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sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Atraso secular - Merval Pereira

Sobre 2ª instância, atraso secular


A discussão que começou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre prisão em segunda instância repete o que ocorreu em 1827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos, jornalista e deputado do Império, subiu à tribuna para criticar o que considerava um excesso de recursos no sistema judicial brasileiro. Passaram-se 192 anos, e ainda não chegamos a uma conclusão.

A mudança da jurisprudência em pouco tempo é outro obstáculo para uma decisão sensata. A prisão em segunda instância foi proibida apenas em 2009, quando passou a vigorar o entendimento de que somente depois do trânsito em julgado poderia ser decretada a prisão de um condenado.  Em 2016, formou-se uma nova maioria a favor da volta da jurisprudência que permitia a prisão em segunda instância, que prevalecera muitos anos antes da mudança.

Agora, querem mudar novamente, pois o ministro Gilmar Mendes fez a maioria de um voto pender para o trânsito em julgado. Tudo indica que no próximo ano, quando o ministro Celso de Mello, favorável ao trânsito em julgado, se aposentar, a maioria poderá mudar novamente, dependendo de quem o presidente Bolsonaro indicar para o STF. E pode mudar novamente no ano seguinte, quando o ministro Marco Aurélio Mello, também favorável ao trânsito em julgado, for substituído.

 Essa profusão de instâncias recursais é herança de nossa colonização portuguesa, quando chegou a haver quatro ou cinco instâncias: a primeira, uma segunda, que era o Tribunal da Relação, uma terceira, a Casa da Suplicação, uma quarta, o Supremo Tribunal de Justiça, que originou o STF, e a graça Real, o último recurso ao Rei.

Bernardo de Vasconcelos, autor do projeto legislativo do Código Criminal do Império, em vigor em janeiro de 1831, defendia que os recursos não deveriam suspender a condenação, exceto em pena de morte: “o contrário é estabelecer o reinado da chicana”.

A constituição de 1824 e o sistema recursal do Império só admitiam duas instâncias, a do juiz monocrático e a do tribunal da relação como corte de apelação. Reagia-se contra o excesso de recursos do Antigo Regime visto como garantidor de privilégios e impunidade.

Hoje, temos quatro recursos, o último sendo ao STF, o nosso Rei. A grande data do Judiciário brasileiro é o 10 de maio de 1808, quando foi criada a Casa de Suplicação do Rio de Janeiro com competência para julgar todos os recursos, inclusive da Casa de Relação da Bahia. Foi quando passamos a ter um judiciário totalmente independente de Portugal, embora baseado no sistema português.
O historiador e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) Arno Wheling foi quem encontrou esse atualíssimo discurso de Bernardo de Vasconcelos, justamente em pesquisa para um livro que está escrevendo sobre a Casa da Suplicação.

O código de Bernardo de Vasconcelos, segundo os estudiosos, representou a primeira codificação criminal autenticamente nacional, definindo princípios hoje consagrados em toda legislação criminal do ocidente: princípio da legalidade, anterioridade, proporcionalidade e cumulação das penas, assim como a imprescritibilidade.  Vários juristas estrangeiros aprenderam português para ler no original o código, que inovou em vários aspectos, até mesmo no tratamento da maioridade penal, que não era abordada por nenhum código ocidental.

Aqui no Brasil, continuamos a discussão sobre quatro instâncias recursais, e quem apóia o trânsito em julgado, defendido ontem pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, alega a injustiça potencial de que um inocente possa cumprir pena. Valeria retardar o processo, pois, para só levar à cadeia quem fosse indiscutivelmente culpado.   O jurista José Paulo Cavalcanti argumenta que, ao mesmo tempo, esses mesmos Ministros do Supremo admitem a prisão provisória. “Na condenação em três instâncias, o processo passou por um juiz, três desembargadores de tribunais estaduais ou federais, e ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nove julgadores, portanto”.

Ainda assim, pela presunção de inocência, deveriam, segundo eles, ficar soltos. Só que, na prisão provisória, vale a decisão de apenas um juiz. Com muitíssimo mais razão não deveriam admitir que alguém possa ficar preso, durante anos até, a partir de um único juiz. “A lógica sugere que com muito mais razão, esse réu jamais deveria ficar preso”, analisa José Paulo Cavalcanti. 


Merval Pereira, jornalista - Coluna em O Globo


sábado, 13 de julho de 2019

‘Quero que o Estado me mate’, diz preso ao pedir para ser executado

[pedido feito para chamar atenção e conseguiu - qualquer um sabe que no pedido não seria, nem será, atendido.]

Condenado a 45 anos de cadeia, doente, ameaçado de morte e desamparado, detento quer ter a vida tirada por meio instituciona

Um detento de uma penitenciária no interior de São Paulo enviou uma carta à revista ÉPOCA para expressar o desejo de morrer. Após a  mensagem, enviada em abril deste ano, ele recebeu autorização para conceder entrevista e contar sua história. “Quero que o Estado me mate. Quero ser o primeiro preso executado do Brasil”, disse o homem de 50 anos, que está no sistema prisional desde 1990. 

