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quarta-feira, 3 de junho de 2020

"Injúria, calúnia e difamação são crimes, não fake news" - Alexandre Garcia

''Se alguém posta a intenção de tocar fogo no Supremo ou enfiar outra faca em Bolsonaro, isso não é notícia falsa - é ameaça, crime previsto no Código Penal"

Em agosto de 1954, o major-aviador Rubem Vaz, guarda-costa voluntário do jornalista Carlos Lacerda, foi morto por um tiro no atentado que visava Lacerda, praticado por integrantes da segurança do presidente Getúlio Vargas. A Aeronáutica tomou a si a investigação do fato, instalando uma espécie de tribunal na Base Aérea do Galeão, que entrou para a história como República do Galeão. A Força Aérea se sentiu agredida, ignorou os caminhos legais, fez o inquérito e julgou. Dois dias depois, Getúlio se matou. Não creio que o Supremo de hoje queira se comparar à República do Galeão, para tirar um presidente. A arma mais persistente já tem 14 meses nas mãos de Alexandre de Moraes, é o inquérito das Fake News. Ironicamente, essa denominação em si já é uma fake news.

Contrariando o Ministério Público desde o tempo de Raquel Dodge, está embutida na investigação uma intimidatória censura, proibida pela Constituição, que garante a liberdade de opinião e de expressão. Injúria, calúnia e difamação são crimes, não fake news. Se alguém posta a intenção de tocar fogo no Supremo ou enfiar outra faca em Bolsonaro, isso não é notícia falsa –– é ameaça, crime previsto no Código Penal. E fake news não são exclusividade das redes sociais, onde, aliás, uma notícia falsa é detectada e desmentida em minutos.

Fake news é quando um grupo de camisas-pretas, punhos cerrados, com todas as características de movimento fascista, atacando manifestantes pacíficos a socos e pontapés. No noticiário é chamado de “antifascista” porque gritava “democracia”. Quando um grupo arranca do mastro do Palácio Iguaçu, em Curitiba, a bandeira nacional e a rasga e queima, e é chamado de antifascista na TV, isso é fake news. [Onde estava a guarda do Palácio Iguaçu que não interviu, usando da força necessária, para evitar que a Bandeira Nacional fosse ultrajada e, por extensão a Pátria que representa?]  No próximo dia 10, o plenário do Supremo vai examinar esse inusitado inquérito que não tem sequer finalidade clara. Uma outra questão, essa nas mãos de Celso de Mello, é o pedido de partidos de oposição para quebrar o sigilo do celular do presidente. Acaba de ser arquivada pelo ministro, depois que o procurador-geral o ensinou que partido político não é parte legítima para isso. Também contra o presidente, a insinuação de Sergio Moro de influência indevida na polícia Federal, mas isso já se diluiu depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Nem Vargas teve tantas acusações na República do Galeão.

Agora, o ministro Barroso, que assumiu a Justiça Eleitoral, tira da gaveta pedido de dois candidatos derrotados, Boulos e Marina, para anular o registro da chapa Bolsonaro-Mourão. Isso cassaria o voto de quase 58 milhões de eleitores. No primeiro artigo da Constituição, o parágrafo único que diz que todo poder emana do povo. E isso não é fake news, é a base da democracia.


Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense


domingo, 8 de março de 2020

Apelo às massas - Nas entrelinhas

Com o PIB de 1,1%, Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Não é o primeiro a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas

Com o restabelecimento do presidencialismo em janeiro de 1963 e a ampliação dos poderes do presidente João Goulart — que havia assumido o cargo após a renúncia de Jânio Quadros, não sem antes ter que derrotar uma tentativa de golpe militar (sic) para impedir sua posse —, a implementação das chamadas reformas de base passou a ser o eixo da disputa política nacional. Goulart apresentou às lideranças políticas um anteprojeto de reforma agrária que previa a desapropriação de terras com título da dívida pública, o que forçosamente obrigava a alteração constitucional. Uma segunda iniciativa para agilizar a agenda das reformas foi o encaminhamento de uma emenda constitucional, que propunha o pagamento da indenização de imóveis urbanos desapropriados por interesse social, com títulos da dívida pública.

Essas propostas, porém, não foram aprovadas pelo Congresso Nacional, o que provocou forte reação por parte dos grupos de esquerda, inclusive nas Forças Armadas. Em setembro de 1963, a Revolta dos Sargentos — movimento que reivindicava o direito de que os chamados graduados das Forças Armadas (sargentos, suboficiais e cabos) exercessem mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal, o que contrariava a Constituição de 1946 — acirrou a polarização ainda mais. Entretanto, isso aumentou o isolamento de Jango, já agravado pelo rompimento com o Partido Social Democrático (PSD) e Juscelino Kubitschek, que era candidato a presidente nas eleições previstas para 1965.

Diante dessa situação, Jango pediu a Raul Ryff, seu secretário de Imprensa, que era membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que agendasse um encontro com o líder comunista Luiz Carlos Prestes. O encontro foi organizado por Antônio Ribeiro Granja, membro do secretariado do PCB, num apartamento em Copacabana. À época, Prestes já articulava a reeleição de João Goulart, o que era inconstitucional, à falta de melhor opção para enfrentar as candidaturas de Juscelino e de Carlos Lacerda (UDN), pois o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado do presidente da República, era inelegível. O conselho de Prestes foi Jango apelar às massas e fazer as reformas de base por decreto. Para isso, os comunistas organizariam comícios populares em todos os estados do país, ao qual Jango compareceria.

A mobilização foi iniciada no dia 13 de março de 1964, com o comício realizado na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, também denominado Comício das Reformas, ao qual compareceram cerca de 150 mil pessoas. Na ocasião, Goulart proclamou a necessidade de mudar a Constituição e anunciou a adoção de importantes medidas, como a encampação das refinarias de petróleo particulares e a possibilidade de desapropriação das propriedades privadas valorizadas por investimentos públicos, situadas às margens de estradas e açudes.

Era o começo de uma escalada fatal para democracia, pois, em resposta ao comício, várias manifestações e “marchas” foram convocadas por setores do clero e por entidades femininas. A primeira, A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorreu em São Paulo, a 19 de março, no dia de São José, padroeiro da família. Contou com a participação de cerca de 300 mil pessoas, entre as quais Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara. A última, no dia 2 de abril, após a derrubada de Jango, levou às ruas cerca de um milhão de pessoas e legitimou o golpe militar de 1964, revelando uma correlação de forças favorável à implantação do regime autoritário.

