficou sem ter quem quisesse assumir o cargo.
Só assim, ele descobriu - em uma crise de excesso de inteligência para entender o óbvio - que o mau atendimento nem sempre é culpa da direção ou mesmo dos funcionários e sim da falta de medicamentos, de funcionários, de médicos, enfermeiros e técnicos, da falta de estrutura.

Só que o atendimento de SAÚDE PÚBLICA no DF continua um CAOS CAÓTICO.

E o governador tenta mascarar, enquanto nos jornais locais das emissoras de TV do DF são mostrados casos de mau atendimento nos hospitais públicos, nos intervalos dos noticiários são apresentadas peças publicitárias elogiando o 'excelente' atendimento prestado pela SAÚDE PÚBLICA do DF.

Usa nosso dinheiro mau, inclusive desperdiçando o que poderia ser usado para melhorar a saúde, na divulgação de mentiras.] 
Convoquem secretários, cobrem mudanças, deem carta branca para novos métodos, exijam resultados. O eleitor está de olho: ou reelege ou bota para fora. 

Sigam o exemplo de Zaratustra, o protagonista que Nietzsche criou para dar unidade moral ao cosmo. O profeta vivia angustiado à procura de novos caminhos e recitava em seus solilóquios: “Não quer mais, o meu espírito, caminhar com solas gastas.” Decifrador de enigmas, arrumou a receita para as grandes aflições“Juntar e compor em uni­dade o que é fragmento, redimir os passados e transformar o que foi naquilo que poderá vir a ser”.

A imagem do filósofo alemão, na fábula em que apresenta o conceito do eterno retorno, cai bem na atual administração pública.  A orquestra institucional pede novos arranjos para preparar o amanhã, resgatar a esperança perdida. É a bandeira a ser desfraldada, pois a sociedade recusa a velha política. A tarefa requer arrojo para enfrentar dissabores e pressões políticas. Muitos não queimam gorduras, preferem remendar cacos de vaso quebrado. O velho Brasil não consegue enxergar novos horizontes.

O que pode mudar, ser desobstruído ou melhorado? Se Vossas Excelências fecharem os olhos, a descrença só aumentará.
O fato é que os Poderes da República têm um apreciável PIB de compadrio político sob o cobertor público e resvalando no Custo-Brasil. As políticas, inclusive as sa­lariais, são disformes e ineficientes.  

A gestão de resultados é um resquício quase imperceptível nas plani­lhas de um Estado caro e paquidérmico. Junte-se à pasmaceira o colchão social do distributivismo para se flagrar a cara de um País atrasado. A administração pública parece uma árvore sem frutos.  A sociedade exige uma virada de mesa. O cardápio está pronto: viagens de servidores, participação de empresas estatais em eventos, gastos publicitários, cartões corporativos, nepotismo. Todo centavo gasto em grandes avenidas e pequenas veredas merece uma varre­dura.

A palavra de ordem do momento: transparência total.
Parafraseando Luiz Inácio, “nunca antes na história desse País” se percebeu tanta irritação com políticos e governantes. Se é falácia dizer que a Amazônia é o pulmão do mundo, como denunciou Jair Bolsonaro na ONU, é também falácia dizer que as instituições estão sólidas. Ora, as tensões entre os Poderes subiram ao pico da montanha.

Senhores governantes, tenham coragem para ousar. Cirurgia profun­da na gestão pública. Sob pena de a esfera privada (oikos, em grego) continuar a invadir a esfera pública (koinon). Não permitam que a fome particular conti­nue a devorar o cardápio do povo.

Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político. 

Blog do Noblat - VEJA










domingo, 25 de agosto de 2019

Outros enganos sobre a Amazônia - Veja

Blog do Augusto Nunes

A historinha ensina a passar qualquer notícia recebida por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da utilidade




O Amazonas, o rio, e a Amazônia, a região, têm sido assim chamados pela presença de mulheres guerreiras vistas a cavalo, que queimavam ou cortavam o seio direito com o fim de melhor manejar o arco e a flecha. Esta versão lendária, vinda do Grego, passou pelo Latim e chegou a várias línguas, incluindo o Português, mas sua penúltima escala foi o Espanhol. O militar e explorador Francisco de Orellana, o descobridor do maior rio do mundo, disse ter enfrentado na expedição tribos guerreiras femininas semelhantes às lendárias mulheres da Capadócia, na atual Turquia.
Foi uma das primeiras fake news da América, pois que baseada em outra, ainda mais antiga, o que lhe aumenta a aura de suposta verdade, vindo a tornar-se, pois, histórica. As inexistentes mulheres guerreiras sem o seio direito tiveram origem na semelhança entre  a palavra iraniana ha-mazan, cavaleiros, e a palavra grega amázon, sem o seio, modificação de mázos, seio, antecedido do “a”, indicando negação.

Talvez tenha contribuído para o engano de Orellana – ele não fez a confusão de propósito – ter enfrentado guerreiros índios nus e de cabelos longos, e confundido seus mamilos escuros com seios queimados das mulheres lendárias das quais ouvira falar nas cortes ou nas viagens. Ele teve cargos importantes, foi vice-governador de Guayaquil, no Equador, devia pegar de ouvido muitas histórias e lendas e não teve tempo de ruminá-las direito, pois morreu aos 35 anos. 

