Em nova tentativa de evitar a prisão do seu cliente, os advogados de Lula protocolaram um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. Nele, pedem que o ex-presidente petista possa recorrer em liberdade contra a condenação a 12 anos e 1 mês de cadeia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O mesmo pedido já havia sido feito ao Superior Tribunal de Justiça, que negou a concessão de liminar, sem julgar o mérito. Uma súmula editada em 2003 estabelece que a Suprema Corte não pode analisar recursos como o de Lula, ainda pendentes de julgamento em outro tribunal superior. Em casos assim, diz a súmula, o pedido deve ser indeferido.
Chama-se
de súmula o documento que anota uma determinada interpretação —unânime ou
majoritária— que acaba se tornando pacífica no Supremo a partir do julgamento
de sucessivos casos análogos. Uma súmula tem dois objetivos. O primeiro é o de
tornar pública uma nova jurisprudência. O segundo é o de harmonizar a atuação
da Suprema Corte, dando uniformidade às decisões dos seus 11 ministros. A súmula
que se aplica ao caso de Lula leva o número 691. Foi aprovada pelo plenário do
Supremo em 24 de setembro de 2003. Está disponível no site da Corte (veja aqui). Anota o
seguinte: “Não compete ao STF conhecer de habeas corpus impetrado contra
decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior,
indefere a liminar.”
Ouvido
pelo blog na noite desta sexta-feira (2), um ministro do Supremo
traduziu a súmula para o português das ruas: “Nos casos em que há apenas
pronunciamento liminar [provisório] de outro tribunal superior, sem decisão
definitiva, o Supremo não pode admitir a concessão de habeas corpus. Em
verdade, o Supremo não deve nem analisar o mérito do pedido, a menos que se
trate de uma situação que nós chamamos de teratológica, bem absurda.”
A
teratologia é uma especialidade médica. Cuida das chamadas monstruosidades e
malformações orgânicas do corpo humano. Na metáfora dos advogados, uma decisão
é chamada de teratológica quando, sob a ótica do Direito, ela é tão monstruosa
que a necessidade de revisão revela-se incontroversa. “Isso é raro”, disse o
ministro que conversou com o blog. “Não parece ser o caso do processo
que envolve o ex-presidente Lula.”
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Lula foi
condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sediado em Porto Alegre.
Por um placar de 3 a 0, os desembargadores da 8ª Turma do TRF-4 confirmaram
sentença de Sergio Moro, juiz da Lava Jato, no caso do tríplex do Guarujá.
Elevaram a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de cadeia. Lula ainda
tem direito a um recurso neste tribunal. No jargão técnico, chama-se “embargo
de declaração.” Serve para requerer esclarecimentos sobre pontos eventualmente
obscuros da sentença. Mas não altera o veredicto.
Os três
desembargadores que julgaram Lula deixaram claro que a execução da sentença se
dará depois que for encerrada a fase de análise do recurso do condenado no
próprio TRF-4. Ou seja, sem prejuízo dos pedidos que sua defesa encaminhará aos
tribunais superiores de Brasília, Lula pode ser preso no complexo-médico penal
de Pinhais, o presídio paranaense que abriga os condenados da Lava Jato. Daí o
corre-corre dos advogados.
O Supremo
se divide em dois colegiados, cada um com cinco ministros. Na Primeira Turma,
respeita-se a súmula 691, que veda a concessão de habeas corpus nos casos ainda
não julgados definitivamente pelo STJ. Ali, excetuando-se o ministro Marco
Aurélio Mello, os outros quatro —Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e
até Alexandre de Moraes— costumam mandar para o arquivo recursos como o que foi
protocolado pelos advogados de Lula, ainda sem decisão definitiva do STJ.
Entretanto,
o pedido de Lula pousou sobre a mesa do ministro Edson Fachin. Relator da Lava
Jato, ele integra a Segunda Turma do Supremo. Ali, a súmula 691 só vale até
certo ponto. O ponto de interrogação. A exemplo da maioria dos seus colegas da
Primeira Turma, Fachin leva a sério a súmula 691. Mas ele se tornou minoritário
em sua turma, pois os outros membros do colegiado —Gilmar Mendes, Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e, por vezes, até o decano Celso de Mello— são mais
concessivos ao julgar pedidos de habeas corpus.
Tomado
pelo histórico de suas decisões, Fachin deve indeferir o habeas corpus de Lula.
Os advogados podem solicitar que a decisão seja submetida à Segunda Turma.
Sabendo-se em minoria, o relator da Lava Jato deve jogar o julgamento para o
plenário do Supremo. Fachin já fez isso num caso bem menos rumoroso, envolvendo
o ex-ministro petista Antonio Palocci. Adeptos da política de celas abertas,
seus colegas de turma chiaram. Mas o regimento interno do Supremo autoriza o
relator a aumentar o número de cabeças responsáveis pela sentença.
No caso
de Lula, não será difícil para Fachin argumentar que um recurso que tem como
pano de fundo a prisão de um ex-presidente da República é tão relevante que não
pode ser analisado senão pelo plenário do Supremo. No início da semana, num
jantar com empresários e jornalistas, Cármen Lúcia, a presidente da Suprema
Corte, disse que o tribunal vai se “apequenar” se usar a condenação de Lula
para alterar a regra que autoriza a prisão de condenados em primeira e segunda
instância.
O pedido
de habeas corpus de Lula oferece ao Supremo uma oportunidade para informar ao
país de que matéria prima é feito. Justiça ou compadrio?, eis as opções. Para
livrar Lula antecipadamente da cadeia, o Supremo terá de transgredir um
princípio processual básico: o postulado da hierarquia do grau de jurisdição.
Além de atropelar o STJ, mandará em definitivo à lata de lixo a súmula 691, uma
jurisprudência de 15 anos. Nessa hipótese, não podendo elevar a própria
estatura, a banda apequenada do Pretório Excelso rebaixará o pé-direito do
plenário.
Blog do Josias de Souza
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