Novo cenário
Ontem, com sinal trocado, durante uma escala em Roraima, a caminho do encontro com o presidente Donald Trump, em Washington, recepcionado por 400 apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro resolveu convocar seus partidários para a manifestação do dia 15 de março, com objetivo de pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo e o político que tem medo da rua não serve para ser político”, disse Bolsonaro. Na semana passada, havia negado que estava convocando o protesto nas suas redes de WhatsApp, apesar das evidências. Na verdade, o movimento não tem nada de espontâneo: está sendo organizado por grupos de extrema-direita que apoiam Bolsonaro, que também se utiliza de um exército de robôs comandado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, o 02, seu filho, nas redes sociais.


Há duas motivações aparentes para Bolsonaro convocar a manifestação: manter a pressão sobre o Congresso, que votará os projetos regulamentando a execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União; e reforçar os protestos, que estavam sendo esvaziados pelo acordo feito pelo Palácio do Planalto para resolver o impasse em relação ao Orçamento de 2020. Uma terceira motivação, porém, é subjacente: o fracasso do governo na economia começa a lhe subir à cabeça, depois do PIB de 1,1% do ano passado. Além disso, o cenário na economia mundial sinaliza tempos difíceis pela frente, ainda mais com a chegada da epidemia de coronavírus ao Brasil. Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Como vimos, em que pese as diferenças polares, não é o primeiro presidente a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas e enfrenta dificuldades com o Congresso. [o governo Jango ia mal das pernas por inúmeras razões, todas de motivação política, começando pelo desejo de implantar o comunismo no Brasil e por Jango não se conformar que se fracassasse nos seus planos, seria expelido do governo - como realmente foi, pelo MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO de 31 de MARÇO de 1964, movimento que contou com o apoio manifestado em passeata com mais de um milhão de pessoas - há 56 anos passados, reunir uma passeata de 10.000 pessoas já era preciso bons argumentos e o clamor popular de apoiar a MANIFESTAÇÃO, imagine 1.000.000 de pessoas. A MANIFESTAÇÃO do próximo dia 15 não fundamenta comparações do anêmico governo Jango - incluindo a (falta de ) prestígio junto à população -  com o do Presidente Bolsonaro = vítima de fatores que independem da sua vontade e competência, incluindo, sem limitar:
- 'guerra' comercial  China x Estados Unidos;
- boicote do Congresso Nacional, que tenta impor um parlamentarismo branco, a maior parte dos projetos do Presidente Bolsonaro - ação que é referendada pelo STF;
- o coronavírus que caminha para uma situação epidêmica, com riscos elevados de se tornar pandemia.
Um dos objetivos da Manifestação do dia 15 é exatamente informar a muitos desavisados a realidade.]

Luiz Carlos Azedo - Nas Entrelinhas - Correio Braziliense


domingo, 23 de fevereiro de 2020

Cabo Anselmo - Nas entrelinhas

“Bolsonaro tem uma militância armada e radicalizada muito numerosa, que intimida pela truculência, não apenas nas redes sociais. Aonde isso vai parar, ninguém sabe ainda”

É domingo de carnaval, mas vou falar de coisa séria. José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, nasceu em 13 de fevereiro de 1941, em Sergipe. Foi um dos protagonistas do golpe militar de 1964, atuando como um agente provocador. Em 1962, filiou-se à Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), da qual se elegeu presidente. Em 25 de março de 1964, durante as comemorações do 2º aniversário da AMFNB no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, protestou contra a punição imposta a 12 dirigentes da associação por apoiarem as reformas de base propostas pelo então presidente da República, João Goulart.

O cenário era de radicalização política: derrotado no Congresso, e diante da forte oposição dos governadores da antiga Guanabara, Carlos Lacerda; Minas Gerais, Magalhães Pinto; e São Paulo, Adhemar de Barros, Goulart resolvera se apoiar nos sindicatos de trabalhadores e nas ligas camponesas. Os marinheiros, porém, roubaram a cena: decidiram não acatar a ordem de prisão dada aos colegas e permanecer no prédio do sindicato. No dia 26, parte dos fuzileiros navais enviados pelo ministro da Marinha, almirante Sílvio Mota, para reprimir o levante, aderiu ao movimento. Diante da recusa do comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, almirante Cândido Aragão, em sufocar o motim, Sílvio Mota recorreu à Polícia do Exército e demitiu Aragão. [Uma vez PE, sempre PE.]

Goulart acabou se colocando ao lado dos marinheiros, gerando uma crise na Marinha, que culminou com a saída de Sílvio Mota, a nomeação do almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues para a pasta e a recondução de Cândido Aragão ao comando do Corpo de Fuzileiros Navais, além da libertação dos amotinados. No dia 28, José Anselmo, comemorou a vitória com uma passeata de marinheiros pelo centro do Rio, e, no dia 30, levou o presidente Goulart ao ato promovido pela Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Envolver-se com os amotinados foi um erro fatal do presidente da República, era o pretexto que faltava para que os principais líderes militares da época, à frente o marechal Castelo Branco, assumissem o poder.

Cassado pelo Ato Institucional nº 1, em abril, José Anselmo asilou-se na embaixada do México. Quinze dias depois, deixou a embaixada, mas foi preso no dia seguinte. Em março de 1966, fugiu novamente, em circunstâncias estranhas; porém, era reconhecido como líder político de esquerda. No final do ano, seguiu para o Uruguai. Em 1967, ao lado do líder comunista Carlos Marighella, participou da 1ª Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade, realizada em Havana, que deflagrou uma onda de guerrilhas na América Latina. Ainda em Cuba, participou da formação do primeiro núcleo de treinamento de guerrilha da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Retornando ao Brasil, em 1970, foi designado para trabalhar em São Paulo. Meses depois, uma onda de prisões e mortes de militantes que tiveram contato com Anselmo levantou suspeitas de que fosse um agente policial infiltrado. Como fora detido em junho de 1971, era inexplicável sua aparição em liberdade dias depois. Anselmo negou o fato. Em janeiro de 1972, voltou a ser alvo da mesma acusação, dessa vez pela Ação Libertadora Nacional (ALN), após a apresentação de um relatório de testemunhas da sua prisão em 1971. Em fevereiro de 1973, a VPR acusou-o formalmente de ser agente da Central Intelligence Agency (CIA). Suspeita-se de que era agente do Centro de Informação da Marinha, sob a supervisão da CIA, antes mesmo de 1964.

Motins
Em 1984, a revista IstoÉ publicou uma entrevista de Anselmo, na qual se assumia um colaborador dos órgãos de repressão. Desaparecido desde então, voltou a ser localizado em 1999, pela revista Época, quando confirmou que fora o principal responsável pelo desmantelamento da VPR e da ALN. Em 1973, havia sido submetido a uma cirurgia plástica e recebera documentos falsos, fornecido pelos serviços de inteligência. Manteve-se na clandestinidade, apesar do direito à anistia.