Em resumo, se não existia pecado do lado de baixo do Equador, por que mentir seria um deles? Orellana não mentiu, assim como não mente quem repete esta e outras lendas sobre a Amazônia, dando-lhes foros de verdade, agora não mais histórica, mas estatística. Para mentir e enganar bobos, a ferramenta mais usada até então eram números e porcentagens. Agora são fotos falsas.  O contexto das novas lendas sobre a Amazônia tem, porém,  um outro viés. A maioria dos brasileiros lia e escrevia pouco, mas ouvia e falava muito. Esta situação mudou com a chegada das redes sociais. De repente, o brasileiro passou a escrever o que antes falava, usando para expressar-se um misto de fala e de escrita, que na verdade é uma terceira língua: não é a língua comum falada nestas terras, mas também não é a norma culta da modalidade escrita até então lida em jornais e revistas, utilizada por quem escrevia nestes veículos e a aprendera nos bancos escolares lendo sobretudo os clássicos do idioma.  

Esses poucos ainda escrevem, mas já são minoria nas redações, inesperadamente tomada por profissionais quase ágrafos, entretanto portadores de diploma de curso superior. O que predomina, então, nas postagens parece ter vindo dos meios de comunicação social, sobretudo da televisão. e a modalidade da língua interessasse apenas pela forma, os problemas seriam diminutos. Um erro de ortografia ali, outro acolá, uma regência indevida mais adiante, nada disso impediria o entendimento, mas o que ocorre é outra coisa. Não se diz mais coisa com coisa, deu a louca no português do Brasil. O caos é rapidamente instalado pelo desconhecimento dos assuntos e dos modos corretos de sobre eles dissertar por escrito.

Mas o que mudou na fala e na escrita do brasileiro com acesso às redes sociais? Até recentemente o assunto predominante era o futebol. De repente a política tornou-se um grande tema nas redes sociais, talvez o principal, e definiu as últimas eleições presidenciais em favor de quem soube usá-las melhor.  Diante da verborragia, mais impressionante ainda nos incautos, sobretudo quando ilustrada por conceitos e números malucos, não é de bom tom mandar calar a boca, como o rei da Espanha fez com Hugo Chávez há cerca de doze anos, tornando instantaneamente famosa mundo afora a frase  Por que no te callas?”.
Por ter sido proferida originalmente em espanhol, língua mais franca do que o português,  virou bordão no mundo lusófono e alistou ao lado de Chávez uma legião brasileira para apoiá-lo. Afinal, quem o rei pensava que era para ofender assim outro estadista?

Mas, se não se deve mandar ninguém calar a boca, não se deve também acreditar em tudo o que os outros dizem. É preciso usar as três peneiras, um conselho atribuído ora ao chinês Confúcio, que viveu entre os Séculos VI e V a.C., ora ao grego Sócrates, no Século IV a.C. A historinha ensina a passar qualquer notícia recebida por três peneiras: a da verdade, a da bondade e a da utilidade. E só divulgá-la depois disso. É verdade o que informaram? A divulgação foi feita por com boas intenções? É útil divulgar o que se soube?

Também os antigos romanos se preocuparam com o que era tornado público e resumiram suas inquietações em dois provérbios invocados com frequência no mundo jurídico: cui prodest? (a quem interessa?) e cui bono? (para quem é bom?).

Não apenas as redes sociais estão sem editor. Também o Brasil e o mundo. Ora, se ler é escolher, publicar é a primeira escolha sobre o que os outros vão ler. Como disseram nossos avós, ouvido não é penico. Os olhos também não devem ser.

Transcrito do Blog do Augusto Nunes - Veja  
 
Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá

segunda-feira, 3 de junho de 2019

A decadência do ensino começa pela falta de leitura

Nas aulas seguintes, depois de copiado o poema Navio Negreiro, o que facilitou memorizá-lo, os versos passaram a ser recitados por todos

Deonísio da Silva
Não era só questão de conhecer o significado das palavras. Os alunos precisavam também entender o que e de quem se falava, quando, onde e por que daquele modo.  Havia um exemplar do livro na biblioteca e não podia ser retirado. Aconteceu assim conosco, como acontecera no século anterior a João da Cruz e Souza, o maior poeta de Santa Catarina e um dos maiores do Brasil.

Ele quisera levar para casa o livro de um autor francês, escrito em francês, e lhe foi dito que ele deveria ler no recinto onde estava o volume, isto é, na biblioteca da escola, pois o livro era de todos e para todos.  De passagem ficássemos sabendo que um menino, filho de escravos alforriados, lia em francês, não apenas em português. Mas nós, que estávamos sendo preparados para o sacerdócio, deveríamos ler também em latim, em grego, em italiano .
“Homens que Fídias talhara/ Vão cantando em noite clara/ Versos que Homero gemeu”.

Foi este o trecho que o padre professor pegou ao acaso para explicar o método, que, aliás, era muito simples. Deveríamos copiar o poema de Castro Alves e decorá-lo para recitar nas próximas aulas.
“Porém, não sejam papagaios. Não basta saber de cor o poema, temos que entendê-lo e para isso primeiramente façamos um vocabulário”.
“Mas entender as palavras é só o começo. Quem foi Fídias? Por que o famoso escultor da Grécia Antiga, que viveu no Século V a.C. e fez as estátuas da deusa Atena e do deus Zeus, apareceu no Brasil, justamente durante a Guerra do Paraguai, invocado por um poeta para falar dos negros escravizados no Brasil?”;

“Outra coisa. Podem ver que o verbo talhar, que, como o outro professor poderá explicar, veio do Latim taliare, cortar, é posto no mais-que-perfeito para rimar com clara, de noite clara, constituindo-se, pois, em rima rica, uma vez que combina duas classes gramaticais diferentes, um verbo (talhara) com um adjetivo (clara)”.  Nas aulas seguintes, depois de copiado o poema Navio Negreiro, o que facilitou memorizá-lo, os versos passaram a ser recitados por todos, primeiramente de olhos postos nas próprias cópias que cada um fizera, depois recitados em uníssono e por fim declamados aluno por aluno.

