O Estado de S.Paulo
Faltaram tochas e máscaras brancas nos gritos de ‘assassina’ para a pobre menina pobre
É de chorar copiosamente de raiva, vergonha e desânimo quando um bando
de enlouquecidos usa o nome de Deus para transformar uma pequena e
sofrida vítima em vilã, aos gritos de “assassina”. É de uma crueldade
sem limites, que faz recrudescer uma angústia que só aumenta: a audácia
dessa gente que saiu das trevas não tem fim?
A pobre menina pobre tinha seis anos quando passou a ser abusada por um
tio, na casa onde morava com os avós. O pai? Não se sabe. A mãe? Também
não. Sem os pais e sem o olhar, o cuidado e a piedade dos adultos,
responsáveis, amigos e vizinhos, que não viram nada ou não quiseram “se
meter na vida dos outros”, o que e quem sobrou? Nada, ninguém. Só o
medo, a solidão, a dor do corpo e da alma.
[nossa posição sobre o aborto é pública e pode ser comprovada em várias postagens no Blog;
sobre o estupro, também - somos favoráveis a que o réu seja justiçado pela justiça da cadeia, depois pelo Poder Judiciário, neste caso indo até a castração física, sem anestesia;
sobre Sara Winter, fazemos a ressalva que atos por ela praticados no passado mereceram nosso repúdio (postagens comprovam), e tudo indica que foram por ela abominados;
Vale o provérbio: errar é humano, permanecer no erro é diabólico.
Entristece-nos ver o nome de DEUS ser citado para justificar assassinatos = a vida de um ser humano tem sempre o mesmo valor,principio que inclui um ser humano inocente e indefeso e uma grávida contra a sua vontade.
Outro ponto que não pode ser olvidado é a responsabilidade da frouxidão das leis penais brasileiras = o estuprador, um bandido da pior espécie foi condenado por tráfico de drogas, mas, teve direito ao famigerado semi aberto e foi durante tal regime que a sequência de estupros foi iniciada.]
Histórias assim ocorrem o tempo todo, por toda parte, contra milhares de
meninas e meninos pobres e desamparados neste nosso Brasil tão lindo,
de gente tão alegre e sol o ano inteiro, invejado por natureza pujante.
Um Brasil tão solar que abriga um Brasil tão obscuro, soturno, onde a
Justiça não é igual para todos, juízas injustas se referem à “raça” do
suspeito para condená-lo e crianças não têm o direito de serem crianças.
Abandonadas pela família e pelo Estado.
A nossa brasileirinha, tão sofrida, menstruou cedo e engravidou aos 10
anos do criminoso que usava da intimidade da casa para destruir o
corpinho, a autoestima e a vida dela. A lei autoriza o aborto em caso de
estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto. Ela se encaixa
em dois dos três critérios e a Justiça autorizou, mas médicos no
Espírito Santo lavaram as mãos e ela teve de ser acolhida em Pernambuco,
num hospital que interrompeu uma gravidez que poderia tê-la matado,
depois de longa tortura que ninguém viu, ou não quis ver. The end? Não,
foi só mais um capítulo dessa novela macabra. O drama dela continua,
assim como o dos quase 70 mil estupros por ano.
Almas do mal rondam a desgraça alheia, como a blogueira que desfilava de
peito de fora quando feminista e agora, depois de se metamorfosear em
bolsonarista, é alvo da Justiça por jogar fogos de artifício contra o
Supremo e capaz de divulgar o nome da criança grávida e o endereço do
hospital. Que pessoa é essa? Que mente deturpada é essa? É preciso
responsabilizá-la pelo crime, previsto em lei, de expor menores de idade
em situações adversas. Além de investigar quem vazou para uma pessoa
com essa índole os dados da menina e do seu destino para a execração
pública.
É demoníaco, mas mulheres e homens que se dizem religiosos, até
pastores, atenderam à convocação e se aglomeraram diante do hospital
para aprofundar a dor, a vergonha e a humilhação daquela criança. Só
faltaram máscaras brancas e tochas para reproduzir a Ku Klux Klan,
reencarnação do nazismo nos Estados Unidos condenada em todas as
democracias saudáveis.
Parabéns ao médico Olímpio de Moraes, que cumpriu a autorização judicial
e enfrentou a hipocrisia e os ensandecidos para defender, com coragem e
generosidade, o direito à saúde e à vida. “Obrigar uma criança a ter
uma gravidez forçada é um absurdo”, disse ele. Sim, absurdo, maldade,
escândalo, uma desumanidade. Como Nação, não podemos compactuar com
perversidades assim. Não se trata de ser contra ou a favor do aborto,
mas de humanidade.
Que a violência contra essa brasileirinha acorde a sociedade para esses
abusos que acontecem com uma frequência assustadora sob as nossas
barbas. É preciso proteger nossas crianças, incentivar as denúncias de
quem finge que não vê e punir os culpados. Para as seitas que chamam a
pequena vítima de “assassina”, convém lembrar que o real criminoso está
solto, ao lado de milhares de outros prontos a destruir a vida e o
futuro de crianças como ela.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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