O Estado de S. Paulo
Respeitar os limites da responsabilidade fiscal implica mexer com regalias de corporações arraigadas nos Três Poderes
A uma simpatizante que na saída do Palácio da Alvorada lhe pediu mais
gastos com a Defensoria Pública da União, o presidente Jair Bolsonaro,
em tom de desabafo, disse que “está uma briga enorme por Orçamento” e
que “cada vez mais diminui o montante”. Acrescentou que “está vindo
muita gente com problemas justos” e cada um deles, “no final das contas,
custa R$ 20 bilhões por ano e não tem dinheiro”.
A seu modo, o presidente tornou pública a costumeira disputa anual por
espaço no Orçamento da União, cuja proposta tem de ser enviada ao
Congresso até o dia 31 deste mês. É portanto neste momento que cada
Ministério expõe suas necessidades e reivindica recursos para
atendê-las, cabendo à equipe econômica organizar essas demandas conforme
a receita esperada e dentro do que o presidente da República determinar
como prioridade. Mesmo depois de aprovado, o Orçamento ainda pode
sofrer contingenciamento de verbas, em razão de frustração de receitas.
Como o debate orçamentário dentro do governo ainda está em curso, não é
possível saber, oficialmente, qual será a peça a ser apresentada para
avaliação do Legislativo, e tudo o que se especule por ora se presta tão
somente a alimentar o jogo de pressão pelos recursos – disputa
especialmente feroz num contexto de grande retração econômica. Também é importante lembrar que há uma ala bastante influente no Palácio
do Planalto e na Esplanada dos Ministérios que deseja promover uma
revisão do teto de gastos – eufemismo para manobras fiscais destinadas a
aumentar a gastança sem se ater às responsabilidades previstas em lei. A
mera perspectiva de que o Orçamento possa vir com corte de verbas
destinadas à Saúde e à Educação em razão da crise, como se revelou nos
últimos dias, joga água no moinho dos que advogam pelo fim do teto de
gastos – uma causa que une a esquerda nacional-desenvolvimentista e a
direita saudosa dos grandiosos projetos de infraestrutura da época do
regime militar –, como se o teto de gastos fosse o responsável pela
penúria de áreas tão importantes para o País.
Como se sabe, o teto de gastos, em si mesmo, não promove corte nenhum.
Seu objetivo é tão somente limitar o crescimento dos gastos em geral,
tendo a inflação passada como referência. Esse mecanismo confere um
mínimo de controle sobre a trajetória das despesas, sem especificar qual
deve ser privilegiada ou cortada. Uma vez estabelecido esse limite
geral, cabe à sociedade, por meio de seus representantes políticos,
escolher o que considera prioritário – e reduzir o financiamento do que
for entendido como secundário. Assim, a fatia orçamentária destinada a
áreas sociais relevantes como Saúde e Educação só sofrerá corte ou
incremento se houver consenso político.
De nada adianta, ademais, reservar grandes volumes de recursos para
essas áreas se o governo não tem competência para gastá-los. Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União divulgada no mês passado
constatou, por exemplo, que o governo havia conseguido executar menos de
um terço das verbas destinadas ao combate à pandemia de covid-19, que
já deixou mais de 100 mil mortos e ocasionou o colapso do sistema de
saúde em diversas unidades da Federação.
Mas é mais fácil discutir como destruir o teto de gastos do que pensar
em maneiras de adaptar o Orçamento aos limites da responsabilidade
fiscal, pois respeitar esses limites implica mexer em algum momento com
regalias de corporações arraigadas nos Três Poderes e em todos os níveis
de governo. É algo que o presidente Bolsonaro não demonstrou nenhuma
disposição para fazer, embora já esteja claro que o que nos trouxe até a
presente crise foi o crescimento contínuo e exponencial dos gastos
obrigatórios com servidores públicos e com uma Previdência disfuncional,
além da generosa concessão de subsídios e benefícios para os
privilegiados de sempre. É o pirão dessa elite que continuará a receber farinha, seja muita ou
pouca, a não ser que a sociedade, por meio dos canais democráticos, diga
de uma vez por todas que isso é inaceitável.