Mas havia entre nós os de memória prodigiosa e destacou-se como o melhor de todos um neto de imigrante italiano que casara com uma neta de imigrante alemã. Ele não apenas recitava, como dava àqueles versos uma aura que nos deixava boquiabertos de admiração, no que era ajudado pelo timbre claro da voz, as sílabas bem escandidas e a teatralidade dos gestos.  Findo o estudo atordoante daquela obra magistral, éramos orientados a ler do mesmo autor A Cruz da Estrada, que começava com uma frase de Lutero em latim, proferida diante dos túmulos que contemplava: Invideo quia quiescunt (eu tenho inveja porque eles descansam).
A poesia ensinava a quem passava pelo sertão e visse uma cruz abandonada que soubesse estar ali enterrado um escravo: “É de um escravo humilde sepultura/ Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz/ Deixa-o dormir no leito de verdura/ Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs”.

A Guerra do Paraguai terminou em 1870. O Brasil tinha naquele tempo estudantes de Direito que ao redor dos vinte anos faziam poemas como aqueles que líamos. Hoje, a maioria deles, depois de formados, tropeçam numa simples petição, a ponto de ter sido necessário introduzir a disciplina de Português no curso de Direito para que os juízes possam entender o que os advogados peticionam. Pobres clientes! Nem seus advogados sabem dizer o que eles querem.

No Brasil de um século depois daquele famoso conflito vamos encontrar meninos, quase crianças, lendo e entendendo o que aquela rapaziada, saudada por Ruy Barbosa em sua célebre Oração aos Moços, escrevia e pensava.  Mas, hoje, passados 150 anos anos de Navio Negreiro, escrito por um estudante de Direito de apenas 22 anos, lido e estudado minuciosamente, além de recitado por milhares de brasileiros, senão milhões, que estão vivos e atuantes, lemos muito pouco em nossas escolas, sejam de ensino médio, sejam de curso superior, e esta é a principal razão de o Brasil desabar nas classificações internacionais que medem a qualidade de nosso ensino.
 


*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra








 

sábado, 19 de janeiro de 2019

Às armas, cidadãos!

Com armas em casa para nos defender dos inimigos, não podemos esquecer de outro mal igualmente feroz, a ignorância. Para combatê-la: o livro

[lembrando que o povo reelegeu um presidente analfabeto, que se jactava de NUNCA ter lido um livro.]



Deonísio da Silva
Os brasileiros recuperaram o direito de ter uma arma em casa. O presidente Jair Bolsonaro cumpriu uma de suas promessas de campanha ao assinar o decreto. Ele atendeu ao que povo decidira em plebiscito há mais de dez anos. Agora falta o livro.
 “Armas” é a primeira palavra de Os Lusíadas, obra referencial de nossa língua. No tempo em que crianças e adolescentes estudavam Português a sério no ensino médio para obter o domínio da norma culta e assim ler e entender o que se ouvia e lia, as duas primeiras estrofes do emblemático poema semelhavam um novo vestibular.

O primeiro período tem dezesseis versos e a oração principal está escondidinha lá no penúltimo: “Espalharei por toda parte”. O último é só para passar um brilho nos ditos anteriores: “se a tanto me ajudar o engenho e arte”. O autor passa o restante das duas estrofes contando o que vai espalhar, aonde os barões foram, o que fizeram, as guerras que travaram, os perigos pelos quais passaram e as obras valorosas com que se vão da lei da morte libertando, isto é, do esquecimento.

Milhares de zero nas redações do Enem tornam dispensável qualquer outro argumento a favor da volta da leitura dos clássicos e de outros livros relevantes para se ensinar Português. De quebra, a turma do “nóis pega os peixe” é dispensada algum tempo para ler e aprender que os alunos já chegam à escola sabendo a língua falada, mas não podem sair dali sem aprender a língua escrita e sem saber expressar por escrito o que falam, sentem e pensam.

A última palavra de Os Lusíadas  é “inveja”, sentimento que tanto vitimou seu autor, o poeta que no Brasil, por honroso deboche, dá nome a um prato: bife à Camões.
Explica-se: o poeta era caolho. Ele perdeu o olho direito em campo de batalha. Mas sobre isso também há a controvérsia de que a efígie pode ter sido invertida na impressão. Resta sem polêmica a desjeitosa homenagem, politicamente incorreta, que traz um ovo sobre um dos lados da superfície do bife.

Versões lendárias são também obscenas, às vezes. Diz-se de outro prato, o bife à cavalo, que, por ter dois ovos sobre a carne, indica a separação dos testículos do cavaleiro quando montado. O primeiro prato veio de Portugal e o segundo veio da França.
Como as armas aparecem nos hinos nacionais? O Brasil só ameaça sair na porrada nos últimos versos e com o eufemismo de clava para porrete: “Mas, se ergues da justiça a clava forte,/ Verás que um filho teu não foge à luta”.
Antes disso, proclamamos a mãe gentil, o céu risonho e límpido, um povo heróico de brado retumbante, mas deitado eternamente em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo. Que beleza! Mas é muita moleza!

Eufemismo quer dizer fala boa: do Gregoeu”, bem, bom, e “phemi”, fala. O objetivo é suavizar o dito ou ser agradável, como dizer de quem morreu que ele descansou, como na expressão “descanse em paz”. Esta frase aparece às vezes em latim nos cemitérios: requiescat in pace. Ou no plural: requiescant in pace (descansem em paz).
A União Europeia, que reúne dezenas de nações e de línguas oficiais, mas usa o Latim no lema, tem um hino tão bonito quanto o nosso. É a Ode à Alegria, que diz: “Oh, amigos, mudemos de tom!/ Entoemos algo mais agradável/ E cheio de alegria!”. 

