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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Invasão da Ucrânia pode dar início a nova ordem entre Ocidente e Oriente - Folha de S.Paulo

Está na cabeça de todo o mundo. Como Vladimir Putin simplesmente ignora telefonemas e visitas de representantes das nações mais ricas da União Europeia e dos Estados Unidos e faz uma invasão por terra, mar e ar na Ucrânia, nitidamente premeditada pelo enorme nível de coordenação?

Por semanas, ele deixou claro que não quer entregá-la bovinamente à Otan, abrindo flanco para a instalação de mísseis na cola da fronteira russa. Mas também está claro que sua ação tem um simbolismo maior, pelo nível de desprezo que demonstra em relação a outros chefes de Estado.

Há indícios de que o Ocidente fraqueja, e como não há vácuo de poder, o Oriente avança pelas brechas. Putin dá sinais de que se preparou para este momento mais tenso, inclusive prevendo quais seriam os limites das sanções econômicas sobre a Rússia, o principal instrumento de reação. Suas aparentes calma e segurança viriam do fato de que boa parte das peças de seu jogo de xadrez bélico estão bem posicionadas em outro tabuleiro, os mercados de commodities.

Mesmo comandando uma economia com brilho menor, o governo russo fez apostas em produtos-chave, e a globalização tratou de criar interdependências miúdas, tão difíceis de desatar como nó de correntinha fina. Alguns exemplos. A Rússia tem grandes reservas de carvão e petróleo e é o maior produtor de gás do mundo. Muito se repetiu que quase 40% do gás consumido na Europa é russo. Agora vai ficando claro que não há fornecedores alternativos à altura da demanda europeia.

Na terça-feira (22), circulou nas agências internacionais a declaração de um executivo da indústria no Catar avisando que não há no mercado volume suficiente de GNL, gás natural liquefeito, para cobrir o eventual cancelamento de contratos de europeus com os russos.Muitos colocam dinheiro na mesa para apostar que a retaliação alemã, de suspender a licença do gasoduto Nord Stream 2, que levará gás russo ao país, não dura até o fim do outono.

A Rússia também é um importante produtor de cevada, aveia, centeio e principalmente de trigo, item básico de alimentação. Nos últimos anos, se tornou o maior exportador de trigo do mundo, e controla 20% do abastecimento global. Enquanto os analistas falam da perda de prestígio de Putin, os preços dos principais produtos russos ganham valor. O preço do barril de petróleo já passa de US$ 100 e o trigo acumula alta de 17% em uma semana.

Colocando um pouco de Brasil na discussão é preciso lembrar que Rússia é um fabricante tão expressivo de adubos e fertilizantes que nada mesmo de 62% das importações brasileiras daquele país estão concentradas nesses produtos. Outra fatia importante desses itens vem de Belarus, um aliado na guerra da Ucrânia. Como ficar sem?

Há outra questão. Apesar de os principais países terem condenado a ofensiva na Ucrânia, a China segue sem condenar Putin, com representantes do alto escalão emitindo manifestações dúbias. Representantes da diplomacia chinesa já fizeram ponderações sobre a relação da Rússia com a Ucrânia e as repúblicas separatistas.

Não tem segredo aí. Se a China condenar a Rússia vai complicar suas exigências em relação a Taiwan. Na quarta-feira (23), o ministro das Relações Exteriores chinês chegou a declarar que Taiwan não é Ucrânia porque sempre foi parte inalienável da China.Faz um tempo que os dois países caminham juntos na economia. O principal parceiro comercial da Rússia --de longe-- é a China, e vice-versa. Minério e um volume gigante de petróleo vão para a China, que vende para a Rússia muito maquinário e eletroeletrônicos.

Entre os dois países estão em construção redes de gasodutos que prometem mudar o equilíbrio da oferta do produto no mercado global.No início de fevereiro, quando a crise da Ucrânia já estava em curso, a parceria escalou. Putin foi a Pequim para participar da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno.

Num claro recado ao Ocidente, especialmente aos Estados Unidos, ele e o presidente chinês Xi Jinping anunciaram um acordo "sem limites" nas áreas econômica e política. Essa aproximação consolida a organização de um poderoso bloco na banda oriental do mundo, liderado pela China, que vai escanteando as potências ocidentais.

