Um empresário de Itapeva, no interior de São Paulo, recebeu pelo
Facebook
uma solicitação de amizade enviada pelo perfil de uma mulher. Ela
mandou fotos íntimas e pediu que ele fizesse o mesmo. No dia seguinte, o
homem recebeu mensagem de um suposto advogado que estaria representando
os pais da jovem, dizendo que ela era uma adolescente de 13 anos. Ele
pediu que o homem, de 58 anos, fizesse transferências em dinheiro para
que não fosse denunciado por pedofilia. Uma alta quantia foi repassada
e, quando houve novo pedido, o empresário procurou a polícia.
O golpe do nude ou “sextorsão” – troca de fotos íntimas, seguida de chantagem financeira – vem crescendo e ganhando novas versões pelo País. O Tribunal de Justiça
de São Paulo (TJSP), onde esse caso foi julgado, disse que, embora não
haja estatística, há diversos processos com condenação referentes à
divulgação de fotos íntimas e à chamada “sextorsão”, com decisões
frequentes no tribunal. Muitos casos tramitam sob segredo de Justiça por
envolver menores.
As
possíveis vítimas são garimpadas em redes sociais. O golpista cria um
perfil falso, inventa um nome e envia solicitação de amizade para a
vítima, a quem convence a trocar fotos íntimas. Na modalidade mais
comum, após a troca de fotos e mensagens de cunho sexual, entra em cena
outro golpista se fazendo passar por pai da suposta jovem, alegando que
ela é menor de idade. É quando acontece a extorsão.
O
golpista pede dinheiro para não expor as imagens e conversas nas redes
sociais ou enviá-las para familiares, como a esposa da vítima. Em alguns
casos, os criminosos se passam por policiais. A Meta, dona do Facebook,
WhatsApp e Instagram, informou que remove imagens sexuais para impedir o
compartilhamento de conteúdo de menores de idade ou não consensual (leia mais abaixo).
Segundo
o promotor de Justiça Hamilton Gianfratti Junior, que denunciou os
criminosos no caso de Itapeva, os integrantes do grupo eram do Rio Grande do Sul
e se passaram por delegados de polícia, e até por um promotor de
Justiça gaúcho para pressionar a vítima. No dia 27 de março deste ano, a
Justiça paulista condenou nove integrantes da quadrilha a penas de 19 a
22 anos de prisão.
Os
réus foram condenados pelos crimes de organização criminosa, com pena
aumentada pelo envolvimento de adolescente, exploração sexual de menor
de 18 anos e divulgação de fotografias e vídeos com cena de sexo ou
pornografia envolvendo crianças e adolescentes.
Golpes em 12 EstadosEm maio deste ano, a
Polícia Civil do Rio Grande do Sul prendeu e denunciou ao Ministério Público 89 pessoas envolvidas em um grande esquema de ‘sextorsão’ coordenado desde as penitenciárias, com o envolvimento de facções criminosas.
A
investigação apurou que os golpistas chegaram a simular o ambiente de
uma delegacia de polícia, com delegado e investigador, para dar ares de
veracidade à fraude. Os policiais tinham fotos e nomes reais, retirados
de redes sociais. Conforme
a delegada Luciane Bertoletti, na maioria das vezes, após o recebimento
de valores, o golpista voltava a exigir dinheiro alegando que, devido
ao “assédio”, sua filha necessitava de tratamento psicológico.
Em
um dos casos analisados, o suspeito exigiu valores altos para compensar
a morte da “filha”, que teria cometido suicídio devido aos graves danos
psicológicos que sofreu. Foram identificadas outras 51 vítimas do golpe
em 12 Estados e algumas relataram prejuízos superiores a R$ 30 mil. A
investigação durou mais de um ano e resultou ainda no bloqueio de R$ 7
milhões em contas bancárias dos suspeitos. Em uma das contas, da mulher
de um preso, foi constatada a movimentação de mais de R$ 350 mil em seis
meses.
A
Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo disse que não tem
um recorte em seus dados estatísticos para a “sextorsão”, já que o
crime é registrado como extorsão, que inclui outras modalidades de crime
contra o patrimônio. A Polícia Civil de São Paulo, no entanto, já
incluiu o crime de “sextorsão” na lista de delitos praticados por meios
eletrônicos, o que indica que os casos estão ganhando relevância no
cenário policial.
Nos
tribunais de Justiça também não há estatística envolvendo a “sextorsão”
pois o termo é recente e não consta na tabela processual do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), o que dificulta o levantamento. Alguns casos
chegaram a ser divulgados no site do TJSP, como o de um homem que
utilizou perfil no Instagram para ameaçar a ex-namorada, em 2021. O
acusado enviou mensagens ao novo companheiro dela dizendo que tinha
fotos do casal em situações sexuais e que as divulgaria caso o rapaz não
lhe pagasse R$ 1 mil.
Depois
foi descoberto que o acusado obteve as imagens porque tinha acesso ao
armazenamento em nuvem da ex. A defesa do acusado alegou que a extorsão
não foi consumada, pois o namorado não pagou a quantia. A 1.ª Câmara de
Direito Criminal manteve a condenação do réu a quatro anos de prisão em
regime aberto.
O
TJ entendeu que, para a consumação do crime de extorsão, não é
necessário que o agente obtenha de fato a vantagem econômica pretendida.
Os nomes não foram divulgados para não expor a vítima. Em
março deste ano, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a pena
de um casal acusado de extorquir R$ 6,8 mil de um homem, com o golpe de
nudes, no município de Corupá. A jovem entrou em contato com a vítima
através de um perfil falso no Facebook e enviou fotos íntimas ao homem
pedindo retribuição.
No
dia seguinte, um suposto advogado ligou para o homem dizendo que a
jovem era menor, havia “apanhado da mãe” devido ao teor das conversas e o
denunciara ao Ministério Público por pedofilia. Disse ainda que detinha
fotos da família – esposa, genro e netos – da vítima e ameaçou mandar
as conversas para eles. O homem, que estava em uma penitenciária quando
cometeu o crime, foi condenado a 10 anos de reclusão e a mulher, a mais
de seis anos.
Contas de laranjasConforme a advogada Thais Molina Pinheiro, especialista em Direito Penal e Digital, a prática configura crime de extorsão e pode ser denunciada à polícia, mas nem sempre as vítimas o fazem. Ela lembra que a pena prevista para o crime de armazenar imagens de pornografia infantil é de até 4 anos de reclusão.
Segundo
ela, as pessoas que caem nesses golpes dificilmente conseguem recuperar
o dinheiro. “Existe a possibilidade de requerer o congelamento dos
valores da conta bancária beneficiada pelo crime, mas a recuperação do
valor costuma ser difícil na prática, uma vez que as contas utilizadas
pelos criminosos normalmente pertencem a laranjas. Assim que os valores
são depositados, são transferidos para diversas outras contas também em
nome de laranjas. O destinatário final costuma ser difícil de
identificar”, explicou.
(...)
Como evitar o golpeEvite compartilhar fotos e vídeos íntimos;
Evite manter fotos e vídeos íntimos em seu celular – caso ele seja roubado o criminoso poderá ter acesso a esse conteúdo;
Desconfie de pedidos de amizade vindos de desconhecidos;
Evite participar de chamadas de vídeo com desconhecidos e lembre-se que a imagem da pessoa que você está vendo pode ser falsa;
Tenha sempre antivírus instalado em seu terminal.
Caso tenha sido vítima, o que fazer:
Não apague as conversas mantidas com o criminoso;
Se a conversa ocorreu em rede social, salve o nome do perfil e o link completo (endereço completo que aparece ao se clicar na barra de endereço);
Em caso de contato por telefone, faça uma relação todos os números de telefone utilizados pelo criminoso, contendo data e horário das conversas;
Anote os dados de eventuais contas bancárias informados pelo criminoso;
Em posse de todas essas informações, procure a Delegacia de Polícia mais próxima ou registre um Boletim de Ocorrência Eletrônico através do site da Delegacia Eletrônica.