Os chatos do movimento do “politicamente correto” não chegaram a tempo no século XIX para condenar o compositor Ludwig van Beethoven pelo arrebatamento exagerado no trecho da 9ª. Sinfonia ou o poeta Friedrich Schiller, no século XVIII, pelos exageros da letra: “Ébrios de fogo entramos/ Em teu santuário celeste!” (Wir betreten feuertrunken Himmlische, dein Heiligtum!). “Ébrios, mas, como?”, podem perguntar os chatos. “Chegam cantando bêbados e pensam que vão ficar impunes?”. Tampouco estiveram presentes na ocasião em que a União Europeia fez a bonita escolha da letra e da música.

O lema da União Europeia está escrito em latim: In varietate concordia (acordo na diversidade) e pode ser ouvido aqui, cantado  em latim, com legendas em português.
A França, a nação dos livros e dos livres, conclama os cidadãos, não os soldados, a pegar em armas, formar batalhões e marchar: “Aux armes, citoyens, formez vos bataillons, marchez, marchez!”.

Com armas em casa para nos defender dos inimigos que porventura nos venham a perturbar, não podemos esquecer que há um inimigo igualmente feroz nas cercanias. É a ignorância. E precisamos de outra arma para combatê-lo: o livro. Ele será melhor arma na escola se tiver sido também na família.

*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

sábado, 12 de janeiro de 2019

Aprendendo a ser governo

Não há registro, nem em tempos memoriáveis, de um presidente ter sido desmentido diretamente por seus subordinados. Talvez Dom João VI, na era do Brasil colônia, tenha sofrido alguma reprimenda dos mais chegados por seu apetite de glutão a traçar galinhas que não ficava bem à Corte. Mas nada além de mera galhofa escandida em particular. Jamais dita de bate-pronto, de forma tão peremptória, sem meias palavras ou “na lata”, como assinala a expressão popular. Mas eis que o presidente recém-empossado, Jair Messias Bolsonaro, resolveu exibir mais essa faceta peculiar de seu governo. E não foi apenas uma ou duas vezes. Em poucos dias, nada menos que três desmentidos – tal qual proferiu o Pedro bíblico – foram emitidos contra o “Salvador”, o novo mito tupiniquim, com o préstimo voluntário de auxiliares de segundo e até de terceiro escalão de esferas do poder. Está aí o que se pode chamar de um mandato realmente democrático, na conjugação mais precisa da palavra. Cada um diz o que quer e manda quem sabe mais, não importando a hierarquia. Seria cômico, não fosse trágico. [com o devido respeito ao ilustre articulista, nos parece haver um certo exagero em considerar 'desmentidos' os esclarecimentos prestados por assessores do presidente Bolsonaro.

Importante ter em conta que há, melhor dizendo, havia, um certo açodamento do presidente e sua equipe em transmitir notícias, em demonstrar transparência o que levou a certas comunicações divergirem dos fatos, não por intenção de mentira e sim por pressa em deixar a imprensa ciente de tudo que estava ocorrendo.

Um pouco de paciência e logo Bolsonara e equipe estarão pesando mais o valor do que dizem.
Aliás, até um elevado grau de humildade justificou algumas comunicações açodadas, mas, logo estarão acostumados ao valor das palavras que proferem e serão mais economicos na transmissão de informações.]

Um presidente não pode se prestar ao papel de ser desautorizado por quem comanda, de não ter credibilidade ou de não se mostrar minimamente sério, digno de respeito. Suas declarações e atitudes precisam necessariamente carregar o peso do cargo. Não deveriam simplesmente ser lançadas ao léu, deixando de valer no minuto seguinte. A despeito disso, o Messias foi negado três vezes. Contestado por assessores quando tratou de mudanças “mais brandas” na Previdência, teve também refutada a informação que proferiu sobre o aumento de alíquota do IOF. E, mais uma vez, quando ameaçou rever o acordo Boeing-Embraer, mostrando completo desconhecimento de questões estruturais sob sua alçada. A quizumba administrativa estava armada, mal se completava a primeira semana do mandatário no Planalto.

Corre-se daqui e dali, tenta-se acomodar divergências, unificar o discurso, combinar versões, em vão. A situação só piorou. De lá por diante, o ministro-general Augusto Heleno rechaçou a ideia, também cogitada por Bolsonaro, de uma base militar americana em solo nacional e as patacoadas sobre a retirada brasileira do pacto de migração da ONU novamente reconduziram parceiros mundiais à interpretação de que esse aqui “não é um país sério”. Rasgar cartas de intenção como a acordada globalmente para fluxos migratórios tem suas consequências. Rever seletivamente compromissos sobre regras de fronteira tira respeito da Nação com reflexos no seu relacionamento diplomático e comercial. A conta ainda está para chegar e o prejuízo é certo, goste-se ou não da ideia. O timoneiro Bolsonaro, que conduz a nova ordem, não pode se converter em um bufão biruta ou em um falante quixotesco atirando a esmo contra moinhos imaginários.

