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sábado, 22 de agosto de 2020

Dois retratos de Gilmar Mendes

Tenho mais razões para discordar de Sua Excelência, o ministro Gilmar Mendes, do STF, que para concordar com ele. Com todo o respeito que por ele tenho como jurista, entristece-me ver a leniência com que ele trata os “criminosos de colarinho branco”, esse oceano de corrupção que chegou ao conhecimento público nos últimos anos. Gostaria de vê-lo, não digo ajudando, mas comportando-se de maneira rigorosamente imparcial em relação à Lava-Jato e ao juiz Sérgio Moro. Gostaria de vê-lo trabalhando ativamente na busca de uma alternativa para o veto constitucional à prisão em segunda instância, pilar principal do patrimonialismo, praga que impede a emergência, entre nós, de um Estado verdadeiramente republicano.
De fato, ao empregar o termo “genocídio”, o ministro Gilmar bateu duro. As Forças Armadas acusaram o golpe, e seria espantoso se não acusassem. Semanticamente, é claro que genocídio remete às maiores atrocidades de que há registro na história, desde logo ao Holocausto da era nazista. O ponto a partir do qual uma matança deve ser qualificada como genocídio é a intenção. Genocídio é uma matança deliberada, que tem como objetivo destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico ou religioso. Desse ponto de vista, a fala de Gilmar Mendes certamente passou do ponto. Pensemos, porém, na Covid-19. Sabemos todos que no Brasil, como também nos Estados Unidos, certos segmentos sociais – os pobres em geral, os pretos e pardos e, evidentemente, os índios — são dezenas de vezes mais vulneráveis que a classe média branca, bem informada, que reside em habitações relativamente amplas e de boa qualidade.

Nesse caso, o governo não fazer o que sabe ser necessário a fim de reduzir a distância entre os grupos menos e os mais vulneráveis, ou, pior ainda, adotar, conscientemente, comportamentos que os agentes de saúde desaconselham, equivale a compor um quadro não muito distante do genocídio. É inegável que, desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem feito questão de sair à rua sem a máscara, com o motivo aparente de cumprimentar e abraçar correligionários. O nome disso é sabotagem. Ao sabotar as diretrizes traçadas pelos Estados e Municípios, o presidente da República vale-se de sua posição de poder para mandar à sociedade uma mensagem contrária à que os agentes de saúde consideram indispensável. Não temos como estimar quantos óbitos se deveram a tal atitude, mas podemos estar certos de que não foram poucos.

Bolívar Lamounier - Coluna na IstoÉ




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