Na quinta-feira, o Solidariedade expulsou de seus quadros o vereador Sargento Ailton, de Fortaleza, flagrado como um dos líderes do motim da Polícia Militar do Ceará, no qual foi baleado o senador Cid Gomes (PDT-CE), ao investir com uma retroescavadeira contra o portão de um quartel ocupado por grevistas encapuzados. Em outros estados, movimentos semelhantes estão sendo organizados para exigir aumentos salariais e outros benefícios.

O presidente Jair Bolsonaro aceitou o pedido do governo cearense e decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), a cargo do Ministério da Defesa, cuja missão é garantir a segurança pública, e não, reprimir os amotinados. Em 72 horas, houve mais de 80 assassinatos no Ceará. A tarefa de resolver o problema da disciplina na PM continua sendo do governador petista Camilo Santana. Bolsonaro flerta com os amotinados, que são parte importante de sua base social.

Há muitos sargentos Aíltons na política, [também há muitos irresponsáveis da laia do senador licenciado Cid Gomes - são tipos como ele, que querem tocar fogo no Brasil custe o que custar.] fazendo agitação entre os policiais militares, alguns dos quais ligados às milícias, utilizando métodos que não são os da política propriamente dita. Bolsonaro tem uma militância armada e radicalizada muito numerosa, que intimida pela truculência, não apenas nas redes sociais. Aonde isso vai parar, ninguém sabe ainda. Sabe-se, porém, que nem é preciso um novo Cabo Anselmo para que a indisciplina nos quartéis das polícias militares vire uma crise institucional.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense




quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O poder das intrigas - Nas entrelinhas

“Quanto mais poderosos seus protagonistas, mais perigosas são as disputas palacianas, agora operadas com fake news, por meio das redes sociais.”

Um dos episódios mais espantosos da política brasileira foi a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, uma data simbólica: o Dia do Soldado. Às voltas com um Congresso dominado pela oposição, após ter sido denunciado, na televisão, pelo seu maior eleitor, o governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda, o presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo, precipitando o Brasil numa crise sem precedentes, que não foi contida pelo seu sucessor, João Goulart, e acabou desaguando no golpe militar de 1964.

A sua renúncia tem duas interpretações relevantes: uma é a dele próprio, seis meses antes de morrer, em 1991, em depoimento ao neto homônimo, autor da biografia Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil. Depois de 50 anos de silêncio, disse que a renúncia não deveria ter existido: “A minha renúncia era para ter sido uma articulação. Nunca imaginei que ela seria de fato executada. Renunciei à minha candidatura à Presidência em 1960 e ela não foi aceita. Voltei com mais fôlego e força. Meu ato de 1961 foi uma estratégia política que não deu certo, uma tentativa de recuperar a governabilidade. Também foi o maior fracasso político da história republicana. O maior erro que já cometi…”

Jânio arquitetou um plano que julgava infalível, em meio a intrigas palacianas protagonizadas por assessores muito próximos, que se digladiavam. Primeiro, mandou o vice-presidente João Goulart em missão à China, para afastá-lo das articulações políticas. Presidente e vice podiam ser eleitos por partidos diferentes, até adversários (Goulart elegeu-se com 36% dos votos, graças a uma manobra dos sindicalistas paulistas, que montaram a chapa pirata “Jan-Jan”). Jânio escreveu a carta-renúncia no dia 19 e entregou ao ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, no dia 22. Estava confiante de que não haveria ninguém para assumir o cargo e, por isso, voltaria ao poder mais forte, nos braços do povo, com apoio dos governadores e dos militares.

Janio avaliava que Jango não tomaria posse: “Achei que era impossível ele assumir, que todos iam implorar que eu ficasse” — disse ao neto. “Charles De Gaulle renunciou na França e o povo foi às ruas exigir a sua volta. A mesma coisa ocorreu com Fidel Castro, em Cuba. Achei que voltaria para Brasília na glória. Pedi um voto de confiança à minha permanência no poder. Fui reprovado, e o país pagou um preço muito caro. Deu tudo errado.”  A outra é do jornalista Carlos Castelo Branco, no livro A renúncia de Jânio: um depoimento, no qual o maior jornalista político que Brasília já conheceu relata os bastidores da renúncia, separando os delírios de Jânio das intrigas de bastidores no palácio, que acompanhou de corpo presente como secretário de Imprensa da Presidência e relata com precisão.

Nelas, pontificaram o ministro da Justiça, Pedroso Horta, e José Aparecido, cada qual puxando o governo para um lado. Castelo relata um episódio pequeno, em todos os sentidos, mas de grande significado. Horta havia articulado um encontro de Lacerda com Jânio, em Brasília, que foi um desastre. Aparecido fez uma intriga com Jânio e submeteu Lacerda a uma situação humilhante, ao frustrar sua expectativa de pernoitar no Alvorada: simplesmente mandou o mordomo aguardar Lacerda com sua mala de viagem e conduzi-lo à porta do palácio.

O golpe
Ao relatar uma conversa de Jânio com o então ministro do Trabalho, Castro Neves, no aeroporto de Cumbica, presenciada também por José Aparecido, Carlos Castelo Branco revela o ponto de encontro entre as intrigas palacianas e os delírios do presidente: “Nada farei por voltar, mas considero minha volta inevitável. Dentro de três meses, se tanto, estará na rua, espontaneamente, o clamor pela reimplantação do nosso governo. O Brasil, no momento, precisa de três coisas: autoridade, capacidade de trabalho e coragem e rapidez nas decisões. Atrás de mim não fica ninguém, mas ninguém, que reúna esses três requisitos”.


Jânio renunciou na certeza de que voltaria. “Uma vez que, sob a Constituição, não poderia reassumir a Presidência, a não ser através de novas eleições, o que esperava? Obviamente, um golpe, que lhe oferecesse de volta o poder e que lhe permitiria impor condições, como o fechamento do Congresso, de cuja inutilidade e vícios fazia aberta apologia nos dias que antecederam à renúncia”, concluiu outro craque do jornalismo, Luiz Gutemberg, ao prefaciar o livro de seu amigo e colega Castelinho.

Moral da história: quanto mais poderosos seus protagonistas, mais perigosas são as intrigas palacianas, agora operadas com fake news, por meio das redes sociais. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, por exemplo, foi ejetado da cadeira de secretário-geral da Presidência dessa forma. Segundo a Polícia Federal, são falsas as mensagens que circularam no WhatsApp e que contribuíram para a sua demissão em junho. O suposto diálogo entre o ministro e um interlocutor, com críticas ao presidente Jair Bolsonaro, a um filho do presidente e a uma pessoa identificada como “Fábio”, provavelmente foi de autoria de um perfil falso e disseminado nas redes por um robô. O militar havia entrado em rota de colisão com um dos filhos de Bolsonaro, o vereador Carlos Bolsonaro, e seu guru, Olavo de Carvalho.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo -  Correio Braziliense



terça-feira, 31 de dezembro de 2019

A coerência de Bolsonaro - Nas entrelinhas

“O bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais”


Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Jair Bolsonaro
A característica mais marcante de seu primeiro ano de mandato é a coerência com o discurso de campanha. Esse entendimento vale para seus apoiadores e para a oposição. Pela primeira vez, temos um governo assumidamente de direita, que tirou do armário uma parcela do eleitorado que andava enrustida e desorganizada, mas que agora se articula nacionalmente, em torno do clã Bolsonaro, e está constituindo um novo partido, a Aliança pelo Brasil, que já conta com 100 mil filiados.

Uma direita orgânica, de caráter nacional, sem vergonha de mostrar a própria cara, é um fenômeno raro no Brasil.  
Temos a Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, na década de 1930, liquidada por Getúlio Vargas, no Estado Novo, após uma tentativa frustrada de tomada do poder, em 1938. 
A antiga UDN era mais heterogênea, surgiu como uma frente democrática, em São Paulo, inclusive com a participação dos comunistas, antes de se transformar no partido conservador e golpista que marcou a Segunda República. 
A vertente da UDN mais próxima do bolsonarismo foi o lacerdismo, no Rio de Janeiro, um movimento da classe média carioca liderado pelo então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda. 
Na transição à democracia, o que mais poderia se aproximar do bolsonarismo é o malufismo, um fenômeno paulista, em decorrência da penetração popular do ex-governador Paulo Maluf, que nunca teve um caráter orgânico nem nacional.

Podemos concluir que o bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais. Sem isso, não seria possível a Jair Bolsonaro ter feito com êxito um movimento contrário ao de seus antecessores, que buscaram apoio político entre as forças do centro, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pela via dos governos de coalizão. Bolsonaro desprezou as alianças partidárias, prestigiou apenas os setores do Congresso que o apoiaram nas eleições, como evangélicos, ruralistas e a “bancada da bala”. Desprezou até mesmo o partido pelo qual se elegeu, o PSL, que contava com a segunda maior bancada na Câmara, com 41 deputados, muitos dos quais policiais e militares.

A criação da Aliança pelo Brasil é uma jogada que não deve ser subestimada, pois visa à criação de um partido de massas, de caráter nacional, com uma doutrina reacionária e ligações internacionais. De certa forma, essa foi a decisão mais audaciosa que Bolsonaro tomou no plano estritamente político, nesse primeiro ano de mandato. É uma aposta estratégica para a sua própria reeleição. Sua base social é formada pelos segmentos que o apoiam incondicionalmente, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, evangélicos pentecostais, ruralistas e milicianos. Não formam a maioria do eleitorado, mas têm grande capacidade de mobilização e identidade programática com a nova legenda.

Lava-Jato
É para esses segmentos que a ala ideológica do governo trabalha, mas é um erro supor que somente esses setores estão sendo atendidos pelo governo. O meio empresarial aposta no sucesso de Bolsonaro, por causa da política ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes; e também setores de classe média, insatisfeita com a violência urbana e a crise ética na política. São setores que não têm a mesma afinidade ideológica com Bolsonaro, mas foram decisivos para sua eleição por causa do seu antipetismo. É com essas forças que Bolsonaro conta para neutralizar a oposição no Congresso e na opinião pública. Graças a isso, vem mantendo a avaliação de seu governo na faixa dos 30% de bom e ótimo, 32% de regular e 36% de ruim e péssimo. Se o governo não descarrilar, isso significa presença garantida no segundo turno das eleições.


Quanto a isso, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, passou a ser uma peça-chave no jogo político, pois encarna a bandeira da ética no governo, mas goza de mais prestígio popular do que Bolsonaro e com ele vem tendo uma relação cada vez mais conflituosa. A questão que mais tensiona a relação entre ambos é o caso Fabrício Queiroz, uma investigação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente da República, de quem era assessor parlamentar. No momento, o maior estresse entre ambos ocorre porque Bolsonaro não vetou a criação pelo Congresso do chamado “juiz de garantia”, que Moro critica, porque, no seu entendimento, favoreceria a impunidade para os crimes de colarinho branco. Defendida por advogados e a maioria dos políticos, a medida é polêmica e enfrenta forte oposição de procuradores e juízes de primeira instância, com o agravante de que teria havido um acordo com o governo no Senado para que a proposta fosse vetada, em troca da aprovação ainda neste ano do pacote anticrime negociado na Câmara.

O assunto esquentou no final do ano porque dois partidos, Podemos e Cidadania, questionam a constitucionalidade da nova lei no Supremo Tribunal Federal (STF), que também está sendo muito pressionado pela opinião pública. A mesma pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra que 39% dos consultados avaliam a atuação do Supremo como ruim ou péssima, enquanto somente 19% dos brasileiros a consideram ótima ou boa. Para 38%, o trabalho da Corte é regular; outros 4% disseram não saber avaliar.Também há insatisfação com o Congresso, que tem 14% de bom/ótimo, 38% de regular e 45% de ruim/péssimo.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense



sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Sexta-feira 13, 51 anos depois - Míriam Leitão

O Globo

Numa sexta-feira 13, há exatamente 51 anos, o AI-5 caiu sobre o país como um viaduto. O Brasil era outro. Dos brasileiros de hoje, 76,21% não haviam nascido. São 160,2 milhões de brasileiros nascidos depois daquele dia. Pelo tempo passado e pela renovação populacional, esse deveria ser um assunto esquecido e pacificado. Mas o AI-5 foi um dos assuntos mais falados no país este ano, em função do estranho sonho autoritário de pessoas que hoje ocupam posição de poder.

Há vários mitos sobre a ditadura que andam sendo repetidos numa demonstração de que é preciso voltar a falar do assunto. Os militares chegaram dizendo que ficariam pouco tempo e ainda hoje alguns grupos defendem que o regime foi brando. Não existe ditadura suave e a dinâmica do caminho autoritário é incontrolável. O general Castello Branco dizia que o regime seria temporário e ele durou 21 anos. O primeiro Ato Institucional foi apresentado como sendo o único e houve 17. O AI-5 duraria um ano, durou 10. O SNI seria apenas um pequeno serviço de inteligência e, como registra Elio Gaspari, virou um “monstro” na definição do seu próprio criador, Golbery do Couto e Silva. No final tinha seis mil funcionários, escritórios em cada ministério, em cada órgão estatal, envolveu-se em inúmeras maracutaias, do garimpo na Amazônia às negociatas com café.

