Entre CPMF e fura-teto - Carlos Alberto Sardenberg
Vamos falar francamente: só tem duas maneiras de financiar o Renda
Brasil e aqueles outros programas de gastos – ou criando uma CPMF ainda
mais ampla ou furando o teto de gastos. O ministro Paulo Guedes já disse que não é um fura-teto, no que tem o
apoio explícito do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um articulador
decisivo das votações no Congresso. Já o presidente Bolsonaro prometeu
mais de uma vez que não vai recriar a CPMF, no que também tem o apoio de
Rodrigo Maia. Este não só anunciou voto contra, como disse que vai
lutar no plenário para barrar o imposto.
O presidente Bolsonaro não é de manter promessas ou compromissos, mas os outros dois personagens desta pequena história não podem simplesmente jogar fora seus propósitos. Logo, não tem saída. Ou há uma troca (Renda Brasil por CPMF) ou não tem dinheiro. Exceto se furar o teto de gastos, mas aí Bolsonaro precisaria substituir Paulo Guedes e derrotar Rodrigo Maia no plenário da Câmara duas vezes, uma para recriar a CPMF, outra para furar o teto. O Centrão topa as duas coisas, desde que isso garanta gastos e cargos para a clientela.
[o deputado que preside a Câmara faz exatamente o que tem feito desde janeiro 2019- tenta complicar a vida do presidente Bolsonaro, tornar ingovernável o Brasil - e,infelizmente para o Brasil, tem sido favorecido em seus planos anti Bolsonaro pela pandemia e o dilema de agora:
- deixar milhões à míngua ? (o tamanho da necessidade desses milhões é de tal ordem que até uma ajuda emergencial de R$ 300 a 400 é de valor para eles);
- trazer de volta a CPMF, imposto desmoralizado, extorsivo, incide nas duas pontas, regressivo e todas as mazelas?
- 'furar o teto' e por continuar sendo vítima da 'extorsão' dos estados e municípios - pagando verbas emergenciais, prolongando prazos de dívidas e outros ônus - ter que acionar a 'maquininha de fazer dinheiro', trazendo de volta a hiperinflação que somada à recessão ainda presente = estagflação.
Quandro fantástico, maravilhoso, para os inimigos do presidente = inimigos do Brasil + turma do mecanismo + turma do 'quanto pior, melhor'.]
Tudo considerado, ou Bolsonaro promove uma grande virada no seu
governo, com mais Centrão e menos Guedes, ou não vai sair programa
algum. Pior: tocando apenas o que já está aí, fica contratado o
fura-teto para o ano que vem. Nessas condições, sem projetos, sem respeito ao controle de gastos e da dívida, não haverá retomada sustentável da economia. O que seria um caminho, digamos, decente? Retomar as reformas –
tributária, ampla, e administrativa, esta para conter os gastos com o
funcionalismo. E avançar nas privatizações, que estão emperradas não
apenas por causa da ineficiência da equipe de Guedes.
[uma reforma administrativa - se os gastos com o funcionalismo fossem a causa principal do problema e reduzi-los fosse a solução única e eficiente - não teria efeito imediato (o dilema/problema do presidente é para agora, para ontem, deixar para amanhã não resolve) e sua abrangência restrita = os MEMBROS do PJ, PL e MP seriam incluídos?
A saída é o CRESCIMENTO - que precisa de INVESTIMENTOS = RECURSOS.
Um lenitivo seria a privatização - sem grande valia, devido o espaço para judicialização (no Brasil tudo é judicializado) e a consequente demora.]
Acontece que muitas estatais que frequentam a lista de privatizações –
como Correios e Telebrás – foram entregues a militares, que são contra a
venda. Alegam problemas de segurança nacional. Por exemplo: meios de
comunicação e tecnologia da informação não poderiam ficar nas mãos de
empresas privadas, muito menos as estrangeiras. [São dezenas e dezenas de estatais que podem ser privatizadas sem riscos para a segurança nacional.
O exemplo - Correios e Telebrás - foi feliz parcialmente.
O que impede privatizar o BB? (já é uma sociedade de economia mista,aumenta o capital privado.
O que impede privatizar a parte bancária da CEF?)
A Petrobras?
A Telebras? ]
Bobagem. Faziam a mesma alegação quando governo FHC anunciou a
privatização das telecomunicações. As teles foram vendidas, inclusive
para capital estrangeiro. E alguém percebeu algum problema de segurança?
Ao contrário, a expansão da telefonia permitiu melhorar os sistemas de
vigilância e segurança de toda espécie.
Mas tem também, e principalmente, os cargos. Só no comando dos
Correios, 14 militares. Na Telebrás, os cinco diretores executivos são
militares. Como boa parte dos parlamentares – sobretudo do Centrão – não gosta
de perder as possibilidades de nomeação e como a esquerda quer tudo
estatal, como Bolsonaro queria lá atrás, não surpreende que o programa
não decole. Sem privatizações e concessões em massa, não haverá investimentos.
Isso porque o governo, mesmo furando o teto, tem pouco dinheiro para
isso, já que mais de 80% das despesas vão para previdência e pagamento
de pessoal. Ou mais. No ano passado, por exemplo, o Judiciário gastou R$
100 bilhões, sendo 90 para pessoal.
Comércio, indústria e consumo têm mostrado recuperação. É óbvio.
Lojas e fábricas estavam fechadas, não produziam. Começaram a abrir,
voltam as vendas. [o que prova o quanto foi prejudicial para uma economia já combalida o fechamento de forma impensada, intempestiva, que somado ao fanatismo pró isolamento só prejudicaram o Brasil.
Agora abriram tudo, o contágio está em queda, o mesmo com o número de mortes e se conclui que tudo teria sido resolvido de melhor apenas com o uso de máscaras e algumas medidas básicas de higiene.] Mas a economia está voltando devagar para o nível
pré-pandemia, que era um ritmo de crescimento de 1% ao ano. Ou seja, não
foi a Covid que retirou a capacidade de crescimento estrutural da
economia brasileira. Foi e continua sendo a falta de reformas, de privatizações e de controle e eficiência no gasto público.
Desmonte da Lava Jato
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski deram forte impulso
ao desmonte da Lava Jato. Com o voto dos dois, a segunda turma do STF
anulou uma sentença de Sérgio Moro que havia condenado um doleiro ainda
no velho caso do Banestado. Tese: Moro foi parcial.
Mas outros dois ministros, Edson Fachin e Cármen Lúcia, votaram pela tese contrária, que não houve nada de errado no processo. Como o quinto ministro da turma, Celso de Mello, estava no hospital, o empate favoreceu o réu. Nem é um caso grande, mas está claro o objetivo final: anular as condenações de Lula e de todos os políticos da Lava Jato.
[este parágrafo esclarece dois pontos:
- a Lava Jato foi e continua sendo importante, mas não pode ser alçada à 'instituição'.
Precisa nova força tarefa com novos integrantes, novas investigações, mais eficiência e menos desejo de protagonismo.
A personalização pode, e deve, ser evitada = o conceito de que há pessoas insubstituíveis precisa acabar; e,
- o empate é consequência da pretensão de ser insubstituível - em um colegiado de cinco membros, a ausência de um, considerado o principio que o empate favorece o réu, deve ser suprida pela convocação de outro magistrado para evitar empate.]
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 27 de agosto de 2020
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