Nesses primeiros movimentos tem-se perdido um tempo enorme com questões laterais. Uma espécie de agenda pirotécnica prevalece, demandando discussão de gênero nas escolas, de troca de embaixadas e perseguição à esquerda e à mídia, quando o foco, logo no início, deveria ser fixado nas verdadeiras batalhas, as mais candentes e decisivas, concentradas nos planos econômico e da segurança, que irão demandar enorme esforço. Ficar batendo cabeça em assuntos diversos evidencia falta de objetividade e um amadorismo perigoso na comunicação. Parece existir uma predisposição a pseudos confrontos, repetidos exaustivamente como manobra diversionista, talvez para diluir expectativas. Há, por exemplo, uma clara missão de enfrentar o ranço ideológico. É Bolsonaro quem promete deixar o Brasil livre das “amarras ideológicas”. E, ato contínuo, de maneira enviesada, imbuídos de uma pretensa neutralidade, ministros varrem petistas do poder enquanto colocam correligionários e simpatizantes no lugar, recorrendo aos surrados métodos e práticas de aparelhamento do Estado.

Um filho do vice-presidente pula direto a um cargo estratégico numa estatal, para ganhar o triplo, por ser quem é. E assim prevalece a secular regra: é da panelinha, garante vaga. Pensa diferente, tem de ser extirpado, banido do posto, não importando a capacidade técnica ou experiência. Na prática ocorreu a simples inversão de ideologia, não a sua abolição. Aliados chamam o movimento de limpeza. Está mais para evangelização e reacionarismo. Não deveria ser assim. O cronômetro corre contra, enquanto diversos membros do Executivo evidenciam inaptidões claras para tocar a transformação esperada.

A ministra titular da pasta dos Direitos Humanos e Família é o caso mais eloquente. Damares Alves, com suas colocações abjetas sobre o azul e o rosa para menino e menina, beirou a comédia, virou alvo de galhofa e passou a ser tratada como uma figura caricata da inabilidade federal em assuntos sociais. Seus impropérios assumiram status de delírio quando tratou de Jesus subindo uma goiabeira. Ninguém levou a sério. [já esperado que os defensores da imunda ideologia de gênero, do aborto, da supremacia da gayzice desavergonhada vão se opor a ministra Damares e um dos argumentos será a tentativa de ridicularizar o que a ministra comentar; mas, vão se dar mal, se contradizer - Luciano Huck já levou um cala boca e sem piar - confira aqui;
Também um  vendedor de uma loja em shopping de Brasília chegou ao ridículo - louco para aparecer - de tentar processar a ministra por suposto constrangimento.
Só que ele esqueceu que a loja tem câmeras de segurança e a direção da loja não encontrou vendo as gravações nada do que ele alegou.]

O conservadorismo fundamentalista de Damares disputou interesse no capítulo esquisitices com as manobras retóricas do ministro das relações exteriores, o chanceler Ernesto Araújo, que preparou uma pajelança de citações – misturando de Raul Seixas e Marcel Proust a frases em tupi-guarani, grego e hebraico – para flertar com o obscurantismo e o retrocesso no tema da globalização. Da mesma escola de retrocesso, o ministro da Educação, Ricardo Vélez, não tem perdido oportunidade de repudiar, na sua área, o que chama de “marxismo cultural”, sem oferecer soluções para os graves problemas do ensino. A baboseira dos falastrões toma conta enquanto faltam estofo e disposição para que aprendam logo a ser governo.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Perigo real e imediato

Governo decidiu subir o tom das advertências sobre os riscos reais que o País corre no curtíssimo prazo se tudo ficar como está na Previdência. E faz muito bem


Consciente de que ainda não tem os votos necessários para fazer passar no Congresso a reforma da Previdência mesmo em sua versão mais desidratada, a despeito da inquestionável necessidade de aprová-la, o governo decidiu subir o tom de suas advertências sobre os riscos reais que o País corre no curtíssimo prazo se tudo ficar como está. E faz muito bem, pois deve ficar muito claro para todos de quem será a responsabilidade caso o sistema entre em colapso, como inevitavelmente acontecerá em breve sem a reforma, tornando-se impossível honrar o pagamento de parte dos benefícios previdenciários. 

O aumento de R$ 41,9 bilhões no déficit da Previdência em um ano, fechando em R$ 268,8 bilhões em 2017, está sendo usado pelo governo como argumento inapelável na sua nova tentativa de chamar à razão os deputados que ainda não se convenceram da necessidade de reformar o sistema. É certo que não se deve perder tempo com parlamentares que são contrários à reforma da Previdência por questões puramente ideológicas, pois estes não estão preocupados com o País, mas somente com os projetos de poder das organizações políticas das quais são soldados. Com estes, não há argumento racional que funcione nem negociação que leve a bom termo, pois quem diz que não há déficit na Previdência não pode ser levado a sério. Já os parlamentares que se dizem contrários à reforma porque temem perder votos ainda podem ser convencidos de que muito pior do que ser mal compreendido por alguns eleitores é ver-se vinculado a uma decisão legislativa que provoque a “situação catastrófica de se cortar benefícios” previdenciários, como alertou, em entrevista ao Estado, o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência. 

Tafner advertiu que estamos a apenas três anos desse desfecho, caso nada seja feito imediatamente. “Não temos tempo para negociar mais ou esticar a transição, que já é longa”, disse o economista, advertindo que o Brasil está caminhando para o colapso mais rapidamente do que Grécia e Portugal o fizeram num passado não muito distante. Os casos grego e português são justamente o mote da nova fase da campanha do governo pela aprovação da reforma da Previdência. “Sem a reforma da Previdência, o Brasil pode se tornar a Grécia”, diz o site do governo em seção destinada a esclarecer os diversos aspectos das mudanças propostas. Na Grécia, a profunda crise fiscal que eclodiu em 2009 obrigou o país a cortar salários do funcionalismo e aposentadorias em geral – e a Grécia gastava 13% do PIB com Previdência, o mesmo que o Brasil hoje. 