O país não estava “indo para o comunismo”, mas sim vivendo um governo de muita instabilidade e que se aproximava do seu final. No ano seguinte haveria uma eleição em que se enfrentariam Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, com grande chance de vitória do primeiro. Os dois se juntaram depois na Frente Ampla, que incluiu também João Goulart, uma aliança impensável entre o golpista Lacerda e o presidente deposto. Eles passaram por cima das diferenças pela causa comum do retorno à democracia. A frente foi proscrita pelo governo no interminável ano de 1968.

Na economia, a ditadura começou fazendo um plano anti-inflacionário e de ajuste das contas públicas. Através do PAEG, a inflação foi reduzida com um mecanismo de correção salarial pela média dos 24 meses anteriores e que levou a uma redução de salário real. Após o ajuste, o país acelerou o crescimento do PIB. Se o país estava crescendo, isso deveria ter desanuviado o clima político, mas a direita no poder decidiu radicalizar.
A coincidência entre o melhor momento da economia e o pior período da repressão é até estranha. O crescimento acelerado, em qualquer país, produz uma taxa maior de aceitação do governo. O PIB cresceu em média 11,2% de 1968 a 1973, segundo André Lara Resende no livro “130 anos da República”. Os militares queriam mais que apoio, ambicionavam a unanimidade. Para calar todas as vozes discordantes foi disparada a violência desmedida do Ato Institucional que fechou o Congresso por quase um ano, estabeleceu a censura prévia contra alguns órgãos de imprensa, suspendeu todas as garantias constitucionais, cassou parlamentares, expulsou estudantes e professores das universidades e expandiu a máquina de tortura e morte.

O crescimento do país era desigual. Segundo Pedro Ferreira de Souza, a parcela da riqueza nacional apropriada pelos brasileiros que estavam entre os 1% mais ricos subiu de 17,7% para 25,8% entre 1964 e 1970. Oito pontos percentuais em seis anos. O tempo de forte alta do PIB é apenas uma parte dos 21 anos. Ficou restrito ao final dos 60 e começo dos 70. Houve o período de recessão, inflação, dívida externa e bagunça fiscal. “Quando, na segunda metade dos anos 1970, os desequilíbrios das contas externas e as pressões inflacionárias reapareceram, agora combinados com a correção monetária, estava montado o quadro para quase duas décadas de estagnação e aceleração inflacionária”, escreve Lara Resende.

Não deveria ser preciso dizer que o AI-5 abriu um tempo maldito que jamais pode provocar saudosismo nos governantes. Mas também não deveria ser preciso dizer que torturador não é herói e que presidentes não falam, com naturalidade, sobre instrumentos de tortura. Não deveria ser necessário dizer que os problemas da democracia só podem ser corrigidos com mais democracia. Contudo, ainda é preciso lembrar como foram terríveis aqueles dias, aqueles anos, que começaram numa sexta-feira 13, há 51 anos.

Blog da Míriam Leitão, colunista - Com Alvaro Gribel de São Paulo - O Globo



domingo, 1 de dezembro de 2019

Uma patrulha selvagem contra a Bishop - Elio Gaspari

As críticas à escolha de Elizabeth Bishop evitaram a discussão de sua poesia

Onda de intransigência envenena a Feira Literária Internacional de Paraty

O sujeito soube que a poeta americana Elizabeth Bishop seria homenageada pela Flip do ano que vem e temeu pelo início de mais um debate indigente. Festejar uma lésbica e alcoólatra seria um prato feito para o ministro Abraham Weintraub. Eis que o pedagogo bolsonarista ficou calado, e a escolha de Elizabeth Bishop foi condenada com outras críticas selvagens. Como um bolsonarismo de sinal trocado, essa intransigência malversa a História, tentando mudar o resultado de um jogo no replay. 

As críticas à escolha de Bishop evitaram a discussão de sua poesia e centraram-se em três pontos. Ela viveu no Brasil por mais de dez anos, mas olhava para a terra de forma condescendente, menosprezando seus literatos (falou mal de Manuel Bandeira). No pior dos pecados, em 1964, apoiou a deposição do presidente João Goulart.  
[convenhamos que qualidades não sobram na Bishop, enquanto os defeitos abundam;
mas, o simples fato de ter apoiado o Movimento Revolucionário de 1964, já é bastante para  permitir que alguns dos seus inúmeros defeitos sejam ignorados.

Uma atualização que se impõe: a menção na matéria de que a polícia do Rio  matou, este ano, 1.546 pessoas.
Deixa a impressão que foram execuções, quando na realidade as mortes ocorreram em operações policiais, principalmente contra o tráfico, não houve execuções.
Alguns casos de mortes por balas perdidas são e sempre serão tristes e lamentáveis, e o pior, é que sempre quando noticiados é dado um destaque de forma a parecer que as balas perdidas foram sempre da polícia.

Foram situações de confrontos que, infelizmente, causaram mortes de inocentes, mas, os disparos causadores em sua maior parte foram proveniente das armas do bandidos.
Aliás, é voz corrente, que muitas das balas perdidas que resultam em mortes, não foram perdidas e sim disparadas por bandidos tendo como alvo  civis inocentes, incluindo crianças, para indispor a população  contra a polícia e as operações policiais.]

Bishop não olhou para o Brasil como o francês Claude Lévi-Strauss, que passou por aqui nos anos 1930. Ela era poeta e ele, antropólogo. As opiniões de Bishop foram expostas em cartas, enquanto Lévi-Strauss ponderou suas ideias no livro “Tristes trópicos”. Ela disse que toda a poesia latino-americana cabia num poema de Dylan Thomas. Exagerou, mas Lévi-Strauss traçou um retrato fiel e devastador da elite cultural brasileira. Livrou Euclides da Cunha e Heitor Villa-Lobos. 

O caroço das críticas a Elizabeth Bishop esteve no seu apoio à deposição de Goulart: “Foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva — tudo terminado em menos de 48 horas”. Bonita não foi, mas naqueles dois dias morreram sete brasileiros. (Neste ano a polícia do Rio matou 1.546 pessoas.) 

Bishop era uma americana elitista e liberal. No Brasil, era também amiga de Carlos Lacerda. Em 1964 ele governava o Rio e era um feroz adversário de Goulart. Lacerda foi o melhor administrador que a cidade teve, nada a ver com o político acuado e decadente de seus últimos anos. A poeta era companheira de Lota de Macedo Soares, amiga do “Corvo” e criadora da maravilha do Aterro do Flamengo. 

Em 1963, liberais como Arthur Schlesinger Jr. e Richard Goodwin, assessores do presidente John Kennedy, defendiam a alternativa de um golpe contra Goulart. Um ano depois, quando ele foi derrubado, o “New York Times” disse, num editorial, que não lamentava a queda de um governante “tão incompetente e irresponsável”. (Muito provavelmente essa peça foi escrita por Herbert Matthews, o jornalista que ajudou a criar o mito do guerrilheiro Fidel Castro.) 