Por três horas, falou de seus crimes, da vida desperdiçada na prisão, da família e da vontade de morrer. Pediu que seu nome e rosto fossem revelados, ilustrando o desejo de ser executado pelo Estado. ÉPOCA, entretanto, seguiu a ordem do juiz corregedor, que proibiu a revelação de sua identidade, para preservar não só a ele, mas também a sua família.
“Sei que a Constituição Federal não permite a pena de morte, mas quero começar essa discussão. Sou soropositivo há 33 anos, tenho hepatite C. Minha pena é draconiana, impossível de cumprir. Não estou louco. Tomei essa decisão radical porque estou cansado”, disse o presidiário.

A íntegra desta história está na reportagem de capa da revista Época desta semana: Condenado por homicídio pede para ser executado pelo Estado
“MINHA PENA É IMPOSSÍVEL DE CUMPRIR”  

 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Criticar massacre de preso virou chatice no Brasil



Há uma mutação ética nas cadeias e no Brasil. Dentro dos presídios, o sangue jorra sem culpa. Fora, o incômodo com a matança é condenado por chatice. Dentro, ouve-se o barulho dos membros das facções matando-se uns aos outros. Fora, escuta-se o silêncio da sociedade, grata à bandidagem pelo autoextermínio. Em menos de 24 horas —entre o domingo e a segunda-feira— foram executados pelo menos 55 presos nas cadeias do Amazonas. Alguns foram asfixiados. Outros foram mortos a golpes de cabos de escovas de dente. Dizer que isso é um horror soa ridículo. Por duas razões.

Primeiro porque meia centena de cadáveres parece pouco para os padrões nacionais. Há dois anos rebeliões em cadeias do Amazonas, de Roraima e do Rio Grande do Norte produziram 126 cadáveres. Muitos foram decapitados. Alguns, esquartejados. A segunda razão é que o horror adquiriu entre nós uma naturalidade hedionda. É cada vez menor o número de brasileiros dispostos a esboçar reação. É matança de bandidos? Pois que se matem! De preferência, com requintes de crueldade. Seria injusto atribuir a falência do humanismo ao capitão.

Em 2017, bem antes da disputa presidencial, o Datafolha informara que 57% dos brasileiros concordavam com a máxima segundo a qual "bandido bom é bandido morto." Ou seja, ao eliminar desafetos, as facções criminosas não fazem senão satisfazer a vontade da maioria. Produzem seus carandirus sem a participação da Polícia Militar. Unem útil ao agradável. Defendem seus territórios e seus negócios. E ainda atendem à demanda social por sangue.

Num cenário assim, o discurso encrespado de Jair Bolsonaro virou sentimento médio. O capitão apenas ecoa uma agenda pertencente ao pedaço do Brasil que decidiu viver na Idade Média. Bolsonaro é o efeito. A causa é a perpetuação de um sistema político que não aprendeu a produzir soluções. Na campanha presidencial, em meio a críticas ao Supremo e ao Congresso, Bolsonaro trazia na ponta da língua um plano de governo para lidar com as facções criminosas.

[IMPERIOSO DESTACAR:
- conforme diz o POST já em 2017 ocorriam matanças; 
- que ocorrem desde meados do século passado e à lista mais recente se acrescente o Maranhão, presídio de Pedrinhas, com massacre - portanto, o nosso presidente, que parte da imprensa gosta de acusar de tudo que é ruim - NÃO TEM CULPA nas matanças;
- a cada dia mais se comprova o acerto da máxima: bandido bom é bandido mortoque falta esses bandidos mortos vão causar à sociedade? nenhuma.
 - quanto a sempre citada - sempre com objetivo de transmitir que foi um fato negativo -  ficou provado nos anos seguintes da chamada matança até a desativação da Casa de Detenção, não ocorreram rebeliões no Carandiru e houve reduções em outros estados.  O que mostra, incontestavelmente, que o uso de ações enérgicas na contenção de rebeliões é o mais adequado.

- nenhum pedaço do Brasil decidiu viver na Idade Média - ao contrário, foi o progresso que ao ser seguido pela criminalidade, tornou rotina as matanças entre bandidos. 
- Também não se pode acusar eventual liberalidade no porte de armas; os bandidos mesmo presos conseguem armas e quando não conseguem improvisam.  

- quanto a penas severas para traficantes e usuários é a única solução - aliás, o usuário é a causa do tráfico de drogas, visto que é ele quem causa a demanda e esta é quem gera o tráfico.

- a pena de morte é uma medida extrema mas muitas vezes inevitável - apesar de não ser eficaz, vejam que a Indonésia, em passado recente, executou brasileiros que foram para aquele país, traficar.

- uma boa solução seria penas severas, com longa duração e sem possibilidade de soltura, antes do cumprimento - livramento condicional, só após o cumprimento de no mínimo uns 80% da pena. 

- Prisão perpétua é uma alternativa considerada válida - devendo ser estabelecido que o condenado à prisão perpétua não tem nenhuma possibilidade de livramento condicional.

- superlotação nos presídios? fácil de resolver, estabelecer presídios na Selva Amazônica (apesar de tropical, seriam em termos de isolamento/confinamento a Sibéria brasileira). Apresenta uma série de vantagens, destacando: vigilância mais fácil e com menor custo; maior controle das visitas; dificuldade de comunicação e muitas outras.]
 
 Revelava-se adepto do modelo da Indonésia, onde traficantes e consumidores de drogas são condenados à morte. Bolsonaro dizia apreciar também a fórmula das Filipinas, onde os bandidos são passados nas armas sem a necessidade de uma sentença formal. "Tinha dia de morrer 400 vagabundos lá. Resolveu a questão da violência", afirmava.