Já Portugal se viu obrigado a adotar uma “jurisprudência de crise” para enfrentar os efeitos da turbulência econômica verificada entre 2008 e 2011. Tamanho era o risco de insolvência do Estado que o Tribunal Constitucional português aceitou relativizar os direitos adquiridos relativos à Previdência, pois entendeu que o objetivo de preservar o equilíbrio das contas públicas, algo que atinge diretamente a todos, deveria prevalecer sobre outras demandas. E a razão disso é muito simples: um Estado quebrado não consegue honrar compromissos assegurados pelos chamados “direitos adquiridos”.  Ou seja, todos os cidadãos foram chamados a colaborar, na medida de suas possibilidades, para garantir a solvência do Estado. Ficou claro que a manutenção de direitos adquiridos ou da expectativa de direitos não pode ser uma injunção absoluta. Numa crise, os interesses maiores devem prevalecer. 

Os especialistas concordam que o Brasil ainda tem algum tempo antes que tal desafio se lhe imponha, mas o prazo está ficando cada vez mais curto. Por isso, mais do que nunca, deve ficar claro que não há escolha senão aprovar a reforma da Previdência ainda neste ano, pois disso pode depender a capacidade do Estado de pagar a aposentadoria de todos num futuro próximo. Não se trata de um cenário hipotético, como mostram os exemplos de Grécia e Portugal. Os deputados ainda recalcitrantes – seja por receio eleitoral, seja para auferir algum ganho fisiológico – têm de saber com o que estão brincando. [enquanto faz, ou tenta fazer, o trabalho de convencimento dos parlamentares o Governo deveria intensificar ações de combate as fraudes contra a Previdência Social - que ocorrem nas duas pontas, arrecadação e concessão de benefícios;
estancando a dupla sangria a crise não seria resolvida, mas, na pior das hipóteses de ineficiência, reduziria o valor do déficit, dando alguma sobrevida, até receber um reforço da realização da reforma - desidratada ou não.]


quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

“Do outro lado do espelho”

A economia tem mostrado bons resultados, submersos pelos erros políticos, pela Operação Lava Jato e pelo cansaço da opinião pública


A área política do Governo Temer está bem complicada: como bananas que passaram do ponto, meia dúzia de ministros já foi descartada, outros aguardam o iminente descarte. Até o presidente já foi citado em delação premiada. Um aliado importante, o senador goiano Ronaldo Caiado, DEM, propôs a renúncia imediata de Temer, para que uma eleição direta indique um sucessor com apoio popular para dar um jeito na crise e na economia.

Mas exatamente a economia tem mostrado bons resultados, submersos pelos erros políticos, pela Operação Lava Jato e pelo cansaço da opinião pública, que provavelmente esperava ação mais decisiva do novo Governo. Há uma nova safra de empresas, em especial as individuais: 1,55 milhão, informa a Serasa. Boa parte dos empreendedores reage ao desemprego que os atingiu, mas o número dá um sinal da força do mercado interno. E há a rápida queda da inflação, que no fim do Governo Dilma buscava dois algarismos e hoje parece estar no centro da meta oficial: 4,5% ao ano. Se o cálculo estiver correto, abre-se campo para redução rápida da taxa de juros. E a emenda que limita os gastos estatais logo logo entra em vigor.

A equipe econômica é boa e trabalha em silêncio. Montou um pacote de oito iniciativas que podem funcionar: por exemplo, um programa de emprego, com R$ 1,3 bilhões em quatro anos, algumas mexidas no crédito, redução na burocracia. A cartada é essa: sai a Política, entra a Economia.

Todos os trunfos…
Ao pedir ao procurador-geral Rodrigo Janot que bloqueie vazamentos de delações premiadas, e as divulgue logo, na íntegra, depois de homologadas pelo STF, Temer, respeitado constitucionalista, sabe o que está fazendo. Se as citações a seu respeito forem verdadeiras, ele não poderá ser julgado por elas, já que se referem todas a período anterior a seu mandato.

…do presidente
E se as citações da delação premiada (faltam 77 delações, só na Odebrecht) continuarem vazando, talvez possam ser contestadas como ilegítimas. Até agora, portanto, não há como atingi-lo do ponto de vista penal. O prejuízo se limita à sua imagem como político e ao debate público.

Coisa estranha
O senador Ronaldo Caiado, expoente do DEM, sabe das coisas. Por isso, sua ideia de que Temer renuncie a tempo de convocar eleições diretas para presidente parece esquisita. Caiado sabe que Michel Temer é do PMDB, e jamais se ouviu dizer que alguém do PMDB tenha largado algum cargo.

Coisa normal
O presidente do DEM, Agripino Maia, é claro: antecipar eleições é ideia de Caiado, não do partido. O DEM continua firme apoiando o Governo.

Efeito externo
Michel Temer conversou ontem, pela primeira vez, com o presidente americano eleito, Donald Trump. Temer disse que o Brasil tem interesse em atrair capitais americanos, Trump cumprimentou-o pelo programa de reformas econômicas e apresentou pêsames pelo desastre do Chapecoense.

Lula sob pressão 1
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Lula por corrupção passiva. Com ele, foram indiciados sua esposa, Marisa Letícia, seu advogado e compadre, Roberto Teixeira, o ex-ministro Antônio Palocci e mais três pessoas. Motivo: a Federal considera que a compra de um terreno para a construção de um novo Instituto Lula e de um apartamento ao lado daquele em que mora, que estaria em nome de terceiros, mas alugado pela esposa de Lula, foram feitas com propina da Odebrecht. Lula diz que nenhuma das duas compras ocorreu, que não há planos de mudar o local do Instituto Lula, e que ele vem sendo perseguido pelo delegado Márcio Anselmo.

Lula sob pressão 2
Outra operação da Polícia Federal, iniciada na terça-feira, apura fraudes e desvio de pouco mais de R$ 10 milhões no Museu do Trabalhador, que está sendo construído em São Bernardo do Campo, ao lado do Paço Municipal, e é conhecido na cidade como Museu do Lula. É a Operação Hefestos, que atingiu 16 pessoas, oito em prisão temporária, oito em condução coercitiva. Hefestos, ou Hefaístos, é o nome grego de um deus conhecido pelos romanos como Vulcano, que se dedicava à metalurgia. A operação foi autorizada pela 3ª Vara Federal de São Bernardo, com o objetivo de desarticular uma organização criminosa especializada em fraude às licitações, peculato e uma série de outras ilegalidades.

Os especialistas
Nossos parlamentares, faça-se justiça, são observadores sagazes das mais diversas situações. Com a emenda de limitação de gastos, e a reforma da Previdência, os parlamentares aumentaram suas férias em sete dias. Pela Constituição, deveriam trabalhar até dia 22, mas só ficam até o dia 15.


Publicado na coluna de Carlos Brickmann

 

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Atirador de Munique planejou ataque por um ano e comprou arma pela internet

Ali Sonboly já teria sido internado durante dois meses por problemas psiquiátricos e pesquisado por outros tiroteios em massa 

Os investigadores do caso do jovem que atirou e matou nove pessoas na última sexta-feira (22) em Munique, no sul da Alemanha, confirmaram que Ali Sonboly já planejava o tiroteio há mais de um ano. A arma de fogo utilizada, uma pistola Glock 17, teria sido comprada na dark internet, um meio que se tornou inacessível pelos métodos convencionais e geralmente é acessada para cometer atos ilegais, devido à possibilidade de manter o anonimato.


 Suspeito é identificado pela mídia como Ali Sonboly - Reprodução internet

[aos inocentes úteis - talvez defini-los como 'babacas inúteis' seja mais apropriado - que no Brasil defendem o desarmamento deve ser lembrado que a Alemanha possui uma das legislações mais rígidas sobre posse e porte de armas - inclusive a estúpida exigência de só vender armas a maiores de 25 anos, que é também adotada no Brasil - e, mesmo assim, um jovem de 18 anos conseguiu adquirir, sem nenhuma dificuldade,  uma Glock .9mm, uma das melhores armas entre as chamadas 'armas curtas'.
Chamamos de estúpida exigência dos 25 anos, já que cria uma situação curiosa: com 20 anos ou um pouco mais qualquer jovem pode se tornar militar, policial e ter direito a portar armas, mesmo o impatriótico 'estatuto do desarmamento' impondo a idade mínima de 25 anos.]

O adolescente, que é suspeito de tentar atrair suas vítimas ao restaurante Mc Donald’s para efetuar os disparos, já havia ficado dois meses internado em reabilitação por problemas psiquiátricos.  Segundo o jornal britânico The Guardian, o investigador Robert Heimberger afirma que Ali Sonboly tinha visitado a cena de um tiroteio em uma escola na cidade alemã de Winneden e tirado fotografias do crime, o que contou como prova de que o adolescente estava realmente obcecado por tiroteios em massa.

Além da foto de Anders Breivik que era utilizada como identificação de Sonboly no aplicativo Whatsapp, as autoridades encontraram mais imagens do atirador norueguês que matou 77 pessoas em 2011 em seu computador. A data foi planejada para ocorrer exatamente no mesmo dia do atentado cometido por Breivik na Noruega – que também utilizou uma pistola Glock.

Segundo os investigadores, Sonboly teria utilizado uma arma de fogo não utilizada anteriormente. A suspeita é de que o cano da arma não teria sido desativado corretamente, o que revela uma falta de monitoramento do país. O minstro do Interior Thomas de Maizière citou a possibilidade de tornar as leis de controle de armas mais duras para evitar esse tipo de conduta.

Atirador de Munique planejou ataque por um ano - David Sonboly comprou arma pela internet, informaram as autoridades alemãs

O atirador que matou nove pessoas em Munique na sexta-feira estava planejando o ataque durante um ano e comprou a arma pela internet, informaram as autoridades alemãs neste domingo. Depois do massacre, políticos cobraram o maior controle de armas no país. 
Em uma entrevista coletiva, o chefe de polícia da região da Baviera, Robert Heimberger, disse que o jovem David Sonboly colocou uma armadilha para as vítimas no Facebook, seguindo um planejamento que havia "preparado por um ano".

Na rede social, o assassino publicou uma oferta falsa de lanche grátis no McDonald’s — local inicial do ataque. Em seguida, o atirador continuou os disparos no shopping Olyimpia, o maior centro comercial da região da Baviera. Ainda de acordo com as autoridades, Sonboly, de 18 anos e cidadania alemã-iraniana, comprou ilegalmente pela internet a pistola Glock 9mm usada no ataque.

A polícia considera que o atirador foi influenciado pela matança em Winnenden, em março de 2009, onde um jovem de 17 anos abriu fogo em seu ex-colégio, matando 15 pessoas, antes de se suicidar. — As primeiras observações levam à conclusão de que ele estava interessado neste ato, indo visitar a cidade e tirando fotos há um ano e em seguida planejou seu próprio ato — precisou o chefe da polícia.

Segundo a investigação, Sonboly não escolheu as vítimas de forma específica, explicou o procurador da cidade, Thomas Steinkraus-Koch. — Aqui não há nada contra os estrangeiros — disse ele em entrevista coletiva, contrariando conclusões iniciais de racismo devido ao significativo número de vítimas estrangeiras no ataque. Segundo o último balanço divulgado neste domingo, onze de um total de 35 feridos estão em estado grave. Entre os nove mortos, sete eram adolescentes — três do Kosovo, três turcos e um grego.

Os investigadores suspeitam ainda de um possível vínculo entre o tiroteio de Munique e o assassino supremacista branco norueguês Anders Behring Breivik. O ataque na cidade alemã aconteceu justamente no dia em que o massacre de 77 pessoas cometido pelo radical de direita norueguês completava 5 anos.


No quarto de Sonboly foram encontrados documentos desse massacre e de outros similares, assim como um livro de matanças perpetradas por estudantes. O ataque em Munique foi o terceiro contra civis na Europa Ocidental em menos de dez dias, depois do atentado com um caminhão em Nice (sul da França), em 14 de julho, que deixou 84 mortos, e de um ataque com um machado em um trem na Baviera, que resultou em cinco feridos.

Fonte: Revista Época

terça-feira, 14 de julho de 2015

PF faz busca em endereços de políticos investigados na Operação Lava Jato - Após bate-boca, agentes da PF deixam apartamento de Collor com malote



A ação, batizada de Politéia, ocorre nas residências, endereços funcionais, escritórios de advocacia, órgãos públicos e sedes de empresas
A Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça-feira (14) uma operação que tem como alvos políticos investigados na Operação Lava Jato. Entre os alvos de mandados de busca e apreensão estão os senadores Fernando Collor de Mello (PTB-AL), o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE).

A ação, batizada de Politéia, visa ao cumprimento de 53 mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em seis processos que estão em curso na corte, relacionados ao esquema de corrupção na Petrobrás. A PF busca cumprir 12 mandados no DF, oito em Pernambuco, 11 na Bahia, sete em Alagoas, cinco em Santa Catarina, cinco no Rio de Janeiro e cinco em São Paulo.

As medidas decorrem de representações da PF e do Ministério Público Federal nas investigações da Lava Jato que tramitam no Supremo. "O objetivo é evitar que provas sejam destruídas pelos investigados", informa a PF. Também foi autorizada, pelos ministros Teori Zavascki, Celso de Mello, e Ricardo Lewandowski, apreensão de bens que podem ter sido adquiridos com recursos provenientes do esquema de corrupção. 

As buscas ocorrem nas residências dos investigados, em seus endereços funcionais, escritórios de advocacia, órgãos públicos e sedes de empresas, como a sede do canal de TV controlado por Collor, em Alagoas. Em Pernambuco, oito mandados de busca e apreensão foram cumpridos na manhã desta terça-feira (14). No Estado, foram alvo das buscas endereços ligados a dois políticos pernambucanos: o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) e o líder do PP na Câmara, Eduardo da Fonte. O nome de Ciro, que preside o PP, e do senador e ex-presidente Collor foram citados pelo doleiro Alberto Youssef, um dos delatores da Lava Jato, como beneficiários do esquema de desvios da Petrobrás. Junto ao material apreendido com o doleiro, por exemplo, foram encontrados oito comprovantes de depósitos a Collor.

Já Fernando Bezerra foi citado pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa. De acordo com o diretor, Bezerra teria pedido em 2010 R$ 20 milhões para a campanha à reeleição do então governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), morto em 2014. Na época, Bezerra Coelho era secretário de Desenvolvimento da administração de Campos.

No Supremo Tribunal Federal (STF), 48 são políticos, entre senadores, deputados e ex-parlamentares, são alvos de inquéritos que apuram suposto envolvimento de parlamentares e autoridades na Lava Jato.  Politéia, em grego, faz referência ao livro "A República", de Platão, que descreve uma "cidade perfeita", na qual a ética prevalece sobre a corrupção.

Após bate-boca, agentes da PF deixam apartamento de Collor com malote
Alberto Cascaes diz que agentes arrombaram a porta da residência funcional do senador e se recusaram a apresentar o mandado de busca; ação Politéia faz parte da nova fase da Lava Jato

Seis agentes da Polícia Federal deixaram o apartamento funcional ocupado pelo senador Fernando Collor (PTB-AL) por volta das 9h40 desta terça-feira levando um malote. Os agentes saíram depois de cumprirem um mandado de busca e apreensão no imóvel.

De acordo com o advogado-geral do Senado, Alberto Cascaes, a PF levou um chaveiro para abrir as portas. "Trouxeram o chaveiro, arrombaram a porta, pegaram o que queriam e foram embora sem dar satisfação", disse o advogado que representa a Casa Legislativa.

A ação no imóvel foi marcada por um bate-boca entre agentes da PF e integrantes da polícia legislativa. De acordo com Cascaes, a PF se recusou a apresentar o mandado de busca à polícia legislativa e não deixou ninguém entrar no apartamento. Para o advogado do Senado, a PF cometeu um erro pois tradicionalmente ações de busca em casas de parlamentares acontecem com participação da polícia legislativa.

A Polícia Federal cumpre nesta terça-feira 53 mandados de busca e apreensão envolvendo pelo menos três senadores, um deputado federal, além do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte (PP-BA) e o ex-deputado federal João Pizzolatti (PP-SC). Também foram alvo das ações os senadores Ciro Nogueira (PP-PI), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), além de Collor. O deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), líder do PP na Câmara, também foi alvo das ações.

Fonte: AE