Em Pindorama também havia liberais contra Jango. Para ficar num só exemplo, o advogado Sobral Pinto, que tanto fez pela liberdade do brasileiros, disse, em janeiro de 1964, que “começou ontem, sob proteção abusiva e violenta de tropas do Exército (...), a revolução bolchevique brasileira (...) Não existe mais, nesta hora, no país, nem lei nem autoridade pública”. (Ele condenava a proteção dada pelos militares a estudantes que haviam invadido uma faculdade, hostilizando Lacerda.) 


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A caça ao AI-5
Há um mistério no processo de criação do partido dos Bolsonaro. Até os mármores do Tribunal Superior Eleitoral sabem que o partido não poderá ser criado neste ano, nem no próximo. Admar Gonzaga, o advogado dos Bolsonaro, é um veterano conhecedor do tribunal, onde foi ministro.
Fica a suspeita de que se esteja criando um clima de conflito com o Judiciário.

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MATÉRIA COMPLETA Folha de S. Paulo e O Globo - Elio Gaspari, colunista

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Lula é ladrão junto ao nosso povo crucificado, ataca jurista

Lula é um ladrão, defendido pelo que há de pior na política e na mídia, diz jurista

Professor Dotti acha que Lula Livre lembra queremismo getulista com a diferença que o PT exercitou terror ao atacar criticos,  em vez da verdade que defendem

José Nêumanne
Estadão

Para o advogado da Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, critica os ataques ao ministro Sérgio Moro e diz que “é impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, que se consideram juízes paralelos da mídia”. Não vê solidez nas acusações a Moro e diz que tentam desconhecer que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: “No excelente e corajoso livro ‘A Corrupção da Inteligência’, Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.”

O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude?
Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito). Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin, O interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir, durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz. Houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava “justificar” a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado. A legislação manda que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe da advocacia.

É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?
Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: “René, você deveria, estar do outro lado”. E eu falei: “Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: ‘Agora em defesa da sociedade’. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade”. Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: “E quem lhe deu esses poderes?”. Eu respondi, delicadamente: “A minha condição de cidadão!”.

Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor quis lembrar ao advogado de Lula que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?
Na quarta edição de meu livro “Casos Criminais Célebres”, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra “o petróleo é nosso”. Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da criação da Petrobrás. Afinal, os trustes daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.


Aliás, aproveitando a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?
No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu. Achoe que o ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque, dar entrevista a jornalistas nacionais e estrangeiros etc. O tempora, o mores!


O ministro Sergio Moro insiste que, em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou os depoimentos e o julgamento da ação contra Lula, o senhor se disporia a defender o juiz Moro em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?
Sim, com toda a certeza.
Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o “Bessias” ia levar um papel para ele assinar… Nos termos da Constituição, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, que se consideram juízes paralelos da mídia. 

Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como “a vista da Nação”…? Será que os profetas do caos não sabem que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Será que o ministro Celso de Mello – a quem rendo preito de respeito e admiração – precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando “o mérito” do o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? 
Será que o STF vai afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e determina: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum?”.

Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?
No teatro do absurdo, surgido após a Segunda Guerra Mundial e que apresenta a condição humana “sob a atmosfera de uma angústia metafísica”, o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores.


O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?
No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.  A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

José Nêumanne - Estadão

sábado, 6 de julho de 2019

Mimo póstumo

[NÃO] pegou mal a homenagem do Exército brasileiro a major alemão condecorado por Hitler e morto por engano em 1968, no Rio

[Um dos integrantes do comando que matou o major, o ex-sargento da FAB João Lucas Alves, é nome de rua em São Paulo e no Rio. [dar o nome de um dos covardes assassinos, e desertor,  a rua em São Paulo e Rio, pode; mas, dar o nome de um herói, condecorado por bravura, a uma sala de aula na escola militar onde estudava, não pode? CONFIRA AQUI.]



A primeira vista parecia fake news. “Exército homenageia oficial nazista”, deu nas redes sociais, segunda-feira passada. Mas não era fake, era só news. E ainda mais inacreditável porque o Exército em questão não era o alemão, mas o nosso, aquele que na 2.ª Guerra Mundial enviou 25.700 efetivos para combater as forças armadas nazistas e ajudou a derrotar o 3.º Reich. [as razões que levaram a Alemanha e o Eixo ao combate, são controversas;
mas, a bravura em combate do Major Otto -  honrando o uniforme da sua Pátria e cumprindo os deveres de soldado, é irrefutável, indiscutível.
O motivo da guerra é discutível, mas, a bravura do oficial é incontroversa.]



Estampada no Boletim oficial do Ministério da Defesa, [também a homenagem recebeu o merecido destaque na página do Exército Brasileiro] a notícia nos dava conta de que um antigo major do exército alemão, cujo nome completo consome 52 caracteres no Tweeter: Eduard Ernest Thilo Otto Maximilian von Westernhagen, teria sua memória “perpetuada”, com direito a placa de bronze, por ter sido “um oficial brilhante” e por seu “desempenho profissional” como aluno da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). [Saiba mais sobre as homenagens prestadas ao major alemão, clicando aqui.]



Motivo sobressalente: naquele dia, 1.º de julho, fazia 50 anos que ele fora assassinado, com dez tiros à queima-roupa, perto da casa em que morava, numa rua do Jardim Botânico, na zona sul do Rio. [o major do Exército alemão foi covardemente assassinado por porcos terroristas;
os nojentos e covardes assassinos pretendiam matar o capitão Gary Prado, do Exército Boliviano, que comandou o abate do porco guerrilheiro Ernesto Che Guevara.
Os dois oficiais cursavam a ECEME e havia grande semelhança física entre eles, o que motivou a confusão dos assassinos - que além de matarem de forma covarde, mataram um inocente;
o capitão   boliviano concluiu o curso e alcançou  o generalato no exército de seu país.]



O crime, na época atribuído a dois anônimos assaltantes, pela polícia, a uma organização antinazista, pelos agentes do Dops, e ao Mossad, o serviço de inteligência israelense, pelos militares, só seria esclarecido 19 anos mais tarde pelo historiador e cientista social Jacob Gorender, no livro Combate nas Trevas. O major fora morto por dois integrantes do Comando de Libertação Nacional (Colina). Por engano. O grupo guerrilheiro de esquerda planejava vingar a morte de Che Guevara, ocorrida um ano antes na Bolívia, mas, em vez de matar o capitão Gary Prado, comandante das tropas que eliminaram Guevara, confundiu-o com seu colega de curso na Eceme. Uma réplica do equivocado atentado a Carlos Lacerda, em 1954, que terminou com a morte de outro major, Rubem Vaz.



O Boletim militar justificou a “justa homenagem” ao major Otto por ele ter sido o primeiro oficial da Alemanha a cursar a Eceme, o que é verdade, um “sobrevivente da 2.ª Guerra Mundial”, outra verdade, e das “prisões totalitárias soviéticas”, o que é lorota, ou mera propaganda anticomunista, típica da Guerra Fria. [o major foi prisioneiros dos soviéticos, que não se destacaram por tratar seus prisioneiros com humanidade.]



Oficial da Wehrmacht, Otto comandou um pelotão de blindados na frente oriental do conflito e acabou promovido a 1.º tenente, por bravura, em 1943. Condecorado por Hitler durante a ocupação da França, ficou ferido quando os russos tomaram Berlim, mas, terminada a guerra, mudou-se para a Argentina, a mais acolhedora Pasárgada de criminosos nazistas, onde trabalhou como fazendeiro, retornando à terra natal para realistar-se no Exército alemão.



Em 1968, chegou às mãos do general Lucídio Arruda, diretor do Dops, um lauto dossiê sobre o major, com cartas e documentos que comprovavam suas ligações com nazistas. Otto não era exatamente um anjo arrependido. Nem merece ser edulcorado com os mesmos argumentos aplicados por Hannah Arendt em seu perfil de Adolf Eichmann, como há dias tentou o diário curitibano Gazeta do Povo. Não se discute que a vida do major “foi encurtada”, como afirma o texto do Boletim, mas qualificar de “insano e covarde o ato terrorista que o vitimou é redundância retórica. Todo ato terrorista é insano e covarde – e só parcialmente covarde se o terrorista chegar ao local do atentado e conceder tempo hábil às suas vítimas em potencial para que deem o fora antes de ele detonar a bomba.



Insano e covarde foi o frustrado atentado à bomba no Riocentro, na véspera do Dia do Trabalho em 1981, executado por um capitão e um sargento ligados à linha dura do Exército contrária à abertura política, que miraculosamente ceifou apenas a vida do sargento e feriu o capitão, estendendo seus danos à reputação do capitão Job Lorena de Sant’Anna, encarregado de mentir oficialmente sobre o ocorrido, por ele imputado a “terroristas de esquerda”. Igualmente insanas e covardes foram as torturas com soberba assumidas pelo ídolo confesso de Bolsonaro, o coronel Brilhante Ustra, [um patriota, um herói nacional, ao qual o Brasil e os brasileiros devem muito.]  por sinal citado em epígrafe em outro boletim.



De todo modo pegou mal a homenagem. E não apenas entre os israelitas que aqui vivem. Os descendentes dos pracinhas da FEB também se incomodaram. Afinal, 450 deles e três pilotos da Força Aérea morreram em combate contra os nazistas, sem contar os milhares que não resistiram com vida a ferimentos e mutilações. [os brasileiros mortos e feridos combatendo os alemães morreram em combate, já os porcos terroristas, inclusive os que tentaram (e foram derrotados) vencer os militares em 64, matavam de forma covarde.]



Para piorar, o mimo póstumo ao major coincidiu com o depoimento do ministro Sérgio Moro à Comissão de Justiça da Câmara, de onde o ex-juiz, por sua tática de passar ao largo de perguntas incômodas, saiu apelidado, nas redes sociais, de “Filinto Moro”, inequívoca referência ao chefe da polícia política do Estado Novo, Filinto Müller. Promotor de prisões arbitrárias e tortura de prisioneiros, sempre esquivo em suas respostas, Müller ganhou fama internacional ao deportar a comunista judia Olga Benário, grávida, para a Alemanha, onde morreria executada num campo de concentração.[quem ler o livro Olga, de Fernando Moraes, vai constatar que ela fugiu da Alemanha para o Brasil. Fuga devido ter sido condenada pelo Judiciário da Alemanha por atos terroristas, foi resgatada de um tribunal alemão - tudo isto bem antes de Adolf Hitler assumir o poder na Alemanha;
criminosos fugitivos são extraditados, foi exatamente isto que o governo brasileiro fez.
A terrorista morreu, mas, sua filha sobreviveu e apareceu em muitas entrevistas, se orgulhando de ser filha do Prestes.]



A ditadura Vargas, não custa lembrar, deu mole para o nazismo. Recusou refugiados judeus, relutou em declarar guerra ao Eixo e promoveu um projeto de nacionalização forçada junto às comunidades de origem teutônica no sul do País, sem no entanto evitar que filhos de alemães que haviam viajado para a Alemanha, para estudar ou buscar trabalho, se alistassem nas forças armadas do 3.º Reich. Cercado de generais simpatizantes de Hitler, como Dutra, Góes Monteiro e Milton Cavalcanti, Getúlio chegou a ter seus próprios soldados “arianos”. No final da década passada, o professor paranaense Dennison de Oliveira publicou, pela Editora Juruá, um estudo pioneiro sobre os “soldados alemães de Vargas”, que talvez ainda esteja em circulação. Sobre o penchant nazista dos imigrantes alemães estabelecidos no interior do Paraná, a fonte mais rica continua sendo o filme de Sylvio Back, Aleluia, Gretchen (1976).

terça-feira, 19 de março de 2019

E pode isso, Toffoli?

Em plenário, ante silêncio cúmplice dos colegas, Toffoli decreta que casta judiciária pode detratar quem quiser, mas ser detratada apenas pelos outros membros da grei acima da lei

O presidente da “colenda Corte” mandou instaurar inquérito para processar autores de “denunciações caluniosas, ameaças e infrações” contra seus membros

A sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira 14 de março foi aberta com uma declaração que promete pôr fora da lei qualquer cidadão brasileiro que manifeste seu desgosto com a cúpula do Judiciário em palavras que possam ser consideradas desabonadoras por aqueles a quem elas sejam dirigidas. Mas, é claro, o decreto de Sua Majestade Imperial não vale para os que, vigente o edital comunicado em transmissão direta pela televisão, dirigirem impropérios aos próprios colegas ou a cidadãos comuns – a estes não se dará o direito de contradizer o édito imperial e responder no mesmo tom ao insulto. Na dita reunião, o presidente da “colenda Corte” mandou instaurar inquérito para processar autores de “denunciações caluniosas, ameaças e infrações” contra seus membros e que envolvam também atos de difamação ou injúria, por exemplo. Normalmente quaisquer processos que entrem no órgão máximo da Justiça são relatados por ministros indicados aleatoriamente por um sistema eletrônico utilizando algoritmos. Desta vez o próprio idealizador do inquérito indicou o colega Alexandre de Moraes para relatá-lo, com base no duvidoso argumento de que ele já tratava de tema correlato em outro caso.

Há várias questões que merecem espanto e cobrança dos cidadãos que pagam os vencimentos dos novos monopolistas da opinião no Brasil. Primeiramente, os crimes de calúnia, injúria e difamação já são tipificados nas leis penais em vigor na República brasileira, que foi proclamada em 1889 e confirmada em dois plebiscitos recentes, nos quais a monarquia – e, no caso, a parlamentarista, que, pelo menos em teoria, era o regime vigente no Brasil no século 19, da independência à proclamação – foi sempre fragorosamente derrotada. Não há razão na teoria do Direito que justifique a distinção entre cidadãos que não possam caluniar, injuriar ou difamar ou também que não devam ser caluniados, injuriados ou difamados.

Há um dispositivo pétreo na Constituição, que, em teoria, o STF existe para evitar que seja desafiado ou violado, pelo qual todo cidadão, alfaiate ou jogador de futebol, gari ou puxador de cadeira de ministro, é sempre igual a outro perante a lei. Assim, a primeira coisa a perguntar será: por que um inquérito especial conduzido pelo STF para salvaguardar a honra e a integridade física de um funcionário público e evitar que ele seja achincalhado por outro, que, aliás, pode considerar-se seu patrão? Pois, pela lei do capitalismo vigente em nossa Pátria, quem paga tem o direito de receber e também o de reclamar. Esse episódio protagonizado por Toffoli lembra-me minha avó, que dizia: “Calma, doutor, que o Brasil é nosso”.

A segunda questão, decorrente desta, é que o STF só tem algum valor, se é que ainda lhe resta algum, para manter sua função pública, pela qual é regiamente remunerado, que é a de interpretar a letra constitucional. Mas é bom deixar claro que a interpretação também é limitada pelos códigos da velha gramática. Ou seja, proibir nunca pode ser interpretado como permitir, nem abençoar como amaldiçoar. E o dr. Toffoli, do alto de sua incapacidade de ser aprovado num mero concurso de juiz de primeira instância, escusou-se de informar à plebe ignara, que o sustenta, se teve o cuidado de, ao decretar sigilo para o tal inquérito, verificar com zelo se ele consta da lista do que é ditado pela Constituição. Em seu discurso inflamado, esqueceu-se de contar que reputação ele pretende salvar do assassinato: a do assassino ou a da vítima que não honra a instituição.

Pois a omissão mais relevante do discurso da restauração do Império sem intermediação do Parlamento, como acontecia no reino dos Braganças, é a da chacina de reputações que muitas vezes ocorre entre seus ilustres parceiros de privilégios ou deles para outros serviçais do público. Em 22 de abril de 2009, o relator do mensalão na ilustre repartição de cuja reputação Toffoli se impõe como guardião, Joaquim Barbosa, bateu boca com o par Gilmar Mendes. Os dois divergiram no meio de um julgamento. Irritado com Barbosa, Mendes disse que o rival “não tem condições de dar lição a ninguém”. Barbosa, por sua vez, exigiu o mesmo e atacou: “Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”. E continuou: “Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”. Mendes se irritou e cobrou respeito ao contendor. A sessão foi encerrada e ninguém teve de se explicar ao juiz. 

O distinto público, perplexo e bestializado, como diria o historiador José Murilo de Carvalho, ficou sem saber que jagunços um chefia e por que o outro não pode dar lição.  Oito anos depois, Gilmar protagonizou pugilato, que tem sido frequente desde então, com Luís Roberto Barroso. Este o acusou de ter soltado o condenadíssimo José Dirceu, do PT, acusando-o de ter “parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”. A resposta veio rápida e certeira: “Não sou advogado de bandidos internacionais”, referência ao fato de a banca de Barroso ter defendido o terrorista italiano Cesare Battisti. O motivo da querela foi a divergência de opiniões sobre ação da OAB contra a doação secreta de empresas a políticos.

Numa discussão sobre permissão de abortar, Barroso interrompeu Gilmar com uma saraivada de críticas de matar o orador Cícero de inveja quando se dirigia ao líder populista Catilina no Senado da Roma antiga: “Me deixa de fora desse seu mau sentimento. Você é uma pessoa horrível. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo. Vossa Excelência aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim”.

E continuou, atuando como discípulo do terrível polemista Carlos Lacerda: O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia. A vida para Vossa Excelência é ofender as pessoas. Qual a sua ideia? Qual sua proposta? Vossa Excelência é uma vergonha, é uma desonra para o tribunal. Vossa Excelência, sozinho, desmoraliza o tribunal. Está sempre atrás de algum interesse que não o da Justiça” – o qual não declinou.

Tudo isso aconteceu à época em que Toffoli não era ainda presidente do STF. Mas algo mais grave aconteceu na mesma sessão em que ele anunciou a instauração do tal inquérito. O relato de Fausto Macedo em seu blog não me deixa exagerar no ataque furibundo dirigido pelo ministro aos procuradores em geral, sem ter apresentado prova alguma contra nenhum.
Cito Fausto: “Gilmar ainda fez uma contundente crítica a procuradores da República, que, segundo ele, vêm ameaçando juízes e atacando pessoas, criticando inclusive o acordo fechado entre a força-tarefa da Lava Jato com a Petrobrás, que criava um fundo para ser gerido por entidade privada. ‘É preciso ter cuidado com esses combatentes da corrupção, é preciso falar quanto ganha, que escritórios fazem os acordos (de delação). É inadmissível tentar constranger juízes dessa forma, vazando informações, atacando pessoas’, disse Gilmar”.

Ainda segundo o texto de Fausto, intitulado Gilmar vota contra separação de corrupção e caixa 2 e ataca procuradores, o ministro disse que procuradores que agem “atacando” a Corte e outros magistrados não têm condições de integrar o Ministério Público. Nos últimos dias, integrantes da força-tarefa da Lava Jato têm sistematicamente se manifestado sobre o julgamento que é feito no STF, publicando frases como “STF, não mate a Lava Jato”. Conforme relata o voto de Gilmar, “o que se trava aqui é uma disputa de poder, disputa de poder que se quer ganhar a fórceps, constranger, amedrontar as pessoas, mas fantasma e assombração aparece (sic) para quem neles acredita. São métodos que não honram instituição”. O acordo dos procuradores da Lava Jato com a Petrobrás, na sua visão, foi planejado para “criar um fundo eleitoral”.

A tradicional pergunta do narrador esportivo Galvão Bueno, nas transmissões de futebol da Rede Globo, ao então comentarista de arbitragem Arnaldo César Coelho para definir se um lance seria ou não faltoso – “isso pode, Arnaldo?” – pode ser usada no caso. Se não mais em relação a Joaquim Barbosa e Luís Roberto Barroso, deve referir-se aos embates entre outros dois conhecidos briguentos da patota, cujos entreveros ainda podem ser acompanhados diariamente: o onipresente Gilmar Mendes e seu desafeto Luiz Fux: “E isso pode, Toffoli?”

José Nêumanne (publicado no Blog do Nêumanne)