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segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A cadeira no terceiro andar do Planalto - Alon Feuerwerker

Análise Política

Algo muito perigoso em análises de conjuntura é partir de premissas equivocadas. É como um trem que entra no trilho errado: não dá para fazer o retorno no momento em que se deseja. Tem de esperar pelo próximo trecho onde a operação de mudança de trilho seja mecanicamente viável. Bem, depois de um ano e meio, já é possível listar premissas sobre o governo Jair Bolsonaro que não se realizaram.

1. O governo seria politicamente instável.
Essa premissa talvez se baseasse na personalidade do ex-capitão, ou no fato de ele nunca ter tido preocupação orgânica na política, ou na constatação de que as posições dele são consideradas extremistas pelo establishment, ou na ausência de uma base parlamentar própria, ou no desprezo dele pelo mainstream da chamada sociedade civil. Ou em todas essas variáveis combinadas.

O fato, entretanto, é que um ano e meio depois o governo, no que interessa, tem com ele três quintos da Câmara dos Deputados, retém nas pesquisas a fatia de mercado eleitoral que o elegeu e resiste bem ao bombardeio que vem principalmente do setor que liderou o impeachment de 2016 mas depois perdeu a eleição. 
E ainda está tendo uma recessão e uma pandemia no meio do caminho. [aceitem, dói menos.]
Sem pelo jeito sofrer politicamente com isso.

2. O governo faria uma política econômica de ruptura.
Se Bolsonaro se desviasse desse caminho, o ministro da Economia pediria o chapéu e o governo acabaria. Tampouco aconteceu. Bolsonaro, Paulo Guedes e todo o entorno estão no momento empenhados em criar impostos para ajudar a financiar programas de renda mínima mais amplos que os do PT.

Outra ideia é desonerar a folha de pagamentos para empregos de baixa renda (e portanto de baixa qualidade). Haverá alguma privatização, mas não do “trio de ferro” Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. E aprofundar as concessões será o caminho para tentar alavancar a taxa de investimento.
Não há maiores novidades aí. O que talvez seja bom. Pois nem tudo que é bom é novo, e tampouco tudo que é novo é bom.

3. O viés dito autoritário do presidente estimularia formar uma ampla frente de oposição.

Por enquanto, a frente mais ampla em vigor é a que sempre se apresenta para apoiar as iniciativas econômicas do governo e portanto impedir qualquer desestabilização. Do outro lado, a oposição caminha para as eleições municipais mais fragmentada que nunca.  Verdade que o fim das coligações na eleição de vereador tem efeito centrífugo, mas isso não explica tudo.

Os movimentos para formar a frente ampla de oposição não resistiram a um ajuste mínimo na atitude presidencial. Foi Bolsonaro amenizar o discurso e ela se desmanchou antes de existir. Um bom termômetro do alinhamento de forças será observável no segundo turno municipal. Veremos, por exemplo, qual será a porcentagem de situações de reta final em que o autonomeado centro apoiará candidatos da esquerda contra o bolsonarismo. E vice-versa.

4. Bolsonaro seria tutelado por Paulo Guedes, Sérgio Moro e pelos generais palacianos.
A premissa que mais espetacularmente virou fumaça. Moro saiu do governo arrastando com ele maciçamente o que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada". Ao final, a montanha pariu um rato.
Guedes no momento luta para arrumar dinheiro para programas sociais bolsonaristas que vitaminem as possibilidades reeleitorais do presidente. Talvez embalado pela promessa de que num segundo mandato, aí sim, as coisas serão como foi sonhado.

E os fardados palacianos da reserva influem, mas longe de deter qualquer poder de veto. Hoje em dia no Planalto, como sempre, quem manda é quem está sentado naquela cadeira do terceiro andar.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


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