O salário do trabalhador brasileiro é de R$ 2,2 mil, a metade do auxílio recebido pelo deputado para morar de graça na cadeia
Um deputado federal que está preso e, pois, vivendo às custas do Estado, tem direito a auxílio moradia pago pela Câmara? Está de brincadeira - responderia qualquer pessoa com um
mínimo de bom senso. Se o tal auxílio é para custear moradia e se a
pessoa já tem alojamento e comida num estabelecimento público, é claro
que não tem como receber o auxílio.
Pois a direção da Câmara concedeu esse benefício ao
deputado Celso Jacob (PMDB-RJ), condenado pelo STF, detido em Brasília
em 6 de junho último e logo encaminhado ao presídio da Papuda para
cumprimento da pena em regime semiaberto - aquele em que a pessoa só
pode sair do presídio para trabalhar. Sim, o deputado trabalha. Depois de condenado, pediu e
ganhou na Justiça a autorização para continuar no exercício do mandato. E
com isso, solicitou e passou a receber o auxílio moradia de R$ 4.200
mensais, como revelou reportagem de Eduardo Bresciani, de O Globo.
A Câmara paga para que os deputados se apresentem no local
de trabalho, em Brasília. Paga passagem e estada. Já não faz sentido,
especialmente pelo modo como foram introduzidos esses benefícios: para
aumentar salário sem parecer que estava aumentando. Hoje, faz parte. É
mais uma mordida nos cofres públicos. São três modalidades: o deputado pode optar por um
"apartamento funcional", se tiver sorte e cacife para encontrar algum;
pagar aluguel e ser ressarcido; ou receber o auxílio-moradia. Antes de
ser preso, o deputado Jacob optara pelo ressarcimento do aluguel, via
nota fiscal. Uma vez alojado na Papuda, pediu os R$ 4.200 mensais. E
está recebendo, além de salário e outras verbas de gabinete.
Questionada pela reportagem, a Câmara informou que a área
jurídica está analisando o caso. Deve ser uma análise tão profunda como
aquela apresentada pela ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois,
para pedir acumulação de salários. A ministra é desembargadora aposentada, pelo que recebe R$
30,4 mil mensais. Como ministra, teria direito a outro salário no mesmo
valor. Como o teto constitucional é de R$ 33,7 mil/mês - o vencimento
de juiz do STF - Luislinda leva "apenas", como alegou, R$ 3,3 mil do
salário de ministro. É um trabalho escravo receber tão pouco por tanto
serviço, alegou a jurista.
O salário do trabalhador brasileiro, medido pelo IBGE, é
de R$ 2,2 mil por mês ou seja, a metade do auxílio recebido pelo
deputado para morar de graça na cadeia. No funcionalismo, o salário
médio é de R$ 3,4 mil - igual ao adicional de escravo que a ministra
recebe para ser ministra de Estado. Absurdo? Pois é, porém é mais ainda a gente estar falando
disso. Um preso receber auxílio moradia de mais de quatro salários
mínimos? A ministra reclamar de um vencimento de R$ 33,7 mil, além de
carro, jatinho e cartão corporativo?
Não tem o menor cabimento que os processos tenham sido
encaminhados. A ministra desistiu do pedido. Se tivesse insistido,
porém, é bem capaz que tivesse recebido. Como o deputado recebe. E como
tantos funcionários recebem acima, muito acima do teto, com os diversos
penduricalhos, vale refeição, auxílios moradia, de transporte e
educação, considerados legalmente "extratexto". Arranjar um jeito de tomar um dinheiro do Estado - eis a
prática disseminada no setor público e no ambiente político. Tudo é
tratado como se fosse uma coisa normal. Qual o problema de um juiz
chegar a receber R$ 500 mil por mês? [a FAVOR DA TRANSPARÊNCIA, tanto para acusar quanto para defender, informamos que o juiz recebeu, excepcionalmente, um contracheque superior a R$ 500 mil referente a atrasados. CLIQUE AQUI E CONFIRA.] Ainda outro dia, o ministro Marco
Aurélio garantiu o auxílio moradia de juízes do Rio Grande do Norte,
pagamento que o Conselho Nacional de Justiça considerara irregular. É
que os juízes já tinham recebido o auxílio, alegou o ministro, de modo
que devolver o dinheiro causaria dano patrimonial. A eles, claro. E ao
Estado? A conta.
Querem ver outra? A JBS entra no Refis, parcela dívida de
R$ 4,2 bilhões e ganha um desconto de R$ 1,1 bilhão, além de prazo amplo
para pagar. Reparem: a empresa recebeu vários financiamentos
favorecidos do governo e ... cometeu crimes e não pagou impostos. E pode
entrar no Refis? É um crime continuado - assaltos seguidos aos cofres
públicos. Não tem cabimento. Mas está na lei, dos 4.200 reais do
deputado aos bilhões, o pessoal vai arranjando um jeito de tomar uma
grana do Estado. Quer dizer, do nosso bolso.
Por: Carlos Alberto Sardenberg
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