No meio da pandemia, em novembro de 2020, enquanto o então presidente Donald Trump travava a guerra comercial contra a China, o gigante asiático e 14 países do Pacífico fecharam o maior acordo comercial do mundo. Chamado de Parceria Econômica Regional Abrangente, o bloco reúne 2,2 bilhões de consumidores e um terço do PIB global.

Ao mesmo tempo, a China mantém a construção da Nova Rota da Seda, megaobra de infraestrutura que liga Oriente Médio, Ásia, África e Europa, atravessando áreas que eram de influência da ex-União Soviética.

Todos esses movimentos, colocaram os dois países, que já foram os maiores impérios ao leste, de costas para o Oeste. Putin, em sua invasão da Ucrânia, fez um movimento mais ousado e novo, confrontou o Ocidente --aqui, entendido como o grupo desenvolvido dessa parte do mundo, Europa e Estados Unidos.

Sim, tudo indica que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pode ter razão. Há sinais de que Putin trabalha para reconstruir a antiga União Soviética. E a lacônica China quer o quê? 

Alexa Salomão - Folha de S. Paulo  

 

segunda-feira, 30 de março de 2020

O MISTÉRIO CHINÊS - Percival Puggina



 Durante muitos séculos, embrenhar-se na direção do Oriente era, para os europeus, uma aventura cercada de tantos temores quanto lançar-se ao Oceano Atlântico no prelúdio das Grandes Navegações. Fantasias, lendas, superstições. Caberia a Marco Polo, no último quarto do século XIII promover, meio a contragosto das autoridades venezianas, a aproximação com o gigantesco país asiático.


 Imensa maioria dos leitores destas linhas ainda não era nascida quando a China, em 1949, após longa guerra civil, mergulhou na escuridão, tomada pelas mãos tirânicas de Mao Tsé-Tung (ou Zedong) e do Partido Comunista Chinês. A partir de 1976, com a morte de Mao, o regime girou para uma economia capitalista, sem que o partido abrisse mão da condução totalitária do país. Isso permite, a qualquer juízo prudente, identificar a China como um Estado nacional perigoso. Dele não se esperam virtudes, nem valores de nosso apreço. É bom vender para eles, é bom comprar deles, mas evitem-se as más companhias. O comunismo chinês, embora “podre de rico”, não é menos apaixonado pelo poder, nem menos genocida do que os demais experimentos análogos. Apenas é mais esperto e errou menos, dentro do grande erro que é o comunismo. Hoje transmite sua experiência para o Vietnã e para Cuba: Partido Comunista como partido único, capitalismo e ditadura.

 Por isso, não é demasiado lembrar os séculos durante os quais o Oriente, envolto em mistério, suscitava temores. Nada a ver com os muitos povos que compõem a população chinesa, mas tudo a ver com o poder político local e o poder financeiro internacionalmente exercido pelo regime que controla o país. Se o capitalismo fez bem à economia e vai tirando da pobreza centenas de milhões de chineses, a ditadura do PCC ainda não ouviu falar em liberdade de opinião e transparência das instituições. Ao contrário, divulgar o surgimento do coronavírus transformou num inferno a vida do Dr. Li Wenliang.

Não têm a menor credibilidade os números que o governo chinês divulga sobre os efeitos do novo vírus em sua população. O que há algumas semanas era identificado como teoria da conspiração hoje quase dá para autenticar em cartório. Enquanto os disparates estatísticos chineses berram aos nossos ouvidos e sob nossos olhos, a imprensa brasileira não lhes dedica uma notinha de três linhas e só falam no “grande parceiro comercial do Brasil”. Ou seja, é tudo business? Mas quando Bolsonaro expressa sua angústia com a paralisia das atividades é acusado de estar preocupado com a economia e não com as vidas humanas. E eu devo dormir com um barulho desses?

Ontem (27/03), aqui em Porto Alegre, numa imensa carreata com mais de cinco quilômetros, empresários, autônomos, comerciantes e prestadores de serviços clamavam pela reabertura de seus negócios. Eram pessoas responsáveis, chefes de família, com idosos de sua afeição, unidas para a defesa do direito de proverem seu sustento.

