Chegou a
hora de o presidente Michel Temer qualificar os vários tipos de trigo e
de joio. A reforma da Previdência lhe dá essa oportunidade. Sim, direi
aqui o que eu faria, o que deve explicar, em parte, por que não sou
político, jamais seria e jamais serei. Não tenho estômago de avestruz.
Não engulo pedra. Meu pavio é curtíssimo para a covardia e a
deslealdade, falhas insanáveis de caráter. O que Temer tem de fazer,
pois? Pôr para votar a reforma da Previdência, ainda que o texto possa
ser rejeitado na Câmara por 513 a zero. Chega do véu diáfano da fantasia
(Eça!) sobre a nudez crua da verdade. Quem é quem nesse debate? Quem
quer o quê? Quem está de que lado? Antes que avance, algumas
considerações.
[pitaco do Blog Prontidão Total: presidente Temer, também não desista de obter do STF uma decisão se o senhor pode nomear um ministro - conforme estabelece a Constituição ou precisa que a nomeação seja avalizada pelo Judiciário;
não se trata mais da deputada Cristiane assumir e permanecer ministra, se trata agora de o STF declarar quais trechos da CF tem validade e os que estão lá apenas pro forma.]
O governo
negocia mudanças no texto da reforma. Servidores ainda podem ter algumas
reivindicações contempladas. Também as viúvas de policiais, os
trabalhadores rurais etc. Não deixa de ser peculiar o que fomos fazendo
com a nossa história e com as contas públicas, noto à margem. Querem
ver? As mulheres só se aposentam mais cedo do que os homens, e assim
será também com o novo texto, se aprovado, porque elas têm a chamada
“dupla jornada”. Isso quer dizer que o macho “analfa” não ajuda em casa,
entendem? É machista e folgazão — geralmente com o apoio de sua (dele)
mãe — e machismo de mãe é bem mais difícil de ser enfrentado. Como
sabem, sem mãe, não tem Freud.
E a
Previdência paga o pato. Como é que o Brasil combate a distribuição
desigual de trabalho doméstico entre os gêneros? Ora, assaltando os
cofres públicos! A Amélia, mulher de verdade, não tem a menor vaidade,
mas custa caro. Da mesma sorte, resolvemos outras disfunções apelando ao
caixa — sem fundo e sem fundos. Assim, o folgado que acha que lavar um
prato desabona seus países baixos não será jamais um problema doméstico,
cultural, antropológico ou psicanalítico. O macho “analfa” vira uma
questão previdenciária.
Não
conheço outro político, ou me sugiram um nome no campo da especulação
teórica ao menos, com capacidade de sobreviver às tormentas enfrentadas
por Temer. A lista de feitos em menos de dois anos de governo
impressiona quando se considera o buraco em que estávamos e o lugar em
que estamos. Reconhecê-lo, desde que se dominem as ferramentas de
análise, deixou de ser matéria de opinião. Trata-se apenas de questão de
fato. Havendo um esquerdista intelectualmente honesto, ele terá de
reconhecer que, “no gênero” — vale dizer: para um governo que não é de
esquerda —, os feitos são notáveis. A reforma
da Previdência é a peça que falta para que a menos se atravesse o umbral
que nos leva ao futuro. Não há mal que a corrupção e a roubalheira
possam fazer — e têm de ser combatidas sem trégua — que o rombo nas
contas públicas não multiplique, sei lá, dezenas de vezes.
Saiba o
senhor presidente que, em qualquer caso, as manchetes estão feitas. Ou
será (com variações de estilo) “Temer é derrotado e retira reforma da
Previdência” ou “Câmara derrota Temer e rejeita reforma da Previdência”.
Em qualquer caso, o dólar vai subir, as bolsas vão cair, uma onda
pessimista varrerá o noticiário e o país, mas nada, acho eu, que vá
abalar o crescimento deste ano, que deve ficar em torno de 3,5%. Como
afirmei aqui há meses, para o governo Temer, a reforma é irrelevante.
Ela conta uma história do futuro, não do presente ou do passado.
Sim, se me
der na telha, dou dicas ao Vaticano— já corrigi, e com acerto, uma
tradução troncha da Santa Sé do latim para o português, o que foi
reconhecido depois. Assim, por que não dizer a Temer o que eu faria?
Digo. Levaria o texto à votação, convocaria Rede Nacional de Rádio e
Televisão antes e depois do resultado (qualquer que seja), deixaria
claro o que está em jogo, a quem cabe a decisão e quem arcará com o ônus
e o bônus da aprovação e da recusa.
E que se
revelem os corajosos e os covardes, os leais e os desleais, os omissos e
os comprometidos com a causa e com as contas. Não se trata de uma
questão pessoal. Aprovada a reforma, Temer e o Congresso deixam um
legado e tanto ao próximo presidente. Se for recusada, que se evidencie
que não faltou empenho do Planalto. “Pra que isso, Reinaldo?” Ora, por
apreço à precisão. Que os irresponsáveis e os omissos, incluindo os
pré-candidatos que andam por aí, ou mudos ou a falar bobagem, respondam
por seus atos.
Blog do Reinaldo Azevedo
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