Enquanto o Palácio do Planalto avança na sua “guerra de posições”, a oposição se baratina numa “guerra de movimentos”, cujo objetivo é atalhar o poder com o impeachment
Uma das dificuldades para a compreensão da situação política
brasileira é definir o caráter do governo Bolsonaro. O fato de ser um
governo com características bonapartistas, ou seja, controlado por
militares e que se coloca acima das classes sociais — numa ordem
democrática, porém, é uma grande jabuticaba. Historicamente, governos
bonapartistas são uma espécie de antessala do fascismo e só existem em
regimes autoritários. Não é o nosso caso, o que faz da situação uma
espécie de esquizofrenia política.
O fato de o presidente Jair Bolsonaro exaltar o antigo regime militar
e, frequentemente, tomar decisões ou ter atitudes que revelam um viés
profundamente autoritário, reforça em muitos setores da sociedade e,
principalmente, nos partidos de oposição, o temor de que trabalhe dia e
noite para resolver essa contradição subvertendo as regras do jogo
democrático. Em qual direção? No rumo de uma espécie de “ditadura do
Executivo”, na qual seu poder subjugasse o Legislativo, o Judiciário, o
Ministério Público, os demais entes federados e os meios de comunicação.
A legitimidade da centralização e verticalização do poder seria dada
pelo fato de que foi eleito, ou seja, seria esse o desejo da maioria dos
eleitores.
Há países cujos governos foram eleitos, mas seus chefes de Estado
operam de forma autoritária: Rússia, Turquia, Egito, Cingapura,
Filipinas, Índia etc. Esse é um cardápio de opções institucionais
bastante variado, mas todas confrontam a Constituição brasileira de
1988. Alguns desses países se destacam, na corrida mundial para
reinventar o Estado, por alcançar padrões de modernização compatíveis
com integração ao processo de globalização e a revolução tecnológica em
curso. O caso de Cingapura é exemplar, porque tem um governo altamente
eficiente e um regime de partido majoritário que servem de inspiração
para os líderes chineses, que estudam seu modelo na escola de formação
de quadros do Partido Comunista.
Esses temores da oposição em relação a Bolsonaro, num ambiente de
agravamento da crise sanitária e recessão da economia, leva muitos a
acreditar que o presidente da República aposta no caos para dar um golpe
de Estado. Seu negacionismo em relação à pandemia da covid-19 e à
eficácia das vacinas, a falta de empatia com as vítimas da pandemia, a
subestimação de seu impacto nas atividades econômicas e a ausência de um
programa claro de saída desta crise somam-se a atitudes e declarações
políticas contra a urna eletrônica e suspeita, sem quaisquer
fundamentos, de que teria havido fraude nas eleições de 2018. Isso
reforça na oposição o sentimento de que é preciso afastar Bolsonaro do
poder antes que seja tarde, quando nada porque já é grande o rol de
fatos que podem ser caracterizados como crime de responsabilidade. Para
esses setores, o impeachment é a melhor alternativa, ainda que isso
signifique aumentar o tamanho da patente da jabuticaba, porque no lugar
de Bolsonaro assumiria o general Hamilton Mourão, seu vice eleito.
Estratégias
Na política propriamente dita, porém, esse não parece ser o rumo
verdadeiro do governo Bolsonaro. Houve uma mudança de estratégia muito
significativa do primeiro para o segundo ano de governo, na qual a
confrontação permanente com os demais Poderes, inclusive, com a
mobilização de seus apoiadores mais radicais e truculentos, foi
substituída por uma política de construção de uma base parlamentar
robusta, que começou como uma atitude de resistência contra um eventual
pedido de impeachment, mas acabou se transformando na articulação de uma
base parlamentar majoritária no Congresso. A eleição de Rodrigo Pacheco
(DEM-MG) como presidente do Senado e do deputado Arthur Lira (PP-AL),
da Câmara, coroou esse trabalho de articulação política, cujos
principais artífices foram os militares que ocupam o Palácio do
Planalto, entre os quais o ministro Luiz Eduardo Ramos, secretário de
Governo, e os líderes do Centrão, cujos partidos saíram bastante
fortalecidos das eleições municipais.
Objetivamente, houve uma aposta do governo Bolsonaro na política. O
Centrão existe desde a Constituinte, que, em alguns momentos, deu as
cartas na Câmara, em outros, não. As vitórias acachapantes do DEM no
Senado e do PP na Câmara, se olharmos para o resultado das eleições
municipais, são frutos de uma mesma trajetória de acumulação de forças
desses dois partidos, que miram as eleições de 2022. Mesmo que fomente
uma militância armada, frequentando formatura nos quartéis e adulando
corporações violentas, Bolsonaro ainda aposta na própria reeleição, o
que pressupõe caminhar no leito da ordem democrática. [tanto que todas as decisões do presidente Bolsonaro, expressam a vontade soberana dos seus eleitores - quase 60.000.000 de votos, referendada pela aprovação da maioria do Congresso - formada por legítimos (eleitos) representantes do povo = o que reforça a legalidade das decisões.] Mesmo que o
cenário não lhe seja tão fácil, em razão dos desgastes que vem sofrendo,
até agora todas as pesquisas apontam sua presença no segundo turno das
eleições presidenciais.
Enquanto o Palácio do Planalto avança na sua “guerra de posições”, a
oposição se baratina numa “guerra de movimentos”, cujo objetivo é
atalhar o poder com o impeachment, como se isso fosse possível sem o
apoio do Centrão e o doce constrangimento do vice-presidente Hamilton
Mourão e dos militares que, hoje, controlam o governo. As dificuldades
de êxito dessa estratégia, melhor dizer, desse taticismo, foram
demonstradas nas eleições da Câmara, onde a oposição sofreu uma derrota
acachapante. O impeachment é um julgamento político, no qual não bastam
os crimes de responsabilidade, [provados - a prova é tão importante que até o presidente da OAB, que não se alinha entre os defensores do capitão, reconheceu em recente entrevista a necessidade da verificação do crime; houvesse outra alternativa, aquele advogado jamaisfaria tal reconhecimento .]há que se ter uma correlação de forças
sociais (mobilização popular) e políticas (maioria parlamentar)
favorável. Não existe uma coisa nem outra. O leito natural da
alternância de poder é a eleição. Melhor faria a oposição se definisse
logo seus candidatos a presidente da República.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense