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domingo, 30 de agosto de 2020

Queda de homicídios não reduz tragédia da violência no país – Editorial

 O Globo


No Rio, terror espalhado pela guerra entre facções mostra que problema está longe de ser resolvido

[imperioso que se destaque no o Rio além de apresente violência constante, também abriga áreas que estão livres da ação policial, exceto em situações especiais.
Qualquer bandido pode cometer crimes em uma área e se evadir para regiões que são verdadeiras embaixadas do crime.
A extraterritorialidade sobre elas decretada protege os bandidos que nelas se abrigam.]
‘Fique em casa.’ A recomendação tantas vezes repetida nestes seis meses de pandemia foi dita nos últimos dias aos cariocas, desta vez motivada por outra epidemia, a da violência. O protocolo se justificava diante do terror que tomou conta de bairros da Zona Sul e regiões centrais do Rio, acossados por uma guerra — mais uma — entre facções pelo controle dos pontos de venda de droga. A retomada do conflito entre quadrilhas, traduzida em mortes, tiros a esmo, sequestro de moradores e terror, revela quão distantes estamos de resolver o problema. A pandemia parecia ter trazido certo alívio aos indicadores, mas o tráfico aproveita o momento para se reorganizar. A decisão do STF que proibiu operações policiais nas comunidades do Rio contribuiu para reduzir a violência policial, mas, ao mesmo tempo, dificulta ações necessárias para reprimir as organizações criminosas.

É flagrante a falha de inteligência que permitiu que as ruas do Rio se transformassem em campos de batalha, expondo inocentes. Para não falar no problema crônico da corrupção policial, que agrava o quadro, na medida em que dificulta o combate às quadrilhas. A situação do Rio não é diferente do resto do país, onde impera a guerra entre facções. Isso fica patente no Atlas da Violência 2020, divulgado quinta-feira. A redução de 12% nos homicídios em 2018 tinha tudo para ser uma boa notícia, não fossem os outros dados do estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de mortes por causas indeterminadas, não esclarecidas, aumentou 25,6%. Parte dos homicídios pode, portanto, ter entrado nessa conta.

Mas não é a única explicação para a queda. De acordo com os pesquisadores, também podem ter contribuído a melhoria das políticas estaduais; uma trégua entre as facções; o Estatuto do Desarmamento, apesar das sucessivas tentativas de destruí-lo; e a diminuição gradativa da participação de jovens no conjunto da população. Ainda que se considere sem ressalvas a redução dos homicídios no país, os números divulgados são vergonhosos. Em 2018, 57.956 brasileiros perderam a vida para a violência. A cada dez minutos alguém é assassinado no Brasil. Num dia “normal”, são 158. Para ter ideia da catástrofe, é mais do que a pandemia de Covid-19 matou na Itália. É quase metade das vítimas da doença no Brasil, segundo país com maior número de mortes. Com uma diferença: o drama da violência é permanente.

Esses números abarcam inúmeras tragédias. Crianças mortas por balas perdidas; mulheres assassinadas pelos companheiros ou ex; a guerra do tráfico, que enseja casos como o da mãe que morreu ao proteger o filho de 3 anos no Rio — e tantas outras. Sabe-se que grande parte desses crimes (cerca de 70%) está relacionada às armas de fogo. Mas o Estatuto do Desarmamento, aprovado com o intuito de estancar a matança, é alvejado com frequência pelo presidente Jair Bolsonaro, com sua obsessão pela flexibilização da posse e do porte de armas. Futuramente, é provável que os números reflitam as consequências dessa insensatez. [o futuramente, bem citado, aconselha que se espere dados sobre eventuais casos de violência que sejam consequência direta da necessário, e inadiável, flexibilização do posse e porte de armas;
antecipar, incorreremos no mesmo dos especialistas tão falantes e ineficazes no caso da pandemia.]

Editorial - O Globo





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