O Globo
Em cidade da Grande São Paulo, traficante do PCC administrava serviços de saúde e coleta de lixo
É sabido que facções criminosas costumam controlar seus negócios
ilícitos de dentro de presídios mantidos pelo Estado. Não é segredo
também que estabeleceram enclaves em quase todas as regiões do país,
onde impõem seu nefasto poder paralelo. Mas a captura de serviços
públicos, como saúde e coleta de lixo, por facções é tão inusitada
quanto chocante. Foi o que ocorreu em Arujá, cidade de 90 mil habitantes
na Grande São Paulo, onde clínicas médicas e odontológicas eram
administradas por laranjas do traficante Anderson Lacerda Pereira, o
Gordo, um dos chefes da facção hegemônica paulista, o PCC. Como mostrou o
“Fantástico”, o gângster, condenado por narcotráfico internacional,
está foragido — e leva vida nababesca.
O esquema, revelado na Operação Soldi Sporchi (dinheiro sujo em
italiano), funcionava havia quatro anos. Envolvia licitações
fraudulentas e até uma aparentemente insuspeita Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscip) para gerir alguns serviços. A coleta
de lixo também era operada por uma empresa de fachada, ligada ao
traficante e à sua família. Tudo no melhor estilo das máfias italianas.
Segundo a polícia, o crime contava com a cumplicidade do vice-prefeito
de Arujá, Márcio José de Oliveira (Republicanos), que chegou a ser preso
e hoje responde em liberdade.
As unidades de saúde e a empresa de coleta de lixo serviam para lavar o
dinheiro do tráfico. De quebra, os contratos, quase todos
superfaturados, ainda renderam R$ 77 milhões à quadrilha — recursos do
contribuinte. Havia outras vantagens para o bando, que podia comprar,
com os medicamentos, produtos usados no refino da cocaína. Hospitais
davam abrigo a comparsas sem despertar a atenção da polícia. A empresa
de limpeza urbana também tinha função estratégica, já que os caminhões
eram usados para transportar insumos ao “laboratório” do tráfico.
Não é o único caso que expõe a promiscuidade do crime com instituições
de Estado. No Rio, são conhecidos os tentáculos das milícias que
alcançam o Legislativo e o Executivo, em especial a área de segurança.
No fim de julho, uma operação do Ministério Público para desarticular
grupos paramilitares prendeu cinco PMs da ativa, um deles apanhado no
Palácio Guanabara, sede do governo fluminense. Em São Paulo, políticos
petistas já foram acusados de ligações com máfias de vans e o PCC.
Permitir, porém, que facções se apropriem de serviços essenciais à
população de um município é inadmissível. Trata-se de precedente
perigosíssimo. Não bastasse o péssimo serviço prestado pela quadrilha e
seus laranjas — não se podia esperar outra coisa —, é um descalabro
instalar uma organização criminosa dentro do próprio Estado, que tem o
dever de combatê-las.
É bem possível que facções criminosas tenham estendido seus tentáculos
por outros ramos estatais. É essencial que órgãos de controle e
fiscalização estejam atentos a essas ligações espúrias, para que sejam
rechaçadas antes de prosperar. Abrir as portas de um poder constituído
ao crime organizado seria um atestado de capitulação.
Editorial - O Globo
Em cidade da Grande São Paulo, traficante do PCC administrava serviços de saúde e coleta de lixo
É sabido que facções criminosas costumam controlar seus negócios
ilícitos de dentro de presídios mantidos pelo Estado. Não é segredo
também que estabeleceram enclaves em quase todas as regiões do país,
onde impõem seu nefasto poder paralelo. Mas a captura de serviços
públicos, como saúde e coleta de lixo, por facções é tão inusitada
quanto chocante. Foi o que ocorreu em Arujá, cidade de 90 mil habitantes
na Grande São Paulo, onde clínicas médicas e odontológicas eram
administradas por laranjas do traficante Anderson Lacerda Pereira, o
Gordo, um dos chefes da facção hegemônica paulista, o PCC. Como mostrou o
“Fantástico”, o gângster, condenado por narcotráfico internacional,
está foragido — e leva vida nababesca.
O esquema, revelado na Operação Soldi Sporchi (dinheiro sujo em
italiano), funcionava havia quatro anos. Envolvia licitações
fraudulentas e até uma aparentemente insuspeita Organização da Sociedade
Civil de Interesse Público (Oscip) para gerir alguns serviços. A coleta
de lixo também era operada por uma empresa de fachada, ligada ao
traficante e à sua família. Tudo no melhor estilo das máfias italianas.
Segundo a polícia, o crime contava com a cumplicidade do vice-prefeito
de Arujá, Márcio José de Oliveira (Republicanos), que chegou a ser preso
e hoje responde em liberdade.
As unidades de saúde e a empresa de coleta de lixo serviam para lavar o dinheiro do tráfico. De quebra, os contratos, quase todos superfaturados, ainda renderam R$ 77 milhões à quadrilha — recursos do contribuinte. Havia outras vantagens para o bando, que podia comprar, com os medicamentos, produtos usados no refino da cocaína. Hospitais davam abrigo a comparsas sem despertar a atenção da polícia. A empresa de limpeza urbana também tinha função estratégica, já que os caminhões eram usados para transportar insumos ao “laboratório” do tráfico.
Não é o único caso que expõe a promiscuidade do crime com instituições de Estado. No Rio, são conhecidos os tentáculos das milícias que alcançam o Legislativo e o Executivo, em especial a área de segurança. No fim de julho, uma operação do Ministério Público para desarticular grupos paramilitares prendeu cinco PMs da ativa, um deles apanhado no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense. Em São Paulo, políticos petistas já foram acusados de ligações com máfias de vans e o PCC.
Permitir, porém, que facções se apropriem de serviços essenciais à população de um município é inadmissível. Trata-se de precedente perigosíssimo. Não bastasse o péssimo serviço prestado pela quadrilha e seus laranjas — não se podia esperar outra coisa —, é um descalabro instalar uma organização criminosa dentro do próprio Estado, que tem o dever de combatê-las.
É bem possível que facções criminosas tenham estendido seus tentáculos por outros ramos estatais. É essencial que órgãos de controle e fiscalização estejam atentos a essas ligações espúrias, para que sejam rechaçadas antes de prosperar. Abrir as portas de um poder constituído ao crime organizado seria um atestado de capitulação.
Editorial - O Globo
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