Revista Oeste
Isolados da sociedade, os senadores assistem de joelhos ao avanço do Supremo Tribunal Federal sobre as leis e gastam uma fortuna dentro e fora de Brasília
Plenário do Senado Federal | Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Na última quarta-feira, a votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas demonstrou exatamente o que está acontecendo no Brasil. Enquanto o Senado finalizava o debate sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) resolveram fazer o mesmo — inclusive, no mesmo horário, com transmissões simultâneas da TV Senado e da TV Justiça.
A base do governo entendeu o recado e travou a sessão para permitir que o STF legislasse sobre o assunto.
O governo abriu mão do embate no Congresso porque não tem maioria para impor sua vontade: a de que os indígenas tenham direito a terras ocupadas anteriormente à criação do Estado brasileiro — algo que remete a 1800, com a vinda da família real portuguesa para a América.
Pelo rito normal, essa tese não passou na Câmara nem avançará no Senado.
Mas que governo precisa do Legislativo se tem ministros ideologicamente alinhados no STF?
A Corte formou maioria contra o marco temporal.
Os senadores só devem concluir a votação, a favor da aplicação da regra temporal, no final de setembro. Como essa confusão será resolvida é um mistério. Há entendimentos difusos tanto de parlamentares quanto no meio jurídico. Defensores do marco afirmam que o STF só analisa casos pontuais — a votação em andamento é sobre a posse de área em Santa Catarina — e que é papel do Legislativo formular leis.
O governo, contudo, diz que será formada jurisprudência pela inconstitucionalidade do marco e que isso valerá para todos os casos nos tribunais do país.
É um retrato do atropelo das funções constitucionais que ocorre sistematicamente na Praça dos Três Poderes.
A ministra Rosa Weber pautou a descriminalização do aborto até três meses de gestação — ela se aposentará no dia 2 de outubro.
A intenção é deixar registrado seu voto a favor do pedido do Psol, de 2017, para liberar o aborto — é crime, segundo os artigos 124 e 126 do Código de Processo Penal.
Ou seja, Rosa Weber pode ajudar o pleito da esquerda no futuro, mesmo longe da Corte.
“A sociedade não é ‘progressista’, mas conservadora, pró-vida”, afirma o senador Marcos Rogério (PL-RO). “Estamos discutindo com o presidente do Senado um plebiscito para que a sociedade seja ouvida sobre isso. Se eles (ministros do STF) têm dúvidas sobre qual é o desejo da sociedade, vamos fazer um plebiscito e ouvir o povo brasileiro, especialmente as mães do Brasil. Não dá para driblar o Poder Legislativo e querer, pelo Judiciário, criar normas contra aquilo que a sociedade pensa.”
Outro assunto é a liberação do porte de drogas para consumo próprio — a Corte já tem cinco votos favoráveis. Este último tema foi capaz de tirar da inércia o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Num lampejo de sinal de vida do Congresso, ele apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) na contramão do STF. “A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, diz o texto do Senado. Nos bastidores, contudo, parlamentares e assessores afirmam que o pano de fundo para a reação de Pacheco não foi nenhum sopro de bravura, mas a certeza de que seu plano de conseguir uma vaga no Supremo no lugar de Rosa Weber naufragou. [não importa o motivo do sopro de bravura do Pacheco, o 'omisso', o importante é que ele se posicionou.]
A oposição também conseguiu apoio de alguns parlamentares que ainda não sabem bem como foram parar no Senado para investir na mudança do processo de impeachment de ministros do STF.
É um projeto de autoria do ex-senador gaúcho Lasier Martins (Podemos), que tira a decisão das mãos do presidente do Senado depois de 15 dias. Ou seja, se nesse período ele não tomar nenhuma decisão, os integrantes da Mesa Diretora podem se reunir e tomar a decisão de levar ou não o caso adiante.
Nos últimos cinco anos, Rodrigo Pacheco e seu antecessor, Davi Alcolumbre (UB-AP), engavetaram mais de 80 pedidos.
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Festa cara
Além da inoperância, nos últimos anos, a Casa também se tornou símbolo do distanciamento com a sociedade. Como são eleitos para um mandato de oito anos — muitas vezes exercido por um dos dois desconhecidos suplentes —, os senadores desaparecem depois das urnas. Dificilmente um eleitor conhece um único projeto do representante do seu Estado em Brasília. Ou, diante da deterioração dos quadros políticos, se lembre de um discurso útil.
Cinco eleitos, por exemplo, nem chegaram a tomar posse, porque estão no Ministério de Lula.
Os eleitores não são representados pelos nomes que escolheram nas urnas.
Não é exagero afirmar que muitos eleitores nem sequer conhecem o rosto dos desconhecidos Fernando Farias (AL), Margareth Buzetti (MT), Mauro Carvalho Junior (MT), Jussara Lima (PI), Ana Paula Lobato (MA) e Augusta Brito (CE). Ana Paula é mulher do presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, Othelino Neto (PCdoB), amigo de Flávio Dino.
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De acordo com dados do Orçamento, o Congresso brasileiro custa R$ 40 milhões por dia, inclusive quando não há expediente. São quase R$ 14 bilhões por ano — cerca de R$ 8 bilhões para a Câmara e R$ 6 bilhões para o Senado.
Esse dinheiro reúne desde os gastos com os salários dos parlamentares e funcionários até aqueles com a manutenção dos elevadores e o cafezinho. O custo mensal dos gabinetes envolve passagens aéreas para os respectivos Estados, carro com motorista e gasolina, apartamentos funcionais — ou auxílio-moradia de R$ 5,5 mil para senadores — e plano de saúde vitalício para a família.
A Câmara tem 513 cadeiras, renovadas a cada quatro anos.
No Senado, são 81, renovadas em duas etapas: os mandatos são de oito anos, mas as eleições ocorrem em duas etapas — a cada quatro anos, duas vagas, e depois, uma. Ao contrário da Câmara, o Senado não tem uma divisão proporcional no número de cadeiras pelo tamanho do eleitorado do Estado. Isso faz com que as Regiões Nordeste e Norte, por exemplo, tenham mais representantes do que Sul e Sudeste, apesar do peso do eleitorado — Roraima, por exemplo, tem 360 mil eleitores.
Em São Paulo são 34 milhões.
Mas os dois Estados têm três senadores cada.
Ou seja, um senador paulista representa 11 milhões de votantes, enquanto o roraimense fala por 120 mil pessoas.
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À frente da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL) usou “a serviço” um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para fazer implante capilar.
Nesta semana, um levantamento de O Estado de S. Paulo mostrou que senadores fizeram “rachadinha” de salários e chegam a empregar 80 assessores. Um detalhe chama a atenção: tudo dentro das regras.
Há décadas, uma anedota do sociólogo brizolista Darcy Ribeiro, que encerrou a carreira política no Senado, é lembrada para descrever o funcionamento da mais nobre Casa Legislativa do país: “A diferença entre entre o céu e o Senado é que no segundo caso não é preciso morrer para chegar a ele”.
A referência vai muito além da cor azul do carpete que dá acesso ao plenário. O Senado é uma festa — uma festa bem cara.
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Coluna Silvio Navarro - Revista Oeste