Eloísa Machado de Almeida
Eleito em 2018, governador foi afastado do cargo por 180 dias em decisão de ministro do STJ
Ainda que o governador Wilson Witzel já tenha sido responsabilizado pelo
Supremo Tribunal Federal pela condução de sua necropolítica durante a
pandemia, com ordem para suspensão de operações policiais nas
comunidades cariocas, que tenha contra si uma maioria sólida para um
processo de impeachment e pululem indícios de corrupção com verbas de
saúde, a decisão de seu afastamento preventivo como governador gerou
desconforto. [comentário e pergunta que não quer calar:
Desde a posse do presidente Bolsonaro ou mesmo a partir de sua eleição em segundo turno, diversos políticos e mesmo instituições, inconformados com a eleição do capitão, começaram a plantar a ideia de que a democracia no Brasil corre risco.
Já que cada um acredita no quer quer e lhe convém, os inimigos do presidente Bolsonaro (sejam os inimigos do Brasil, a turma do mecanismo, inimigos da liberdade e da democracia) conseguiram razoável êxito em consolidar a gigantes 'fake news' - que a democracia corre risco no Brasil - e toda decisão que de alguma forma seja contra o presidente Bolsonaro, seus apoiadores, tem apoio de grande parte da imprensa, sendo bem recepcionada, apoiada e mesmo validada pelo Judiciário e Legislativo.
Em comum, quase sempre são monocráticas e provisórias.
A tendencia é se consolidarem.
Agora vamos a pergunta: decisão monocrática já determinou a condução, se necessária, de oficiais generais, 'debaixo de vara'.
E se um ministro do Supremo em decisão monocrática determinar a suspensão do mandato do presidente da República e sua condução debaixo de vara?
Quem vai se opor?
Cada 'excesso' do Poder Judiciário é aceito por pura inércia.]
A tendencia é se consolidarem.
Agora vamos a pergunta: decisão monocrática já determinou a condução, se necessária, de oficiais generais, 'debaixo de vara'.
E se um ministro do Supremo em decisão monocrática determinar a suspensão do mandato do presidente da República e sua condução debaixo de vara?
Quem vai se opor?
Cada 'excesso' do Poder Judiciário é aceito por pura inércia.]
A suspensão do exercício das funções públicas de Witzel por uma decisão
monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça recolocou o
tema sobre as imunidades constitucionais — e a forma como os tribunais a
interpretam — no centro do debate jurídico e político do país. A Constituição estabelece uma série de imunidades para detentores de
cargos eletivos do Executivo e do Legislativo. São imunidades que
procuram proteger a função relevante e representativa, impondo sobretudo
limites mais severos à persecução criminal.
Parlamentares são invioláveis por suas palavras e votos, possuem foro
por prerrogativa de função e não podem ser presos senão em flagrante de
crime inafiançável, sendo tanto a prisão como o próprio processo
criminal sujeitos à suspensão pelas Casas legislativas. Para o cargo eletivo do Executivo, a Constituição é ainda mais exigente:
a suspensão de mandato pela prática de crime comum se dá a partir de um
duplo controle: a autorização prévia do Legislativo e o recebimento da
denúncia pelo Judiciário.
As imunidades compõem uma série de controles judiciais e políticos que
garantem não só estabilidade para o exercício da função como também
reforçam a lógica da separação de Poderes. Mas não se trata apenas
disso. A preservação do vínculo de representatividade entre eleitor e
eleito é mais uma razão, talvez a maior delas, para a existência de
imunidades a detentores de cargos eletivos. A função é especialmente importante e protegida porque decorre de investidura vinda de voto.
As Constituições estaduais, na sua maior parte, reproduziram a mesma
lógica da Constituição Federal: governadores só poderiam ser afastados
do cargo com autorização prévia do Legislativo, seja no recebimento de
denúncia por crime comum ou na hipótese de crime de responsabilidade.
Ainda que as regras constitucionais sejam consideravelmente claras, a
interpretação dos tribunais tem sido vacilante quanto à sua extensão. Nos últimos anos, foi ampliada a interpretação dada a flagrante de crime
inafiançável para permitir a prisão de senador. Trata-se do caso
Delcídio do Amaral, preso por decisão monocrática de Teori Zavascki,
depois referendada em plenário.
Também recentemente, o Supremo passou por duas versões distintas de uma
mesma questão jurídica: a possibilidade de afastamento da função pública
como cautelar alternativa à prisão de parlamentares. No caso Eduardo Cunha, a decisão monocrática também de Teori Zavascki,
referendada depois em plenário, que suspendeu o exercício de suas
funções, não passou por crivo da Câmara dos Deputados; logo depois, o
Supremo decidiu que a decisão suspendendo mandato de Aécio Neves deveria
ser analisada pelo Senado (que derrubou a decisão de afastamento).
Logo depois, o Supremo decidiu restringir a interpretação sobre foro por
prerrogativa de função: crimes cometidos antes da diplomação e sem
relação com mandato seriam investigados pelas instâncias ordinárias.
Desde então, a decisão tem suscitado questões inéditas.
- Juízes de primeira instância poderão determinar a prisão cautelar ou
afastamento de deputados e senadores de suas funções?
- Poderão determinar
busca em gabinetes parlamentares?
Recentemente, investigações contra José Serra (PSDB-SP) foram suspensas
monocraticamente pelo presidente do STF, Dias Toffoli, pois as buscas
determinadas por juízes de primeira instância poderiam afetar documentos
relacionados ao atual mandato de senador. Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), [atual senador da República] investigado no suposto esquema das
“rachadinhas” antes de se tornar senador,teve foro garantido.
O Supremo também tem se debruçado sobre as imunidades de governadores. Para o tribunal, o regime de responsabilidade criminal de governadores deve ser distinto do conferido a presidente da República. Por isso, o Legislativo estadual não pode ser uma etapa prévia para a
análise da denúncia criminal, e governadores podem ser presos, inclusive
por atos estranhos ao mandato e no curso do mesmo. Também para o
Supremo, se alguém com cargo eletivo pode ser preso, pode receber uma
cautelar diversa da prisão, como o afastamento da função pública.
A interpretação restritiva significou o avanço do Judiciário sobre as
imunidades parlamentares e foi amparada — e isso é inegável— por um
sistema político agindo de forma nada republicana, não raras vezes
usando as imunidades como anteparo para a prática criminosa. Traem a lei
e seus representantes. Mas a substituição de maus políticos através de decisões judiciais
instáveis, sem colegialidade e sujeitas a maior politização, tampouco é
um bom resultado.
É nessa trajetória cheia de idas e vindas que se insere o caso de Wilson
Witzel: uma decisão monocrática provisória de um ministro do Superior
Tribunal de Justiça suspendeu o exercício das funções de um governador
eleito. Mesmo não sendo uma decisão inédita, estando repleta de indícios de
crimes de corrupção (frise-se, afetando as políticas de saúde durante
uma pandemia) e referenciada por uma série de julgamentos recentes, algo
parece fora de lugar.
Não à toa. Afinal, o sofisticado desenho constitucional de
responsabilização por crimes comuns, no qual a suspensão do mandato só
ocorre com chancela dos pares eleitos e, sua perda, após trânsito em
julgado da sentença penal condenatória com avaliação de um tribunal
colegiado, foi substituído pela decisão cautelar de um único juiz.
É como se foro por prerrogativa de função, que se caracteriza pela colegialidade, fosse extinto na marra: um juiz sozinho pode afastar um governador.
A cautelar de afastamento de função pública é uma alternativa à prisão. Porém aplicada a cargos eletivos parece esquecer um componente essencial dessa relação: a proteção que a Constituição dá ao voto.
É como se foro por prerrogativa de função, que se caracteriza pela colegialidade, fosse extinto na marra: um juiz sozinho pode afastar um governador.
A cautelar de afastamento de função pública é uma alternativa à prisão. Porém aplicada a cargos eletivos parece esquecer um componente essencial dessa relação: a proteção que a Constituição dá ao voto.
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