Editorial - O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/
Respeitar os limites da responsabilidade fiscal implica mexer com regalias de corporações arraigadas nos Três Poderes
A uma simpatizante que na saída do Palácio da Alvorada lhe pediu mais
gastos com a Defensoria Pública da União, o presidente Jair Bolsonaro,
em tom de desabafo, disse que “está uma briga enorme por Orçamento” e
que “cada vez mais diminui o montante”. Acrescentou que “está vindo
muita gente com problemas justos” e cada um deles, “no final das contas,
custa R$ 20 bilhões por ano e não tem dinheiro”.
A seu modo, o presidente tornou pública a costumeira disputa anual por
espaço no Orçamento da União, cuja proposta tem de ser enviada ao
Congresso até o dia 31 deste mês. É portanto neste momento que cada
Ministério expõe suas necessidades e reivindica recursos para
atendê-las, cabendo à equipe econômica organizar essas demandas conforme
a receita esperada e dentro do que o presidente da República determinar
como prioridade. Mesmo depois de aprovado, o Orçamento ainda pode
sofrer contingenciamento de verbas, em razão de frustração de receitas.
Como o debate orçamentário dentro do governo ainda está em curso, não é
possível saber, oficialmente, qual será a peça a ser apresentada para
avaliação do Legislativo, e tudo o que se especule por ora se presta tão
somente a alimentar o jogo de pressão pelos recursos – disputa
especialmente feroz num contexto de grande retração econômica. Também é importante lembrar que há uma ala bastante influente no Palácio
do Planalto e na Esplanada dos Ministérios que deseja promover uma
revisão do teto de gastos – eufemismo para manobras fiscais destinadas a
aumentar a gastança sem se ater às responsabilidades previstas em lei. A
mera perspectiva de que o Orçamento possa vir com corte de verbas
destinadas à Saúde e à Educação em razão da crise, como se revelou nos
últimos dias, joga água no moinho dos que advogam pelo fim do teto de
gastos – uma causa que une a esquerda nacional-desenvolvimentista e a
direita saudosa dos grandiosos projetos de infraestrutura da época do
regime militar –, como se o teto de gastos fosse o responsável pela
penúria de áreas tão importantes para o País.
Como se sabe, o teto de gastos, em si mesmo, não promove corte nenhum.
Seu objetivo é tão somente limitar o crescimento dos gastos em geral,
tendo a inflação passada como referência. Esse mecanismo confere um
mínimo de controle sobre a trajetória das despesas, sem especificar qual
deve ser privilegiada ou cortada. Uma vez estabelecido esse limite
geral, cabe à sociedade, por meio de seus representantes políticos,
escolher o que considera prioritário – e reduzir o financiamento do que
for entendido como secundário. Assim, a fatia orçamentária destinada a
áreas sociais relevantes como Saúde e Educação só sofrerá corte ou
incremento se houver consenso político.
De nada adianta, ademais, reservar grandes volumes de recursos para
essas áreas se o governo não tem competência para gastá-los. Uma
auditoria do Tribunal de Contas da União divulgada no mês passado
constatou, por exemplo, que o governo havia conseguido executar menos de
um terço das verbas destinadas ao combate à pandemia de covid-19, que
já deixou mais de 100 mil mortos e ocasionou o colapso do sistema de
saúde em diversas unidades da Federação.
Mas é mais fácil discutir como destruir o teto de gastos do que pensar
em maneiras de adaptar o Orçamento aos limites da responsabilidade
fiscal, pois respeitar esses limites implica mexer em algum momento com
regalias de corporações arraigadas nos Três Poderes e em todos os níveis
de governo. É algo que o presidente Bolsonaro não demonstrou nenhuma
disposição para fazer, embora já esteja claro que o que nos trouxe até a
presente crise foi o crescimento contínuo e exponencial dos gastos
obrigatórios com servidores públicos e com uma Previdência disfuncional,
além da generosa concessão de subsídios e benefícios para os
privilegiados de sempre. É o pirão dessa elite que continuará a receber farinha, seja muita ou
pouca, a não ser que a sociedade, por meio dos canais democráticos, diga
de uma vez por todas que isso é inaceitável.
Editorial - O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário