O Estado de S.Paulo
A excepcionalidade se parece à normalidade
Os brilhantes almirantes junto a Jair Bolsonaro podiam explicar ao
capitão do Exército que um azimute constante em relação a um obstáculo
(outro navio, por exemplo, que também está se movendo) vai dar em
colisão. O presidente quer gastar para manter a popularidade, e está
encantado com as vozes (do ministro do Desenvolvimento Regional, mas não
só) que lhe dizem que estaria unindo o útil (reeleger-se) ao agradável
(fazer o bem para pessoas ainda mais necessitadas).
O obstáculo é o formidável rochedo fiscal, que está aumentando de
tamanho. À medida que 2021 se aproxima, fica próximo do irresistível
esse canto da sereia de que a excepcionalidade atual imposta pela
calamidade pública podia ser esticada um pouquinho mais, só um pouquinho
mais, só para algumas obras já orçadas, já iniciadas, necessárias até
por razões humanitárias (como levar água para o Nordeste, por exemplo).
Sim, esse argumento procede, tem sólidos fundamentos num país miserável
no qual metade da população nem esgoto tem. Sim, as circunstâncias da
dupla crise de saúde e economia obrigam a mudar os cálculos (políticos,
sobretudo), alteram prioridades (como reforma do Estado ou
privatizações) e impõem gastar sem olhar para o fundo do cofre.
Afinal,
não é o que uma Angela Merkel está fazendo? Deixem os economistas
debatendo entre si se esse “novo normal” jogou por terra tudo o que
aprenderam na vida acadêmica, pautada ou não pela ortodoxia.
O problema no caso brasileiro, no qual Bolsonaro é uma expressão
perfeita de mentalidades e atitudes generalizadas, é o conceito de
excepcionalidade. Não há nada de novo no fato de a sociedade brasileira
conviver com gastos públicos muito acima da capacidade do nosso espaço
econômico de financiá-los. Ao contrário, é o que estamos fazendo há
décadas. Também não é novidade alguma o fato de que nos acostumamos a
acomodar interesses setoriais e regionais espalhando pela nação inteira
os custos dessas acomodações – traduzindo: benefícios, renúncias,
incentivos, proteções, privilégios, regimes especiais, a gritante
diferença entre o emprego público e o privado.
Circulam no Congresso, e no Planalto, números dando conta de que mais da
metade dos 60 milhões de brasileiros que recebem ajuda emergencial
acredita que ela será permanente e que a quase totalidade dessas pessoas
não está preparada para o momento em que essa ajuda cessar. Para montar
já para o ano que vem um grande programa social para Bolsonaro chamar
de seu o ministro da Economia, Paulo Guedes, precisa sentar com o
Congresso e decidir no que mexer nos R$ 350 bilhões de isenções
tributárias – ou seja, onde cortar nas “acomodações” tão ao gosto de
nossa sociedade.
[CIRCULAM! acompanhada ou não da palavra RUMORES, já é um termo que lembra boatos - abundantes no meio político e, recentemente, no meio judiciário.
O presidente da Câmara dos Deputados comentar, fazer circular, posições da casa que preside, é aceitável. Se trata de um político, categoria que não possui grande credibilidade, foi eleito deputado - no caso do atual com poucos votos, mas, eleito; surpreende é o STF opinar sobre o destino de decisões que dizem respeito ao Executivo e Legislativo
Lembra um recado: se aprovarem o que estão discutindo, nós anulamos.
O TCU, que apesar do nome não pertence ao Poder Judiciário, deveria atuar sobre contas = despesas realizadas, em curso ou autorizadas. Mas,por estar vinculado ao Legislativo = poder político = considera normal se pronunciar sobre o que talvez ocorra.
CONCLUSÃO:
A pandemia está durando mais do que o previsto pelos especialistas, a crise econômica causa danos extremos, (o número de contagiados/mortos, supera o vaticinado pelos 'especialistas' = atuam mais pela adivinhação) será maior e mais duradoura do que o esperado e tudo isto leva ao FATO: MILHÕES DE BRASILEIROS estão desempregados, sem condições de prover o básico do básico para si e seus familiares.
Não podem esticar o que não possuem, só lhes restando dois caminhos:
- DEUS efetuar um milagre, no estilo da multiplicação dos pães;
- o Governo Federal prover meios de subsistência por alguns meses.
Se um dos caminhos não for seguido, só resta o da morte por inanição = sim, um genocídio contra todos os desfavorecidos.
Quando o presidente da República é compelido a liberar dinheiro para prefeitos e governadores, não CIRCULAM avisos, dicas, que a liberação da grana não passa.
Mas, para auxílio emergencial, reduzir um pouco a miséria, as privações dos desassistidos e desfavorecidos CIRCULAM avisos e manifestações - por autoridade sem credibilidade e outras inoportunas, por intempestivas.
Um comentário final sobre as mortes por covid-19:
- agora que a pandemia arrefece, graças a DEUS, começam a 'sacar' mortes de trimestres anteriores, no DF ocorreram oito mortes em 24 horas, mas ajustes 'ajustaram' o número para mais de 50, casos confirmados em 24 horas são divulgados com alarde e o número de recuperados no mesmo tempo não é divulgado, quando divulgam - é nomeio do texto.]
Com TCU, STF e o presidente da Câmara dos Deputados avisando que
puxadinho no teto de gastos não passa, e que a abertura de créditos
extraordinários via MP também não, é com o Centrão que Bolsonaro terá de
se entender. O começo dessa relação parece auspicioso: as “novas”
lideranças políticas abraçadas pelo presidente garantem a ele
governabilidade e a agradável sensação de que o pior da crise ficou para
trás, agora que vamos gastar. Convenientemente, ignora-se o fato de que
o fisiologismo, que azeita o que for necessário em Brasília, é dono de
insaciável apetite (o que isso tem de excepcional?).
Some-se a isto um fator subjetivo muito elucidativo quando se considera a
rapidez com que nos acostumamos ao número de mortos na pandemia (um
horror em escala mundial): é a de que estamos aparentemente confortáveis
dentro da excepcionalidade. Esses tempos “excepcionais” se parecem
tanto à normalidade, deixando de lado a chateação das máscaras e as
escolas fechadas, com as crianças azucrinando em casa. Na ponte de comando em Brasília, muitas vezes paralisada por tantas mãos
do Executivo, Legislativo e Judiciário mexendo no leme, traçar um rumo é
notoriamente uma questão de alta complexidade e mantê-lo também, ainda
mais com um “skipper” errático. Que está correndo o risco de confundir
rumo com deriva.
William Waack, colunista - O Estado de S. Paulo
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