Sem a reforma, os pobres é que continuarão a ser, pois já são, os mais prejudicados
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), não está sozinho – o que não quer dizer que esteja certo – quando diz que não aceitará uma reforma da Previdência que “prejudique aqueles com menos condições”. Esse argumento tem sido usado com frequência por todos os que dizem falar em nome dos interesses do “povo” para caracterizar a reforma da Previdência como uma ameaça aos direitos dos trabalhadores em geral, particularmente dos mais pobres. De acordo com essa visão, o ajuste das contas públicas, em que a reforma previdenciária desempenha papel fundamental, não pode ser pago à custa das condições mínimas de bem-estar dos que estão na base da pirâmide socioeconômica, ameaçadas, segundo se alardeia, pela mudança das regras de aposentadoria.
Há nisso uma grande dose de oportunismo eleitoreiro, que alimenta a desinformação, criando ambiente favorável para o triunfo da demagogia. Nem se discute que toda política pública deve, sempre que possível, beneficiar os desvalidos. Se alguma medida os prejudica em vez de protegê-los, é claro que deve ser rejeitada pelos brasileiros de bom senso. Fosse esse o caso da proposta de reforma da Previdência, não há dúvida de que teria de ser prontamente rechaçada. A reforma da Previdência, contudo, é o exato oposto do que dizem seus detratores. Sem ela, os pobres é que continuarão a ser, pois já são, os mais prejudicados, a começar pelo fato de que a manutenção das regras atuais significaria a preservação de uma situação de profunda injustiça social.
O estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, que os adversários da reforma veem como um dos aspectos mais perversos da proposta, é na verdade um modo de reduzir privilégios de quem acumula recursos em desfavor de quem tem menos.
Hoje, a maioria absoluta dos pobres só consegue se aposentar por idade – 65 anos para homens e 60 para mulheres, com ao menos 15 anos de contribuição –, pois não foi capaz de contribuir para a Previdência pelo período regulamentar – 30 anos para mulheres e 35 anos para homens – para se aposentar por tempo de contribuição. E isso acontece porque em geral esse trabalhador está na informalidade, convive com desemprego crônico e não tem condições de reservar parte de seus ganhos para o sistema previdenciário. Logo, só lhe resta esperar pela idade mínima para reivindicar a aposentadoria.
Já os brasileiros das classes média e alta em geral contribuem para a Previdência desde cedo, sofrem bem menos com o desemprego e, assim, conseguem se aposentar por tempo de contribuição, muitas vezes antes de completar 50 anos de idade, se além de tudo tiverem a sorte de pertencer a uma das tantas categorias profissionais consideradas merecedoras de vantagens. Assim, a mudança da regra de idade mínima, submetendo todos os brasileiros a um piso igual, não mudaria em nada a realidade dos mais pobres, mas realizaria parte da tão almejada justiça social. De uma hora para outra, deixariam de existir brasileiros de primeira e de segunda classe no que diz respeito à Previdência.
O tratamento isonômico no sistema previdenciário deveria ser a grande bandeira dos movimentos que se dizem preocupados com a desigualdade social. Mas estes, como se sabe, estão mais ocupados com a defesa dos interesses de funcionários públicos, que, por razões óbvias, não pretendem abrir mão das benesses acumuladas em décadas de populismo às expensas dos cofres públicos. Em vez de ser “a maior rede de proteção social do mundo”, como a qualificou o senador Eunício Oliveira, a Previdência se tornou fator de concentração de renda para alguns. Isso só começará a mudar quando os critérios de distribuição dos recursos do sistema previdenciário não fizerem mais distinções determinadas pelo poder dos lobbies. É preciso entender, portanto, que a reforma da Previdência não é somente uma medida destinada a sanear as contas públicas. Serve antes de tudo como forma de respeitar o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.
O Estado de S. Paulo - Editorial
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