Como não há pena de morte no Brasil, o capitão distribui portes de armas para civis e providencia o "excludente de ilicitude" —um outro nome para a licença concedida aos policiais que quiserem contribuir para a consolidação da máxima segundo a qual "bandido bom é bandido morto." De resto, Bolsonaro cultiva um amor maternal pela superlotação carcerária. "Cadeia é como coração de mãe, sempre cabe mais um." Contra esse pano de fundo, não dá mais para analisar fenômenos como os massacres carcerários em termos de justiça e de moral.

A justiça agora se faz também nas celas, onde o crime e a sentença de morte moram perto um do outro. Dentro da cadeia, a fixação dos limites da moral dispensa régua, compasso e marcos civilizatórios. Tudo se resolve com um cabo de escova de dentes enfiado na jugular. Do lado de fora, a moral virou uma abstração imensurável. O que um dia foi execrável, hoje é rotina. Na época do Carandiru, há 27 anos, massacre de presos era coisa abominável. Hoje, criticar o extermínio de presidiários virou uma chatice impatriótica.








 

 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

'Só a pressão popular pode fazer passar o pacote de Moro', diz Modesto Carvalhosa

Jurista comenta mudanças nas medidas anticrime proposto pelo ministro da Justiça Sergio Moro 

O jurista Modesto Carvalhosa não se incomodou com a decisão do ministro da Justiça Sergio Moro de retirar a criminalização do caixa dois de seu pacote anticrime e anticorrupção para evitar possíveis atritos com o Congresso. “A exclusão do caixa dois é estratégica e plenamente justificável como uma forma de viabilizar um projeto que é imprescindível para acabar com a impunidade”, disse a ÉPOCA na tarde desta terça-feira 19.

Acompanhado do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Moro entregou ao Congresso três projetos com medidas de combate à corrupção, ao crime organizado e à violência. O pacote foi fatiado para evitar que a resistência dos deputados e senadores em criminalizar o caixa dois comprometesse todo o esforço. Os textos alteram 14 leis, endurecem penas de diversos crimes e propõem a execução da pena após segunda instância. A criminalização do caixa dois já constava no projeto Dez Medidas Contra a Corrupção, elaborado pelo Ministério Público Federal (MPF) e defendido entusiasticamente por Carvalhosa. O Dez Medidas chegou ao Congresso como Projeto de Lei de iniciativa popular, mas não foi muito longe. Após diversas mudanças nas propostas originais, como anistia ao caixa dois, o texto foi votado na Câmara, mas empacou no Senado, que o devolveu aos deputados.
Carvalhosa acredita que só a pressão popular pode impedir que o pacote de Moro tenha o mesmo fim que o Dez Medidas.

Qual sua avaliação do pacote anticrime e anticorrupção apresentado por Moro?
A concepção que Moro usou para elaborar esse pacote é que o crime é produto da impunidade. Ele quer nivelar a legislação penal brasileira à dos países civilizados, onde a impunidade é muito menor. Isso o leva a propor uma série de medidas rigorosas e racionais, como reforçar as penalidades e possibilitar acordos com quem cometeu pequenos delitos, impedindo, portanto, o excesso de processos. A proposta de Moro é contra a impunidade penal. O pacote é excelente. Não vejo praticamente nenhum defeito.

Praticamente?
Talvez falte ao projeto criar instrumentos que garantam maior autonomia das polícias estaduais em relação aos poderes executivos, aos governadores e seus secretários, assim como ocorre com a Polícia Federal. Ao se tornar autônoma do governo federal, a PF se tornou muito eficiente no combate ao crime e à corrupção. É preciso transformar as polícias estaduais, especialmente a Polícia Civil, naquilo que elas são constitucionalmente, ou seja, polícias judiciárias, ligadas à promotoria pública e não ao Executivo. Isso faltou no pacote e é muito importante para que as medidas propostas por Moro sejam eficientes. Sem autonomia e distanciamento das polícias estaduais dos governadores, não teremos muita eficiência policial nos estados.

(...)

Nos últimos anos, o senhor se engajou em defesa da aprovação do projeto Dez Medidas Contra a Corrupção, que não chegaram a ser aprovadas no Congresso. O pacote de Moro contempla o Dez Medidas?
Sim, o pacote contempla o Dez Medidas e de uma forma mais técnica, madura e concreta. É ainda mais avançado.

O senhor acredita que a tramitação do pacote de Moro no Congresso será mais tranquila do que o Dez Medidas?
Se a sociedade pressionar, o pacote anticrime passa. Se não houver pressão permanente e significativa da sociedade civil, é capaz que os congressistas apresentem emendas que tirem a força e descaracterizem dessas medidas. A única maneira do pacote passar é com pressão do povo. Do contrário, passa só uma caricatura do que foi proposto por Moro.

Críticos do pacote de Moro argumentam que algumas medidas, como a prisão em segunda instância, podem aumentar ainda mais a população carcerária brasileira, que é uma das maiores do mundo. Como impedir que isso ocorra?
Essa crítica é ridícula. O Brasil precisa melhorar o sistema prisional, aumentar o número de penitenciárias e tirar das prisões aqueles que praticaram pequenos crimes. Os presídios estão cheios de presos preventivos, que apodrecem nas prisões por anos, sem julgamento. Essas pessoas têm de ser tiradas da cadeia e o Poder Judiciário precisa de prazo para decidir os processos. As penitenciárias têm de ser melhor equipadas e prisões de segurança máxima devem ser construídas. E tem de botar em cana quem pertence a organizações criminosas. Precisamos tirar de circulação pessoas pertencentes a organizações criminosas. Precisamos abrir vagas nas prisões para esse tipo de gente e libertar aqueles que só estão presos por ser pretos e pobres.

MATÉRIA COMPLETA na Revista Época 

Clique aqui e leia em Época mais um absurdo dos muitos que os ditos 'especialistas' produzem - Projeto de Moro instaura pena de morte sem julgamento no Brasil, diz especialista em segurança

domingo, 16 de dezembro de 2018

Eduardo Bolsonaro defende plebiscito para implantar pena de morte no Brasil

Em entrevista, deputado federal propôs uma "excessão" para aprovar a pena de morte no Brasil para traficantes de drogas e autores de crimes hediondos, o que é vedado pela Constituição em uma cláusula pétrea 

[tem sentido a Constituição ser maior que a vontade do povo cujos direitos ela se propõe garantir?
 
Fazer plebiscito no Brasil para tudo, seria tornar nosso Pátria uma 'república plebiscitário' - foi por esse caminho que a Venezuela se transformou no que é atualmente -  mas, certos assuntos, justificam um plebiscito.
 
Inaceitável é que os erros cometidos pelos 'constituintes' de 88 se tornem pétreos, mediante uma decisão equivocada daqueles legisladores.]

Eduardo Bolsonaro quer exceção para implantar pena de morte no país 

Filho do presidente eleito, deputado federal defende plebiscito ou referendo para avalizar mudança, que é proibida pela Constituição 


O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito Jair Bolsonaro, defende que o Brasil siga os passos da Indonésia e aprove a pena de morte para traficantes de drogas e autores de crimes hediondos. O parlamentar revelou a ideia em entrevista concedida ao jornal O Globo divulgada neste domingo (16).

A medida, no entanto, é inconstitucional. Uma das cláusulas pétreas da Constituição veda a pena de morte e impossibilita que sejam feitas alterações mesmo com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Eduardo Bolsonaro sabe disso e, para levar adiante sua ideia, propõe um plebiscito.




“Eu sei que é uma cláusula pétrea da Constituição, artigo 5º etc. Porém, existem exceções. Uma é para o desertor em caso de guerra. Por que não colocar outra exceção para crimes hediondos?”, questionou. O pai de Eduardo, no entanto, se apressou para adotar um discurso oposto, já que a pauta, que antes defendia, foi deixada de lado para viabilizar sua candidatura à presidência. Pelo Twitter, o presidente eleito pontuou: “Além de tratar-se de cláusula pétrea da Constituição, não fez parte de minha campanha. Assunto encerrado antes que tornem isso um dos escarcéus propositais diários”. [o Brasil que votou em Bolsonaro espera que logo que seja empossado no cargo de presidente da República, Jair Bolsonaro, passe a adotar medidas que só devem ser propostas por quem está no exercício do cargo.

Cláusulas pétreas são, em sua maioria, um artificio inventado pelos constituinte de 88 para perenizar alguns dos muitos erros que cometeram.
Errar é humano, permanecer no erro é diabólico.

O plebiscito - desde que não seja usado de forma excessiva (vide Venezuela)- é um remédio adequado para remover e/ou modificar pontos considerados pétreos da Constituição Federal e que o tempo mostra que são inadequados.]






Forum


terça-feira, 6 de novembro de 2018

Bolsonaro faz borrão na ‘carta branca’ de Moro

[até os petistas sabem que ministro de Estado ocupa um cargo em que pode ser demitido 'ad nutum';
assim, pode haver da parte do presidente da República uma tolerância com o, digamos 'exagero' na independência de um determinado ministro, mas, no momento em que a coisa chegar a um impasse, o ministro ou pede para sair ou é demitido - nem nas melhores democracias do mundo, um presidente pode ser demitido por um ministro ou renunciar para que um ministro permaneça;
Por óbvio, Moro sabe disso e quando aceitou o cargo demonstrou de forma tácita sua concordância com os limites dos seus poderes e de sua autonomia;]

Uma semana depois de informar a Sergio Moro que ele teria ampla liberdade para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Jair Bolsonaro fez um borrão na “carta branca” que entregara ao ex-juiz da Lava Jato. Esclareceu que, nos temas em que divergirem, os dois terão de chegar a um “meio-termo”. Moro arrisca-se a sair desse tipo de negociação apenas com o hífen. Será difícil encontrar posições intermediárias entre certas opiniões extremas de Bolsonaro e o bom senso.

Moro deve conceder nesta terça-feira uma entrevista coletiva. Não pode sair da conversa com os repórteres sem esclarecer o que pensa sobre as seguintes prioridades de Bolsonaro: liberação do porte de armas, redução da maioridade penal, imunidade para policial que matar em serviço (“excludente de ilicitude”), tipificação de atos de sem-terra e sem-teto como crime de terrorismo e proibição de demarcação de novas terras indígenas.

Em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da Band, Bolsonaro admitiu que não tratou de todos os temas na conversa que teve com Moro na semana passada. Ficou entendido que, em matéria de combate à corrupção e ao crime organizado, a “carta branca” que deu a superministro vale “100%”. Entretanto, “naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo.” Bolsonaro exemplificou: “Sou favorável à posse de arma. Se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo.”

Numa palestra para empresários, em Curitiba, Sergio Moro deixou a impressão de estar vivendo uma crise de identidade. Como juiz, era acusado de agir politicamente. Como futuro ocupante de um cargo político, ele se autodefine como “técnico”. Moro declarou: “Não me vejo (…) ainda como um político verdadeiro.” Sustentou que ocupará um cargo “predominantemente técnico.”

Num rápido flerte com o óbvio, Moro admitiu que seu novo cargo “envolve também certa política”, pois terá de “conversar com as pessoas, buscar convencer os parlamentares a aprovarem aquelas medidas legislativas que se mostrarem oportunas.” Nada poderia ser mais político do que um ex-juiz que se prepara para dialogar com parlamentares que merecem interrogatório. Neopolítico, Moro procura não parecer o que é diante de futuros interlocutores que podem não ser o que parecem ou, ainda pior, ser e parecer.

De qualquer maneira, a crise existencial de Moro terá certa utilidade. Se é como            técnico que o ex-juiz deseja ser visto, os repórteres devem cobrar dele que se posicione tecnicamente sobre os planos de Bolsonaro. Em privado, Moro torce o nariz para teses como a de que policiais devem dispor de licença para matar. Como político, ele tenderia a contemporizar diante dos refletores. Como político, Moro procuraria os meios-termos. Como “técnico”, tem o dever de se expressar com termos inteiros.

Na conversa com Datena, Bolsonaro voltou a defender o amontoamento de bandidos em presídios que já estão superlotados. “Se não tiver recurso, lamento, você vai ter que amontoar esse cara lá.” Deu de ombros para a decisão do Supremo que reconheceu o direito de presos maltratados de ser indenizados pelo Estado. Como ''técnico'', Moro sabe que não há no Brasil pena de morte nem prisão perpétua. Logo, preso “amontoado” é mão-de-obra para facções criminosas, não candidato à ressocialização prevista na Lei de Execuções Penais.

Bolsonaro também aderiu à ideia do novo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witsel (PSC), de empregar atiradores de elite (snippers) para executar bandidos armados de fuzis nas favelas cariocas. “Se você está em um confronto, em vez de dar, por exemplo, milhares de tiros para uma região, é melhor o snipper. (…) É como se fosse um atirador que fosse competir em uma Olimpíada. Você tem que ter isso daí, porque o outro cara que está do outro lado, afrontando, com um fuzil na mão, está atirando à vontade para o lado de cá. Você tem que botar um ponto final nisso daí.” [a ideia do Witzel é passível de críticas - identificar bandidos passíveis de abate por portarem um fuzil, pode motivar que os passem a identificar como passíveis de abate todos os policiais unirformizados;
quando a durante um confronto atiradores de elite se posicionarem em locais estratégicos para abater bandidos é perfeitamente viável.
abater bandidos que portem fuzil é uma ideia aproveitável em situações excepcionais.]

Como político, Moro ecoaria o discurso repressivo do novo chefe. A conversa fácil do ''ponto final nisso daí'' tem um extraordinário apelo popular. Como ''técnico'', o futuro ministro não ignora que o lero-lero de Bolsonaro é perigosamente demagógico. Ainda que existissem no Brasil atiradores de elite em quantidade suficiente para enfrentar a bandidagem, faltaria uma previsão legal para a matança.

Na palestra de Curitiba, Moro revalidou a “promessa” de não levar sua foto à urna. “Não pretendo jamais disputar qualquer espécie de cargo eletivo.” Será? A disposição da plateia de levar o ex-juiz a sério crescerá na proporção direta da sua capacidade de reagir como ''técnico'' ao borrão que Bolsonaro começa a imprimir na “carta branca” que prometera lhe entregar.

Blog do Josias de Souza


sábado, 13 de outubro de 2018

A pena de morte [inclui, sem limitar, o aborto, seja legalizado ou permitido, entre as modalidades de homicidio praticadas pelo Estado.]

Nenhuma modalidade de homicídio, em especial a praticada pelo Estado, é admissível

Tal e qual diz aquela canção do Nelsinho Motta, nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia; tudo passa, tudo sempre passará; a vida vem em ondas, como o mar! E sempre, digo eu, uma coisa puxa a outra. Tenho em minhas mãos, agora, um livro de Ary dos Santos publicado em Lisboa, em 1935. Tomei um baita susto, pois sei que o Ary nasceu em dezembro de 1937, em Lisboa, e se foi, também de Lisboa, em janeiro de 1984.

Descobri em seguida que o primeiro o do livro – foi um advogado lisboeta que escreveu sobre a morte do feto (tenho seu livro comigo porque cá estou a pensar no tema da pena de morte). O segundo Ary, declamador e poeta, nada tem que ver com esse tema. Ouvi-lo declamando As portas que Abril abriu me fascina e enternece. Vá ao YouTube, você que está a ler estas linhas agora, e ouça seu poema, declamado por ele mesmo. Será bem melhor do que me ler.

Retorno, contudo, ao tema a respeito do qual me dispus a escrever e, entre os textos que separei, encontro um belo artigo do bisavô do meu amigo Nelsinho. Cândido Nogueira da Motta foi professor catedrático nas Velhas Arcadas do Largo de São Francisco até 1937. Tal como seu filho, Cândido Motta Filho, também ministro do Supremo Tribunal Federal. As Velhas Arcadas, o STF e meu afeto por Nelsinho nos aproximam. Se tivéssemos a mesma idade e o ontem fosse hoje, agora, frequentemente atravessaríamos o Largo de São Francisco e a Praça do Ouvidor para almoçarmos, os quatro, no Itamaraty.

Antes, no entanto, de ir ao artigo do bisavô do Nelsinho recorro a Cesare Beccaria, extraindo de um trecho de Dos Delitos e das Penas a seguinte lição: a pena de morte é funesta para a sociedade em razão da crueldade; se as paixões ou a necessidade da guerra ensinam a espalhar o sangue humano, as leis – cujo fim é suavizar os costumesdeveriam multiplicar essa barbárie? Não é absurdo que as leis que punem o homicídio ordenem um morticínio público? O que se deve pensar ao ver o sábio magistrado e os ministros sagrados da Justiça arrastarem um culpado à morte, com cerimônia, tranquilidade, indiferença? E enquanto o infeliz espera o golpe fatal, por entre convulsões e angústias, o juiz que acaba de o condenar deixar friamente o tribunal para ir provar, em paz, as doçuras e os prazeres da vida e talvez louvar-se, com secreta complacência, pela autoridade que acaba de exercer; não será o caso de dizer que essas leis são apenas a máscara da tirania?

Partindo exatamente de Beccaria, Amadeu de Almeida Weinmann afirma em seu Pena de Morte e o Sistema de Penas no Brasil ser ela, porque irrevogável e definitiva, imperdoavelmente ímpia. A justiça humana convive com a possibilidade do erro ao pretender impor essa pena. Pena que, executada, não admite correção, caracterizando, digo eu, um homicídio público, estatal. A ninguém, incluídos os juízes e tribunais, se pode admitir a capacidade de decidir quem não é titular do direito de existir. A pena de morte é absoluta, impedindo a possibilidade de comprovação – hoje, amanhã ou depois – de algum possível erro judicial. Bem a propósito Weinmann lembra o terrível equívoco que levou à execução de Sacco e Vanzetti, nos Estados Unidos, e outros mais. 

Retornando ao belo texto do professor Cândido Nogueira da Motta, publicado na Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, dou-me conta de que tantas são as suas lições que aqui não as posso transcrever literalmente, limitando-me a rememorar dois dos seus ensinamentos. O primeiro na afirmação de que, se a pena deve ser exemplar, a prisão por toda a vida preenche esse fim melhor do que a pena capital. Isso porque oferece uma lição sempre presente e o último suplício é esquecido em poucos dias. Ademais, inúmeras vezes a pena de morte é imposta a partir de simples presunções e circunstâncias, resultando de provas que não são cabais, o criminoso algumas vezes não sendo nem mesmo de todo imputável. Consubstanciando pena irreparável quando imposta em razão de erro judicial, Cândido Nogueira da Motta lembra o caso de John Brown, que acabou no cadafalso porque propugnava, nos Estados Unidos, pela liberdade dos escravos, proclamada poucos anos depois. O remorso dos juízes, diz ele, há de ter sido eterno. 

O outro, nas derradeiras linhas do seu texto, página 200 do volume XXIV da revista da minha Faculdade de Direito, no qual refere a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, então vigente, maio de 1928: "A Const. Federal, nos §§ 20 e 21 do art. 72, aboliu a pena de galés e a de morte, reservadas, quanto a esta, as disposições da legislação militar em tempo de guerra. Queiram ou não os inimigos das nossas instituições políticas vigentes, esse benefício verdadeiramente cristão se deve à nossa bem-amada República que, para a defesa social, não precisa mais de que de medidas razoáveis e humanas e jamais empregou outras".  

Lembro ainda, quase a encerrar este texto, uma afirmação do cardeal Óscar Maradiaga reproduzida em entrevista publicada pelo jornal O Globo, em 21 de setembro de 2018: a pena de morte não pode ser aceita porque vai contra Deus e, "se não se aceita a pena de morte, não se pode aceitar o aborto, que é a pena de morte para um inocente que não pode se defender". 

Nenhuma modalidade de homicídio, seja lá quem o pratiqueem especial o Estado, ao aplicar penas de morte é admissível. Mesmo o bom juiz, que – qual afirma Santo Agostinho – nada faz por seu próprio arbítrio, pronunciando-se segundo as leis, não em busca de justiça. A plena compreensão do que ensina o profeta Isaías (32,15-17) antecipa momentos de paz que um dia alcançaremos, a lex permanecendo no deserto e a Justiça (Jus) predominando nas terras que estavam desertas, passando a reinar em campos férteis, propiciando-nos repouso e segurança para sempre. 

Eros Grau -  Advogado, professor titular, ex-ministro do STF - Opinião - O Estado de S.Paulo
 

sábado, 6 de outubro de 2018

Por que a polícia mata tanto no Brasil?

Talvez porque uma porção expressiva dos brasileiros aplauda de pé medidas como a pena de morte [resposta certa: para não morrer; os suspeitos reagem e os policiais exercem o direito legal de usar a força necessária para neutralizar a reação - que, quase sempre, está mais para um ataque aos policiais, do que para uma defesa.]

Por que a polícia mata tanto no Brasil? Cada um tem uma resposta. Porque a polícia é o braço armado do Estado, que extermina negros e pobres. Porque os policiais são despreparados. Porque os bandidos e a polícia travam uma guerra surda nas grandes cidades. Longe de negar as demais possibilidades — as refutações peremptórias eu deixo para os especialistas da área —, tenho cá uma sugestão: porque boa parte da população assim o quer.

Entre 2013 e 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as mortes decorrentes de intervenções policiais escalaram uma montanha, indo de 2.212 para 5.159. Qualquer coisa que subisse 133% num período tão curto — assassinatos de mulheres, estupros de menores, inflação, IPTU — causaria, com razão, gritos de horror em praça pública. Não me consta que haja manifestantes marchando pelas ruas das capitais do país implorando, aos berros, que os policiais tirem o dedo do gatilho.

Talvez porque uma porção expressiva dos brasileiros aplauda de pé medidas como a pena de morte. Pressupondo-se que pesquisas de opinião retratem a realidade, mandar criminosos para câmara de gás, injeção letal, cadeira elétrica, pelotão de fuzilamento ou qualquer outro meio de extinção da vida é uma preferência nacional.  Pelos dados de uma pesquisa do Datafolha de janeiro deste ano, o apoio da maior parte dos entrevistados à pena de morte (na média, 57%) une homens e mulheres, jovens e idosos, moradores do Sul e do Nordeste, das capitais e do interior, neopentecostais e umbandistas, os menos e os mais escolarizados – embora seja interessante notar que, entre os ateus e as pessoas com renda familiar mais alta, essa maioria não se forme.  Como a pena capital é proibida pela Constituição e a probabilidade de que algum governo consulte o povo a respeito é rarefeita, implantou-se no país, com o apoio de uns e o silêncio de outros, a pena de morte informal.

E, assim, enquanto todas as forças policiais dos Estados Unidos mataram 1.093 pessoas em 2016, segundo levantamento do jornal inglês The Guardian, no ano passado apenas a polícia do estado do Rio de Janeiro(328 milhões de habitantes lá, 16,5 milhões aqui) deixou 1.127 mortos em confronto. E a intervenção federal acelerou o processo: pelos números contabilizados até agosto (1.073 mortes), os antigamente chamados autos de resistência chegarão sem esforço à casa dos 1.400 registros, ficando com folga no topo da série histórica, iniciada em 1998. É, de longe, a polícia que mais mata no país, responsável hoje por uma em cada cinco mortes violentas no estado.

O fato simples é que matar bandidos não reduz os índices de criminalidade. Tomando de novo o exemplo do Rio de Janeiro, em 20 anos foram 17 mil mortos em confronto com a polícia. É mais gente do que há em 60% dos municípios brasileiros. E a cidade não se tornou exatamente o paraíso da segurança pública.  A polícia parece operar numa lógica que chamo de caixinha de bandidos. A criminalidade, por esse raciocínio, é um sistema fechado. Se todos os marginais, os meliantes, os elementos forem mortos, acabam-se os crimes. Só que o caldo de cultura de desesperança, miséria, falta de educação, de exemplos e de perspectiva continua alimentando o mercado à margem da lei. O que reduz os crimes é a certeza de punição e do cumprimento da pena. De preferência, longa.


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Se não se aceita pena de morte, não se pode aceitar aborto', diz cardeal



Conselheiro do Papa afirma que prática é atentado contra um inocente que não pode se defender

Coordenador do "C9", grupo de cardeais que aconselha o Papa Francisco na reforma da Cúria e no governo da Igreja Católica, Óscar Maradiaga, de 75 anos, defende as ações do Pontífice no combate aos casos de abusos sexuais e critica a divulgação de uma carta do arcebispo italiano Carla Maria Viganò, que, em agosto, criticou o Pontífice por ter se silenciado sobre abusos sexuais. Segundo Maradiaga, a atitude foi um "equívoco", já que Viganò tinha uma função diplomática e não poderia revelar segredos. Para o cardeal, uma reunião deverá ocorrer em fevereiro no Vaticano como esforço para prevenir novos casos.

Em São Paulo para participar do III Congresso Internacional da Doutrina Social da Igreja, realizado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) e pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Maradiaga falou sobre dogmas da igreja. Posicionou-se contra o aborto, o que classificou como "pena de morte", e contra a união de casais homossexuais:  — Se Deus tivesse querido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teria nos desenhado de outra maneira. Todos sabem como é o corpo, e que homens e mulheres se complementam também sexualmente.

O Papa convocou uma reunião com os secretários-gerais das conferências episcopais de todo o mundo para discutir a proteção a menores contra abusos sexuais. O que motivou essa decisão?
Mais do que sobre os abusos, o enfoque (da reunião) será na prevenção, porque infelizmente os abusos já aconteceram. Agora há que se buscar que não se repitam. Por isso, a ênfase na prevenção.

