Por: Antonio Baptista Gonçalves e Bruna Melão Delmondes
Na Educação o tema é sensível. Segundo o último censo divulgado pelo IBGE 8,7 milhões de estudantes que frequentavam escola em 2020 não tiveram acesso às aulas remotas em julho. O número assusta e levanta a questão: o que restará da educação pública brasileira quando o ensino presencial retornar?
Os dados
revelam que o sistema educacional, especialmente o público, não estava
preparado para a adaptação do ensino remoto. E certamente não se trata
de mero despreparo técnico, falamos de um país continental e desigual em
amplo espectro. Segundo dados do IBGE de 2018, apenas 41,7% dos
domicílios dispunham de microcomputador, e apenas 30,0% dispunham de
dispositivos como tablet. O acesso à internet também segue
longe de abranger a totalidade da população. A mesma pesquisa revela que
79,1% dos domicílios possuem acesso à internet, no entanto, a maior
parte dos acessos (99,2%) se faz por meio de celular.
Outro dado para reflexão: será que a totalidade dos docentes tem acesso, preparo e capacitação para o ensino à distância?
Sabem manejar e tem familiaridade com as plataformas adotadas na rede pública?
E se houver somente um computador na residência, como conciliar as necessidades?
A estimativa é que, além do déficit de rendimento pela privação de aulas no período da pandemia, haverá um elevado nível de evasão escolar. A preocupação foi levantada durante a audiência da comissão mista que acompanha as políticas públicas adotadas no transcurso do isolamento social. Para os especialistas em educação, a indisponibilidade de internet é o gerador de novos excluídos.
A falta de acesso à internet é de fato apenas um ingrediente a mais ao caos. Soma-se a isso a deficiência de instalações adequadas na residência do estudante, a insegurança alimentar, a ausência de preparo dos pais, insuficiência de mentoria, condições familiares etc. Manter o aluno na escola, em tempos pré COVID-19 já era um desafio social relevante, hoje, com as incertezas, as adversidades que acometem a vida dos estudantes, o contexto familiar e o impacto econômico causados pela pandemia, o desafio atinge patamares mais elevados e complexos.
Se o cenário já não fosse lamentável per si, há o incremento com a queixa de governadores e prefeitos sobre o descaso do Governo Federal ante às necessidades da educação durante a crise sanitária. As notícias dão conta que a proposta de orçamento para 2021 (PLOA), prevê a reserva de R$ 5,8 bilhões a mais para despesas militares, do que a prevista para a educação. Ainda que estes números não se formalizem, pela não aprovação do projeto no Congresso, a proposta em si dá uma breve amostra das prioridades do Governo Federal. Tal posição confronta com dados já muito preocupantes. Os dados do último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia a qualidade educacional dos 79 países participantes, mostram o Brasil está entre 58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática. [estes dados são de antes do presidente Bolsonaro ser eleito presidente da República.
Só um registro: o número de funcionários do Ministério da Educação é 300.000 = parte professores, outra parte pessoal da administração, apoio, logística, planejamento. e outras atividades meio.
Apesar da denominação o Ministério da Educação tem funcionários não voltados para o ensino = a maioria. Um Ministério da Educação funcionando só com professores não funcionaria -são necessários profissionais de outras áreas, nas quais professores não teriam bom desempenho = apesar de ser eles quem ensinar tais profissionais.
Os funcionários do Ministério da Defesa totalizam 360.000 e grande parte é formada por funcionários civis e que não desenvolvem atividades militares.]
Aos que compreendem a educação como elemento chave para o desenvolvimento socioeconômico de uma nação, o prognóstico é muito ruim. O impacto das omissões e da falta de investimento em educação para os próximos anos são incalculáveis, e certamente negativos. Some a isso a migração dos alunos da rede privada para a pública em virtude da crise econômica que acomete os lares brasileiros, é de se esperar uma ampliação da demanda das escolas públicas, há muito desassistidas. Por ora, a preocupação se mantém em questões mais urgentes: como será o ano letivo daqueles que não tiveram acesso à educação à distância?
Serão reprovados?
Serão aprovados sem terem cursado efetivamente?
Haverá uma contemporização? Qualquer uma das opções não parece resolver de fato o problema.
Eis mais um capítulo da ineficiência estatal em garantir o direito fundamental à educação. Uma das consequências mais imediata e diretamente relacionada se revela na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, divulgada no início do ano, que mostra que a falta de mão de obra qualificada nas indústrias foi de 50% em 2019. Os dados são conflitantes, já que o índice de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos, é quase o dobro da média da população brasileira.
Ou seja, se no cenário pré pandêmico a situação já revelava essas estatísticas, agora, com o acréscimo do componente da deseducação, isto é, nossas crianças longe das aulas e das escolas por falta de acesso, um sistema de ensino público pífio, e um país em colapso econômico que demandará muito mais da eficiência do Estado em gerir seus recursos, não há espaço para otimismo. Não é mais possível ignorar o elefante na sala de estar. A massa de desemprego entre os jovens não mais autoriza o Governo Federal a negligenciar sistematicamente nossas futuras gerações. A pandemia do COVID-19 apresentou a realidade nua e crua do acentuado abismo educacional que a rede pública de ensino enfrenta e que a falta de acesso à educação remota agravou ainda mais, o que o Governo Federal fará a respeito?
Que se invista com seriedade e que este aparato enorme e mal utilizado chamado rede pública de ensino possa ter a atenção e os investimentos que realmente precisam e merecem, nossas crianças agradecem.
