Está
quase lá: mais uns poucos dias e vamos saber se a sentença que condenou
o ex-presidente Lula a nove anos e tanto de cadeia por corrupção será
confirmada, ou não, no tribunal superior para o qual ele apelou. Com
isso vai se encerrar, enfim, o segundo ato desta comédia infeliz. Ela
vai continuar, é claro, mas terá tudo para ir ficando cada vez mais
rala, daqui para a frente, se a condenação for confirmada por
unanimidade — e se, por conta disso, Lula não for candidato à
Presidência da República em 2018. O público vai começar a sair da sala,
pouca gente estará realmente prestando atenção no que os personagens
falam no palco e, de mais a mais, o espetáculo que de fato interessa —
quem será o próximo presidente — estará sendo apresentado em outro
lugar. Se o ex-presidente sair do jogo, nos termos do que manda a lei, o
Brasil terá uma excelente oportunidade para tornar-se um país melhor
do que é. Ao mesmo tempo, será dado mais um passo no desmanche da maior
obra de empulhação já montada até hoje na história política deste país.
Essa
farsa, em exibição há anos, se deve à seguinte realidade: nada do que
existe em relação a Lula é genuíno, verdadeiro ou sincero. Lula se
apresenta como um operário, mas já passou dos 70 anos de idade e não
trabalha desde os 29. Representa o papel de maior líder de massas da
história do Brasil, mas não pode sair à rua há anos, com medo de ser
escorraçado a vaias, ou coisa pior. O “irmão” do brasileiro pobre é um
milionário — e, como diz a líder de um partido rival de extrema
esquerda, ninguém pode ser metalúrgico e milionário ao mesmo tempo. Vive
denunciando as diferenças entre ricos e pobres, mas nenhum presidente
brasileiro enriqueceu tanto os ricos quanto Lula — e justo aqueles que
tiram suas fortunas diretamente do Tesouro Nacional. Os pobres ficaram
com o Bolsa Família. A Odebrecht ficou com as refinarias, os “complexos”
petroquímicos, os estádios da Copa do Mundo, os portos em Cuba.
Chegaram,
neste fim de feira, a chamá-lo de “Nelson Mandela” — imaginem só,
Nelson Mandela, que ficou 27 anos preso por ser negro e pedir a
igualdade racial em seu país, e não por ter sido condenado como ladrão
num processo absolutamente legal. Mandela não teve advogados
milionários, nem recursos no TRF4, nem a paciência do juiz Sergio Moro,
nem liberdade para ameaçar, pressionar e insultar a Justiça. Não teve
acenos de prisão domiciliar e “regime semiaberto”. Mais do que tudo,
talvez, Lula foi santificado como o homem mais importante do Brasil nos
últimos 500 anos. Criou-se a fábula de que tudo depende dele, a começar
pelo futuro de cada brasileiro. Nada se pode fazer sem Lula. Lula vale
mais que todos e que tudo. O Brasil não pode existir sem Lula.
Tudo
isso é uma completa falsificação — e é por isso, justamente, que as
atuais desgraças de Lula na Justiça não estão provocando nenhum
terremoto na vida nacional, e sim um final de história barateado pela
decadência, rancor e mesquinharia. A verdade, em português claro, é que o
Brasil não precisa de Lula. Se cair fora da vida política mais próxima,
não fará falta nenhuma. Não há no Brasil de hoje um único problema
concreto que Lula possa ajudar a resolver — você seria capaz de citar
algum? É verdade que sábios de primeiríssima linha, cientistas
políticos, “formadores de opinião” etc. têm se mostrado aflitos com a
possível “ausência” de Lula da lista de candidatos — nas suas angústias,
acham que isso seria desagradável para a imagem de pureza que
caracteriza nossas eleições através do mundo. Mas é uma alucinação: se
Lula ficar fora, será porque a lei assim determinou, e ponto-final. Isso
apenas mostra a imensa dificuldade que a melhor elite brasileira, até
ela, tem para aceitar a ideia de que a sociedade deste país só valerá
alguma coisa quando viver sob o império da lei.
Quem precisa de
Lula não é a lisura das eleições nem o povo brasileiro. São as
empreiteiras de obras públicas. São os que esperam por novas refinarias
Abreu e Lima. São os vendedores de sondas ou plataformas para a
Petrobras. São os operadores de fundos de pensão das estatais. São os
marqueteiros milionários. São os Renan Calheiros, e os Jarbas Barbalhos,
e os Sarneys. É a diretorzada velha da Petrobras — gente que não
vacilou em meter a mão no bolso e devolver 80 milhões de dólares em
dinheiro roubado da empresa. São os Odebrechts, os Joesleys, os Eikes.
Quem
precisa mais de Lula — o homem que no dia seguinte ao do julgamento
estará às 4 da manhã na fila do ônibus? Ou essa gente aí?
J R Guzzo - Revista VEJA
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