Foi uma resposta às acusações de que a Igreja e o Papa não deram destaque aos casos de abusos?
Claro. Dizer que o Pontífice não dá a devida atenção a esse tema é um disparate. Nenhum Pontífice deu a resposta que ele tem dado. Pensemos que praticamente tirou o cardinalato de um cardeal (em junho, após acusações de assédio sexual, o Vaticano pediu ao cardeal Theodore McCarrick, dos EUA, que não exercesse mais publicamente seu ministério e, em julho, o Papa aceitou o pedido de renúncia do cardeal). Houve ainda a resposta dada no Chile, com uma visita extraordinária e reuniões que foram feitas. (Francisco enviou investigadores para reunir informações sobre casos de abusos no Sul do país e, esta semana, demitiu um padre acusado de abusos).

Como o senhor vê a carta que o arcebispo Carla Maria Viganò publicou acusando o Papa de ter silenciado abusos sexuais?
Na Igreja há mais de cinco mil bispos. Acha que uma carta é que deve ser levada em conta? Esse senhor se equivocou. Ele tinha uma tarefa específica. Ele era um diplomata da Igreja. Qualquer pessoa que pertence a um corpo diplomático está chamado a guardar alguns segredos. Se ele estivesse em qualquer outro país, já estaria preso. É a lei. Sinto muito pesar, porque essa não era sua função. Talvez estivesse amargurado. Mas se deve dar importância a um em mais de cinco mil bispos?

Mas não foi uma maneira de o Papa contestar e demonstrar preocupação sobre o tema?
Ele já tinha demonstrado muito antes. Além disso, foi algo planejado, com tempo, quase como uma bomba-relógio que queriam que explodisse no dia de encerramento da Jornada Mundial das Famílias, na Irlanda. Acha que foi com boa intenção? Os fatos falam por si. Não daria tanta importância.

Neste mês, o conselho consultivo de cardeais, coordenado pelo senhor, entregou uma proposta para uma nova Constituição Apostólica para a Cúria Romana. Do que se trata?
Para a organização da Cúria Vaticana existe uma Constituição. Assim como a Constituição dos países, que é a lei geral. Ela rege todo o funcionamento da Cidade do Vaticano e da Cúria Vaticana. Essas reformas já foram feitas em muitas ocasiões (a última foi em 1989 e dura até hoje). Então, quando começou o pontificado, o Papa Francisco estabeleceu essa comissão, coordenada por mim, para a reforma. Já fizemos um processo enorme de consulta. Sendo otimistas, se as conferências responderem a tempo, pensamos em promulgá-la em junho do ano que vem.

Quais são os pontos principais dessa reforma?
Não é, como muitos pensam, uma reforma da Igreja. É uma reforma da Constituição da Igreja. Muitas reformas são conhecidas. Uma das mais conhecidas foi a mudança nos processos de nulidade dos casamentos anulados. Foi muito agilizado. Antes, era necessária uma segunda instância que normalmente se fazia em outro país, que não o de origem. Em Honduras, quando tínhamos um caso, depois de resolvê-lo em um tribunal, tínhamos que apresentar em uma segunda instância em El Salvador, por exemplo. Imagine o problema dos processos que vão e vêm, e o tamanho dos expedientes. Logicamente, os de El Salvador respondiam os casos locais antes dos de outro país, o que fazia com que os processos fossem lentos. O Santo Padre fez a reforma de retirar a necessidade dessa segunda instância em outro país. A segunda instância agora é com cada bispo diocesano, o que acelera bastante o processo.

Qual é a importância de a Igreja se renovar, considerando que os fiéis também mudam?
Essas reformas são mais de enfoque teológico. Mas muitas pessoas não levam em conta que, desde o começo do pontificado, houve reformas enormes, que estão na Exortação Evangélica. O Papa dispõe, por exemplo, que sejamos uma Igreja de saída, quase como um hospital de campanha. Não ficarmos, eu como bispo, esperando que as pessoas venham até mim. Saio ao encontro especialmente daqueles que estão se afastando, seja porque não tiveram oportunidade de se aproximar ou por algum ressentimento ou problema que tiveram. É uma Igreja próxima, missionária. Todas são reformas que talvez as pessoas não tenham dado muita importância, esperando quem sabe o quê.

Talvez esperando que a Igreja trate também de temas polêmicos, presentes na sociedade, como aborto ou casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mas desses temas já se falou até a saciedade. Mas se somos herdeiros de um Deus que é o Deus da vida não podemos aceitar a morte. A morte natural é um processo, mas a pena de morte não pode ser aceita, porque vai diretamente contra Deus. E, se somos a Igreja do senhor Jesus Cristo, é uma Igreja que deve defender a vida. E, por conseguinte, o aborto não pode ser aceito, porque é matar. A maioria dos países hoje condena a pena de morte. Inclusive o Papa fez uma reforma muito importante no catecismo, da qual não se falou muito, em que ele disse que não se pode aceitar a pena de morte. É que na redação de 1985 do catecismo se dizia que em casos excepcionais se poderia aceitar a pena de morte. Agora não. E, se não se aceita a pena de morte, não pode se aceitar o aborto, que é a pena de morte para um inocente, que não pode se defender.


E o acolhimento a fiéis homossexuais? O Papa já fez chamados nesse sentido.

As pessoas não podem ser rejeitadas. Mas há coisas que são naturais e outras que não. Se Deus tivesse querido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teria nos desenhado de outra maneira. Todos sabem como é o corpo, e que homens e mulheres se complementam também sexualmente.