Blog Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo
Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP, Bruna Melão Delmondes é advogada, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina
É
possível afirmar, com particular segurança, que a pandemia do COVID-19
evidenciou as diversas facetas da desigualdade social e o quanto o
Estado Democrático de Direito não cuida e garante, efetivamente, os
direitos fundamentais para a população periférica. Enquanto no campo da
saúde o vírus não faz acepção de pessoas, na seara das consequências
sociais dele advindas, a história é outra.
Na Educação o tema é sensível. Segundo o último censo divulgado pelo IBGE 8,7 milhões de estudantes que frequentavam escola em 2020 não tiveram acesso às aulas remotas em julho. O número assusta e levanta a questão: o que restará da educação pública brasileira quando o ensino presencial retornar?
Outro dado para reflexão: será que a totalidade dos docentes tem acesso, preparo e capacitação para o ensino à distância?
Sabem manejar e tem familiaridade com as plataformas adotadas na rede pública?
E se houver somente um computador na residência, como conciliar as necessidades?
A estimativa é que, além do déficit de rendimento pela privação de aulas no período da pandemia, haverá um elevado nível de evasão escolar. A preocupação foi levantada durante a audiência da comissão mista que acompanha as políticas públicas adotadas no transcurso do isolamento social. Para os especialistas em educação, a indisponibilidade de internet é o gerador de novos excluídos.
A falta de acesso à internet é de fato apenas um ingrediente a mais ao caos. Soma-se a isso a deficiência de instalações adequadas na residência do estudante, a insegurança alimentar, a ausência de preparo dos pais, insuficiência de mentoria, condições familiares etc. Manter o aluno na escola, em tempos pré COVID-19 já era um desafio social relevante, hoje, com as incertezas, as adversidades que acometem a vida dos estudantes, o contexto familiar e o impacto econômico causados pela pandemia, o desafio atinge patamares mais elevados e complexos.
Se o cenário já não fosse lamentável per si, há o incremento com a queixa de governadores e prefeitos sobre o descaso do Governo Federal ante às necessidades da educação durante a crise sanitária. As notícias dão conta que a proposta de orçamento para 2021 (PLOA), prevê a reserva de R$ 5,8 bilhões a mais para despesas militares, do que a prevista para a educação. Ainda que estes números não se formalizem, pela não aprovação do projeto no Congresso, a proposta em si dá uma breve amostra das prioridades do Governo Federal. Tal posição confronta com dados já muito preocupantes. Os dados do último PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), que avalia a qualidade educacional dos 79 países participantes, mostram o Brasil está entre 58º e 60º lugar em leitura, entre 66º e 68º em ciências e entre 72º e 74º em matemática. [estes dados são de antes do presidente Bolsonaro ser eleito presidente da República.
Só um registro: o número de funcionários do Ministério da Educação é 300.000 = parte professores, outra parte pessoal da administração, apoio, logística, planejamento. e outras atividades meio.
Apesar da denominação o Ministério da Educação tem funcionários não voltados para o ensino = a maioria. Um Ministério da Educação funcionando só com professores não funcionaria -são necessários profissionais de outras áreas, nas quais professores não teriam bom desempenho = apesar de ser eles quem ensinar tais profissionais.
Os funcionários do Ministério da Defesa totalizam 360.000 e grande parte é formada por funcionários civis e que não desenvolvem atividades militares.]
Aos que compreendem a educação como elemento chave para o desenvolvimento socioeconômico de uma nação, o prognóstico é muito ruim. O impacto das omissões e da falta de investimento em educação para os próximos anos são incalculáveis, e certamente negativos. Some a isso a migração dos alunos da rede privada para a pública em virtude da crise econômica que acomete os lares brasileiros, é de se esperar uma ampliação da demanda das escolas públicas, há muito desassistidas. Por ora, a preocupação se mantém em questões mais urgentes: como será o ano letivo daqueles que não tiveram acesso à educação à distância?
Serão reprovados?
Serão aprovados sem terem cursado efetivamente?
Haverá uma contemporização? Qualquer uma das opções não parece resolver de fato o problema.
Eis mais um capítulo da ineficiência estatal em garantir o direito fundamental à educação. Uma das consequências mais imediata e diretamente relacionada se revela na pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, divulgada no início do ano, que mostra que a falta de mão de obra qualificada nas indústrias foi de 50% em 2019. Os dados são conflitantes, já que o índice de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos, é quase o dobro da média da população brasileira.
Ou seja, se no cenário pré pandêmico a situação já revelava essas estatísticas, agora, com o acréscimo do componente da deseducação, isto é, nossas crianças longe das aulas e das escolas por falta de acesso, um sistema de ensino público pífio, e um país em colapso econômico que demandará muito mais da eficiência do Estado em gerir seus recursos, não há espaço para otimismo. Não é mais possível ignorar o elefante na sala de estar. A massa de desemprego entre os jovens não mais autoriza o Governo Federal a negligenciar sistematicamente nossas futuras gerações. A pandemia do COVID-19 apresentou a realidade nua e crua do acentuado abismo educacional que a rede pública de ensino enfrenta e que a falta de acesso à educação remota agravou ainda mais, o que o Governo Federal fará a respeito?
Que se invista com seriedade e que este aparato enorme e mal utilizado chamado rede pública de ensino possa ter a atenção e os investimentos que realmente precisam e merecem, nossas crianças agradecem.
Blog Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo
Antonio Baptista Gonçalves é advogado, pós-doutor, doutor e mestre pela PUC/SP, Bruna Melão Delmondes é advogada, especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina
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