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domingo, 18 de fevereiro de 2018

Vitória de Miami nos anos 1980 dá lição valiosa a interventores

Especialistas alertam para importância de planejamento estratégico e ações sociais

A experiência de Miami, que conseguiu sair do fundo do poço na área da segurança pública, pode ajudar o Rio neste momento crítico. O combate à violência na principal cidade da Flórida nos anos 1980 também contou com uma espécie de intervenção federal, mas essa foi apenas uma das ações que ajudaram no renascimento do lugar. E se há algo que todos os especialistas e historiadores concordam é que não existe solução mágica, rápida ou salvadores da pátria.

Miami, assim com o Rio atualmente, vivia uma espécie de “tempestade perfeita”: crise econômica, forte tráfico internacional de drogas, bairros inteiros completamente segregados, conflitos raciais, chacinas em série e uma invasão de imigrantes cubanos, colocando ainda mais pressão na frágil estrutura social. Foi nesta época, bem retratada na série de TV “Miami Vice”, que a cidade ganhou o triste apelido de “paraíso perdido”. O temor de andar pela cidade se assemelhava à tensão que hoje existe em uma simples passagem por uma estrada ou túnel carioca. Pequenos crimes cresciam à sombra da falta de segurança generalizada.
— Circulava por toda Miami com a minha bicicleta em 1980, com 19 anos. Um dia, saindo de minha casa em Coral Gables, um rapaz, também de bicicleta, levou minha bolsa. Sem pesar, o segui, atrás de meus documentos. Acabei entrando em um dos bairros segregados racialmente. De tanto gritar, ele largou meus documentos. Rapidamente, apareceu um policial dizendo que eu não poderia ficar ali, que não era seguro e que havia sido decretado estado de emergência. Por muito tempo, vivíamos uma espécie de toque de recolher, só saíamos durante o dia. Pensávamos por onde passaríamos — contou a carioca Júlia Hirst, formada em relações internacionais e que agora trabalha em um museu em Miami. — Hoje a sensação de segurança é muito maior. Claro que a situação não é perfeita.

A luta de Miami parecia inglória: uma polícia desacreditada e com muitos casos de corrupção numa cidade conflagrada por brigas entre gangues e conflitos raciais. A economia em frangalhos, com indústrias abandonando a região por causa da violência. Foi, então, que o governo federal decidiu declarar guerra contra as drogas e replicou parte das ações que já mostravam sucesso em Nova York. Ao mesmo tempo em que a Guarda Nacional chegava a Miami para intervir nas questões raciais, o estado da Flórida enviou reforços de sua polícia, enquanto a força de segurança da cidade — nos EUA, a polícia municipal é a mais importante — começou um lento trabalho de conexão com a população, que voltou aos poucos a acreditar nos guardas e a ajudar na patrulha dos bairros.  — A vida das famílias era igual à do Rio hoje. A gente tinha muita preocupação com o dinheiro, preocupação no sinal de trânsito. Ninguém saía à noite direto, era uma tensão grande — disse o advogado carioca Luiz Braga, que nos “tempos ruins” de Miami tinha uma empresa na cidade. — Mas o interessante é que tudo mudou rapidamente. Acho que por causa da força de uma cidade turística. Quando saí de lá, em 1997, o clima já era outro, as pessoas não tinham mais aquela preocupação.

AGENTES À PAISANA
Braga conta que, até no início dos anos 1990, era perigoso andar até nas áreas turísticas. Mas que a atuação da Guarda Nacional deu resultado. 

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E que não era apenas um policiamento ostensivo, havia muitos agentes à paisana, para entender como as gangues funcionavam.
— Foi uma ação longa e trabalhosa. A intervenção da Guarda Nacional só funcionou porque tinha colaboração e troca de informações com as outras forças policiais — conta o historiador Paul George, especialista no desenvolvimento do Sul da Flórida. — Não houve mágica, mas trabalho persistente da polícia, colaboração entre diversos níveis de governo e esforço intenso para prender os narcotraficantes.

Mas não bastava reprimir. Para que a estratégia tivesse sucesso, foi feito um trabalho com o Judiciário, para evitar a impunidade. Assim como ocorre hoje com a corrupção entre os políticos no Brasil, a delação premiada foi fundamental: assim que os primeiros vendedores da ponta da cadeia da cocaína foram presos e entenderam que teriam punição severa, começaram a delatar toda a quadrilha para conseguir alívio em suas condenações. Assim, com trabalho de inteligência, chegou-se às cúpulas do tráfico.

Aos poucos, a polícia começou a recuperar áreas inteiras da cidade onde antes não podia entrar, em uma conquista de territórios que estava por trás do projeto das UPPs. Mas toda essa estratégia pode ir por água abaixo, se não houver uma outra visão do problema. Investir fortemente em temas sociais também foi crucial para resolver a situação. A visão é que era necessário dar outras oportunidades para uma legião de jovens que, até então, encontravam no tráfico e no crime o único meio de vida.  — A gente precisou descobrir a causa da violência, o que levava os jovens a isso — disse ao GLOBO Enid C. Pinkney, fundadora e presidente da Historic Hampton House, que, com seus 85 anos, é considerada uma autoridade que viveu e documentou toda a evolução de Miami. — Precisávamos de boa educação, empregos, oportunidades. Era necessário se comunicar com estas pessoas, enfrentar a violência como uma questão social.

FOCO NO PLANEJAMENTO
Mesmo assim, o trabalho era lento e sujeito a recaídas — a Guarda Nacional voltou a atuar em Miami entre 2000 e 2003 e, apesar de ser incomparável com a violência brasileira, o lugar ainda registra indicadores de segurança um pouco piores do que os de outras grandes metrópoles americanas. Mas o renascimento da cidade contou com a ajuda de um governo federal interessado no tema, um boom econômico (motivado pela indústria de construção que, segundo muitos, foi um caminho percorrido por criminosos, mas que acabou gerando crescimento e oportunidades) e pelo uso correto da imagem, de um local de charme, que atrai o turismo.
— Por incrível que pareça, a série “Miami Vice”, mundialmente famosa, ajudou Miami. Mostrava violência, mas também encantava com o glamour. Muita gente começou a vir para cá por causa da série. Uma das lições que a cidade pode dar ao Rio é: celebre o que você tem de bom, foque no diferencial. Mudar uma imagem associada a coisas más, depois, é muito difícil — afirmou o diretor-executivo do Museu da História de Miami, Jorge Zamarillo, em setembro.

Erick Langer, professor de história da Georgetown University, em Washington, afirma que a intervenção gera riscos. Se não houver um bom planejamento estratégico, com visão de longo prazo e ações sociais, em vez da história de sucesso de Miami, o Rio poderá ter a experiência mexicana, que, após usar as forças armadas para a segurança interna, viu a violência piorar:— O uso do Exército para a segurança de uma grande cidade pode até piorar a situação no longo prazo, pois essa medida pode aumentar o descrédito das forças policiais, justo no momento em que ela precisa voltar a ter a confiança da população, sem a qual não se resolve o problema. A polícia pode sair ainda mais débil. É preciso coordenação.

Langer lembra, por exemplo, que as Forças Armadas, em si, não resolverão o grave problema da impunidade no Brasil, ou seja, que a medida precisa ser tomada junto com uma profunda reforma de outros setores, como a Justiça criminal:  — Além disso, medidas como esta podem indicar que os militares são os únicos que podem salvar o Brasil. Isso é perigoso, pois os militares podem acreditar que são mais capazes e quererem voltar a resolver as questões da política. [a impunidade não é tanto culpa da Justiça criminal; óbvio que temos juízes que são contra prender bandidos e usam qualquer 'brecha' na lei para mandar o marginal para casa;
a responsabilidade maior são das leis, já que a Justiça criminal tem que seguir os ritos estabelecidos nas leis, aplicar as penas estabelecidas nas leis.
O que é preciso é mudar este conceito de penas leves para evitar superlotação de presídios, de conceder grande importância a direitos humanos para bandidos, impedir que um bandido fique preso mais de 30 anos consecutivos.
As penas precisam ser mais severas e cumpridas integralmente. Se o indivíduo foi condenado a um total de penas que atinge 50 anos, ele não pode nem pensar em pleitear liberdade antes de ter cumprido, no mínimo, 30 anos da pena cominada - cumprido este prazo, tendo bom comportamento carcerário, poderá até ser avaliado uma liberdade provisória, sendo tudo analisado de acordo com um rito lento e que garanta que o preso antes de conseguir a liberdade provisória fique mais uns cinco anos preso.
Prisão com trabalhos forçados é outra medida que se impõe;
prisão perpétua é outra medida necessária;
pena de morte para crimes hediondos e casos de reincidência em crimes graves é uma alternativa que precisa ser aproveitada.
o criminoso precisa ter em conta que cometeu um crime receberá uma punição e que a mesma será cumprida;
ter em conta que se tiver já crimes que lhe garantam uma soma de de condenações igual a 100 anos, dificilmente será libertado antes de ter cumprido preso (reclusão mesmo) no mínimo 50 anos;
mostrar ao criminoso que a reincidência em um crime além de implicar a aplicação de uma pena maior do que a aplicada no crime anterior, terá um complemento de parte ser cumprida em regime de trabalhos forçados.]

O Globo

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