Também ontem, João Dória, “o rebelde” almofadinha, a mais estampada antítese de Bolsonaro, novo queridinho da mídia nacional, após armar um circo contra o presidente da República, conclamou a poderosa indústria paulista a se manter ativa. Business!  A grande imprensa brasileira assumiu-se com partido político de oposição. Dedica-se exclusivamente a criticar o governo, exigindo que ele faça tudo para todos. E que faça já. É a coisa mais parecida com o PT que já se criou no Brasil.


Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A nova privatização - Nas Entrelinhas

Luiz Carlos Azedo 

“A ‘malaise’ das estatais não é só consequência da incompetência na gestão, mas do fato de que desvia o foco dos partidos de sua principal missão: promover o bem comum”

O governo anunciou ontem seu programa de privatizações, no qual foram incluídas nove estatais, após reunião da secretária de Parcerias Público-Privadas, Martha Seiller, e do secretário de Desestatização, Salim Mattar, com o presidente Jair Bolsonaro. Telecomunicações Brasileiras S/A (Telebras), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios), Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa Gestora de Ativos (Emgea), Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) e Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF) serão vendidas.

Ao apresentar o programa, Mattar revelou a intenção de promover a maior queima de ativos da União possível, privatizando creches, presídios e parques, mas não explicitou qual será a forma de privatização. Caberá ao BNDES elaborar o programa, examinando as condições de mercado e as possibilidades reais na atual conjuntura econômica. Há privatizações e privatizações. Os argumentos a favor da venda de ativos são verdadeiros. O país não tem como financiar investimentos na modernização de nossa infraestrutura sem a venda de ativos e a entrega de serviços à exploração das empresas privadas. Além disso, a maioria das empresas estatais esteve a serviço dos partidos políticos, que miram seus próprios interesses e não os da sociedade. O problema é como isso será feito.

A narrativa ultraliberal do governo, ao apresentar o programa, tende a reproduzir a velha polarização esquerda versus direita, ou seja, o embate entre um projeto nacional desenvolvimentista e o modelo neoliberal. É a mesma narrativa dos anos 1980, quando Margaret Tatcher, a primeira-ministra conservadora, reformou a economia britânica. Essa polêmica parecia ultrapassada depois das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo assim pautou as eleições presidenciais até 2014. É muito provável que seja um assunto vencido, como foi o caso da reforma da Previdência, mas seu marco regulatório, ainda não. Esse é o debate aberto na comissão especial da Câmara que discutirá o modelo de concessões, parcerias público-privadas e privatizações, cujo relator é o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

Governança
O Estado de bem-estar social e o sistema político representativo entraram em crise a partir da terceira revolução industrial, já estamos na quarta. O problema é que isso pôs em risco a democracia. A ligação entre liberalismo econômico e democracia liberal nunca foi automática. Muito menos a globalização é sinônimo de avanço da democracia. A ideia de que a democracia é um credo universal associado ao capitalismo também é falsa. Há uma corrida mundial entre o Ocidente e o Oriente para reinventar o Estado, cujo objetivo é modernizar a economia e não necessariamente aperfeiçoar a democracia. Não se pode dizer, por exemplo, que os Estados Unidos (uma democracia liberal) estão se saindo melhor nessa corrida do que a China (uma ditadura comunista).

A  “malaise” das estatais não é só consequência da incompetência dos políticos na sua gestão, mas do fato de que a administração de empresas e de serviços desvia o foco dos partidos de sua principal missão: promover o bem comum. O resto é consequência. A gestão da nossa riqueza pública estará no centro desse debate sobre as privatizações. A esquerda demoniza o uso de mecanismos de mercado para melhorar a situação do Estado. A direita demoniza o uso do Estado para lidar com as falhas do mercado. Enquanto isso, as empresas de tecnologia estão reinventando o mundo.

A solução adotada pela Suécia é um “case” das privatizações: retirar a governança dos ativos públicos das mãos dos políticos e passá-los à gestão de profissionais gabaritados. A criação de holdings para administrar os ativos públicos é uma experiência bem-sucedida em países como Finlândia, Áustria, Reino Unido e Alemanha. A Suécia adotou um modelo fragmentado, no qual os donos originais mantiveram seus ativos em várias holdings; a Finlândia optou por centralizar os ativos numa só holding. Em ambos os casos, a gestão foi confiada a profissionais de mercado, sem interferência política, com um modelo de gestão semelhante aos modelos dos bancos centrais e dos fundos de pensão.

O caso do Deutsche Bundespost da Alemanha é dos mais emblemáticos. Em 1995, a empresa foi transformada em três sociedades anônimas. Hoje, o Deutsche Post atua em 220 países, emprega 480 mil pessoas e movimenta 55 bilhões de euros. A nossa riqueza pública é muito maior do que a dívida pública; administrá-la melhor poderia ajudar a resolver o problema do endividamento, ao mesmo tempo em que financiaria o crescimento econômico. O mais importante não é necessariamente a propriedade, é o rendimento dos ativos públicos. Melhorar a gestão desses recursos é fundamental para o equilíbrio fiscal. Mais ainda para combater a corrupção e fortalecer a democracia.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB 


sexta-feira, 24 de maio de 2019

A política das redes sociais

“Os políticos que emergiram das redes sociais, inclusive presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional

Foi-se a época em que a política era monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados pelas redes sociais na formação da opinião pública.


O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.

Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.

A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.

Volatilidade
É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.

A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático, mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.

Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião, influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

 

domingo, 16 de outubro de 2016

"O fim de ano será muito ruim nos estados e no DF",diz Rodrigo Maia [presidente 'estepe' da Câmara dos Deputados, até fevereiro próximo.]

"Daqui a pouco, vai ter dinheiro só para a Previdência", diz Rodrigo Maia

Presidente da Câmara reforça a necessidade de mudanças nas regras de aposentadoria e prevê piora nas contas públicas dos estados

Rodrigo Felicito Ibarra Epitácio Maia, 46 anos, está presidente do Brasil com a viagem de Michel Temer ao Oriente. Parece, entretanto, ter a exata dimensão do poder de fogo neste período. “Claro que é uma honra presidir o país por uma hora, quanto mais uma semana, mas não vamos tomar nenhuma decisão que não esteja colocada.” Se, no Planalto, Maia vai cumprir o protocolo do chefe do Executivo, na Câmara, onde é o comandante, ele tem o próprio plano, anunciado com os partidos do governo e da oposição. “As agendas são poucas, mas importantes e de difícil compreensão. Não dá para inventar”, disse ele, elencando o segundo turno do teto de gastos, o texto do pré-sal e as reformas política e da Previdência, o principal desafio do governo Temer, que Maia tenta adiar para depois das eleições municipais, e até agora tem conseguido. “Eu acho que o governo pode encaminhar a hora que quiser, só acho que agora vamos ter duas brigas, é besteira”, afirmou o deputado em entrevista ao Correio, na última quinta-feira. Entre uma olhada e outra no celular de forma frenética, falou também sobre a crise nos estados, impeachment, Eduardo Cunha, Brasília e o futuro do DEM, o partido que voltou ao centro das decisões com a saída de Dilma Rousseff.

Passado o teto de gastos, no primeiro turno, quais os próximos passos?

As agendas são poucas, mas importantes e de difícil compreensão. Não dá para inventar. Terminamos outubro com o pré-sal e o teto. Depois, o governo deve encaminhar a Previdência, que vai gerar muita discussão. Todo mundo precisa estudar a questão, ver as alternativas na Previdência pública e privada. É importante que possamos estar preparados para esse debate fundamental. É a reorganização do Estado brasileiro, o equilíbrio das contas que inclui o orçamento fiscal. Vamos entrar com uma pauta, combinada com o Senado, da reforma política, que, esperamos, avance durante o mês de novembro. Ficamos com a parte infraconstitucional, com as leis, e o Senado ficou com a PEC da cláusula do desempenho e fim de coligação.

E vai dar certo desta vez? A pergunta que eu fiz ao Renan foi: “Vocês vão votar a PEC do financiamento privado? Não?”

Então, se não vão, tem que se pensar qual sistema se encaixa nessa nova realidade. Há a ideia de criar um fundo eleitoral porque o partidário, do jeito que está, empodera demais poucas pessoas, os presidentes das legendas. Se vai ter só esse financiamento, majoritariamente, tem que pensar uma fórmula onde se tenha mais transparência sobre como esses recursos são distribuídos. Tem de se encaixar na realidade. É, por isso, que tenho defendido que esse modelo não representa mais ninguém e que, para se encaixar em um modelo de financiamento basicamente público, cabe testar a lista fechada. Ele é mais barato, mais simples de você financiar, não haverá briga. A briga existirá dentro dos partidos para compor a lista. Fora isso, o partido vai ter um percentual do seu fundo para fazer campanha no seu estado.

Ler entrevista na íntegra, no Correio Braziliense, clique aqui

 


terça-feira, 26 de julho de 2016

A boca, Bush e Trump

É espantoso o mal que a estupidez de um só homem pode provocar no planeta

Vivemos um suspense histórico, uma situação de trágicos conflitos descentralizados no mundo todo, principalmente no Oriente Médio. Como isso começou? Alguma coisa ou alguém deflagrou este tempo. Na minha opinião, foi o George W. Bush, nossa besta do apocalipse.  Ele é culpado por tudo que acontece no mundo atual e ninguém fala nele. Bush está pintando quadros em sua fazenda do Texas, enquanto o mundo que ele armou se destroça.

Finalmente, depois de 13 anos dessa vergonha, a Comissão de Crimes de Guerra de Kuala Lumpur, na Malásia, julgou e condenou Bush e Cheney por crimes de guerra. Isso. Claro que não há quem prenda o nefasto elemento. Mas, já é um consolo.  Tudo começou com a absurda invasão do Iraque em 2003.  A invasão do Iraque foi um erro tão grave quanto, digamos, atacar o México por causa do bombardeio a Pearl Harbor em 1941. Aconselhado por seu vice-papai Dick Cheney — um dos piores ratos da América —, Bush mentiu que o Iraque tinha “armas de destruição em massa”.

A partir daí, Bush continuou a construir nosso futuro apavorante. Ele não era um Hitler nem um Mussolini, com seus dogmas psicóticos. Ele era a estupidez destrutiva, com trapalhadas trágicas que não tinham a obstinação sangrenta de loucos, mas a desorientação porra-louca de um bêbado boçal. A partir daí o mundo entrou numa ciranda de horrores. Eu estava lá nos Estados Unidos e vi. Parece loucura, mas tudo começou quando Bill Clinton teve um caso com Monica Lewinsky, aquela estagiária gorda de Washington. Monica fez-lhe um boquete na cozinha da Casa Branca, entre pizzas, enquanto a Hillary dormia. Ela denunciou-o e Clinton, encurralado, mentiu na TV, declarando que nunca tivera relações sexuais com Monica. Mas ela guardara um vestido marcado por esperma do presidente, cujo DNA provava sua atuação. Vexame total para Clinton e quase um impeachment.

Aí, o Al Gore, candidato democrata contra o Bush, ficou com medo de defender o Clinton na campanha, para não ser considerado cúmplice de adultério até por sua esposa. Gore medrou. E Bush foi eleito. Foi nessa época que a direita republicana mais degenerada começou a se articular. Bush foi o pior presidente americano de todos os tempos, uma espécie de Forrest Gump no poder, ignorante e alcoólatra.

Até que um dia, para seu azar e sorte, o Osama Bin Laden derrubou as torres gêmeas no evento mais espantoso do século 21 (até agora...) e deflorou os Estados Unidos, nunca atacados dentro de casa. Não me esqueço da cara do Bush quando lhe contaram no ouvido a tragédia, enquanto ele dava uma palestra para meninos de um colégio. A cara do Bush foi de gesso, paralisada, sem uma rala emoção, sob o olhar das criancinhas em volta. A partir daí, a América quis vingança. Bush virou o “presidente de guerra” comandando a paranoia americana. Bush veio para acabar com todas as conquistas liberais dos anos 60. Só faltava um pretexto; Osama deu-o.

Aí, Bush e Dick Cheney, seu vice, derrubaram o Saddam Hussein, um ditador sunita escroto, mas que servia ao menos para segurar o Oriente Médio com sua intrincada geopolítica fanática e religiosa. [aqui o Jabor acerta; e os que quiserem ler, uma obra escrita com vários anos de antecipação, nos tempos do Bush pai, terão oportunidade de entender as razões que tornavam conveniente a permanência de Saddam Hussein comandando o Iraque, o que levou a 'coalizão' a não invadir o Iraque, depondo Saddam durante a Guerra do Golfo.
A obra magistral, de Frederic Forsyth, O PUNHO DE DEUS, antecipa e explica tudo.

No Oriente, o ódio ancestral contra os USA cresceu como nunca. Isso fortaleceu não só a Al Qaeda como seus filhotes e os homens-bomba floresceram como papoulas, iniciando a série de atentados em Espanha, Inglaterra, Índia, Bali, Boston, Paris e outros que vieram e virão. Errando sempre, Bush cumpriu todos os desejos de Osama, como um lugar-tenente burro. Essa invasão absurda estimulou o terrorismo. Osama morreu, mas sua obra foi bem-sucedida. Bush legitimou-o para sempre. Amigos, esta é a verdade brutal: a gênese do Estado Islâmico está na invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

A América jogou dois trilhões de dólares no Iraque para uma guerra sem vitórias, porque os inimigos eram e são invisíveis. Mataram milhares de americanos jovens e arrasaram um país que hoje já é dominado pelo Estado Islâmico, perto do qual a Al Qaeda é uma ONG beneficente. Somou-se a essa (perdão...) cagada a crise econômica de 2008, provocada pela desregulação total das finanças de Wall Street por Bush, precedido erradamente por Clinton.

E por essas linhas tortas, surgiu o Trump, essa ameaça à humanidade. Como? Eu chego lá...
A globalização da economia e da políticainevitável com a mutação do capitalismo — trouxe uma obrigatória convivência com o “incontrolável”, trouxe o fim de certezas, trouxe uma relativização de valores morais, sexuais, políticos, insuportáveis para a grande massa da estupidez americana endêmica. A paranoia da América não podia suportar tanta democracia. O fim das certezas enlouqueceu o absolutismo fundamentalista cristão. 

Depois começou a era que chamávamos de Primavera Árabe — ridícula ilusão do Ocidente de que os árabes estavam obcecados pela democracia dos Estados Unidos... Rs rs rs...
Obama conseguiu então matar o Osama e foi reeleito. [o que possibilitou mais quatro anos de destruição dos valores morais, sexuais e que agora, com as bênçãos de DEUS, Trump corrigirá.] 
 
Mas, a morte de Osama no Paquistão indispôs mais ainda o Oriente Médio contra nós e fragilizou a liderança dos Estados Unidos como potência. Daí, tudo andou para trás: Irã, Egito, Líbia, guerra da Síria contra seu povo, apoiada claro, pela China e, oba!, pela Rússia da KGB. E hoje estamos nessa briga de foice em quarto escuro, estamos na véspera de novos horrores que não param de acontecer, agora com a terceirização do terror, com o EI oferecendo franquias para os lobos solitários do Ocidente.

Se não tivessem invadido o Iraque, o mundo seria outro. Mas o “se” não existe na História. Foi o que foi. A história é intempestiva e ilógica e as tentativas de dominá-la em geral dão em totalitarismo e ditaduras. A pior estrada foi tomada, como um fim de porre do texano fraco e incompetente. É espantoso o mal que a estupidez de um só homem pode provocar no planeta. Mas, afinal, pergunta o leitor, que que o Trump tem a ver com isso?
É simples; ele nasceu da boca de Monica Lewinsky, em 1997, durante aquele devastador “boquete” que mudou o mundo. E que pode destruí-lo, um dia. [não devemos olvidar que a senhora Hillary foi responsável quando aceitou ser alcoviteira do próprio marido.]

Fonte: Arnaldo Jabor - O Globo