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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A eleição que não terminou - Demétrio Magnoli

O Globo

Partido Republicano corre o risco de ser reduzido a movimento de contestação do sistema democrático

 ‘Nós precisamos considerar o antigo vice-presidente como presidente eleito. Joe Biden é o presidente eleito.” A declaração do governador de Ohio, o republicano Mike DeWine, riscou o céu de Washington uma semana depois que a apuração dos votos da Pensilvânia concluiu a disputa pela Casa Branca. O óbvio caiu quase como uma bomba nas hostes republicanas, ainda congeladas pelo negacionismo eleitoral de Donald Trump. A eleição americana não terminou: ela prossegue sob a forma de um conflito existencial no interior do Partido Republicano.

Trump assentou sua estratégia pós-eleitoral em três pilares. O primeiro: a alegação de que o candidato democrata fraudou a vontade popular. O segundo: o Partido Republicano, submetido a sua liderança incontestável, rejeitará de modo monolítico qualquer diálogo com o governo do suposto usurpador. O terceiro: o partido funcionará, desde já, sob o signo de sua candidatura presidencial de 2024. [vamos ser honestos e imparciais: até o presente momento nada existe de oficial que comprove ser o esquerdista o vencedor das eleições 2020, nos Estados Unidos da América.

É um fato. E considerando as inúmeras oportunidades de fraude que o sistema eleitoral americano permite, há de se adotar todas as medidas que possam eliminar ou reduzir as fraudes. Fechando, fica uma pergunta: se parte da imprensa insiste em que Trump está enganado, qual o motivo das suas ações terem sido aceitas e os votos estarem sendo recontados em muitos estados? onde há fumaça, há fogo.]

Trump começa a erguer o Comitê de Ação Política “Save America” (Salvar os EUA), destinado a operar como direção efetiva do Partido Republicano. Simultaneamente, prepara-se para criar uma nova rede de TV, concebida como veículo pessoal e alternativa à direita da Fox News. O projeto trumpiano é subordinar as bancadas republicanas na Câmara e no Senado a suas conveniências, transformando-as em máquinas de sabotagem permanente do governo Biden.

Os tribunais derrubarão, uma a uma, as alegações vazias de fraude de Trump. Biden será, certamente, empossado em 20 de janeiro. Mas Trump planeja jamais reconhecer a legitimidade do novo presidente, esticando até o limite a corda que prende os EUA ao mastro da democracia representativa. Se os republicanos o acompanharem nessa aventura, reduzirão o partido à condição de movimento nacional-populista de contestação do sistema democrático.

A ascensão da direita nacionalista produziu dois tipos de deslocamento nos sistemas político-partidários ocidentais. Países como França, Itália, Alemanha e Espanha experimentaram o declínio de partidos moderados tradicionais e a emergência de um grande partido de direita. Nos EUA, porém, assim como no Reino Unido, o deslocamento ideológico realizou-se no interior de um dos dois partidos históricos, que foi capturado pelo nacionalismo.

No caso do Partido Conservador britânico, verificou-se uma captura parcial, impulsionada pela rejeição à União Europeia e pelo plebiscito do Brexit. Já o Partido Republicano dos EUA conheceu uma cisão mais profunda com seu passado. O governo de Boris Johnson flerta com a xenofobia e com o nacionalismo, mas não contesta os fundamentos da democracia parlamentar ou os valores básicos do Ocidente. O governo Trump, por outro lado, operou no plano internacional como parceiro de regimes autoritários (Putin, Erdogan, Orbán) e, no plano nacional, como motor de restauração da “nação de colonos brancos”. Nesse passo, os republicanos assumiram as feições de partido da reação.

A resistência republicana a Trump percorreu a campanha presidencial pela voz do Projeto Lincoln, uma dissidência do partido que fez campanha aberta por Biden. O presidente eleito recebeu mensagens de congratulação da velha guarda republicana, representada por figuras como o ex-presidente George W. Bush, o ex-candidato presidencial Bob Dole e o atual senador e também ex-candidato Mitt Romney. Contudo, fora eles [a turma dos ex-.] e um punhado de parlamentares, o partido segue mais ou menos alinhado ao negacionismo eleitoral trumpiano. É por isso que a declaração do governador de Ohio tem especial relevância.[se a presente matéria for postada nos Estados Unidos, com certeza a maioria dos que lerem, ao chegar neste ponto, não lembrarão  mais  o nome do governador e o que ele disse. Vale o mesmo no tocante aos eleitores do Brasil e da própria Europa.]

A encruzilhada diante da qual se encontra o Partido Republicano interessa ao mundo inteiro. Se os republicanos se ossificarem como partido antidemocrático controlado por Trump, será comprometida a estabilidade política da maior potência mundial e se acelerará a tendência ao declínio internacional dos EUA. Se, pelo contrário, a maioria cindir com Trump, restabelecendo a tradição moderada republicana, a nação americana voltará a conversar, e os movimentos populistas de direita, na Europa e no Brasil, sofrerão um golpe devastador. Olho nos EUA.

 Demétrio Magnoli, colunista - O Globo

 

domingo, 15 de novembro de 2020

Sim, o sistema eleitoral americano é suscetível a fraudes

André Uliano - Vozes 

Dezenas de pessoas pedem o fim da contagem de votos na Pensilvânia, devido à suposta fraude contra o presidente Donald Trump, em 5 de novembro|. Durante os últimos dias, após as projeções dos resultados eleitorais em vários estados americanos chaves apresentarem movimentos bastante inesperados, o Presidente Donald Trump e inúmeros grupos preocupados com a integridade do processo eleitoral nos Estados Unidos passaram a levantar suspeitas de fraude nas eleições americanas.

A defesa jurídica do Presidente afirma já ter provas contundentes. Recentemente, Trey Trainor, membro da Federal Election Comission, uma agência independente dos Estados Unidos afeta à matéria eleitoral, afirmou acreditar que houve fraudes nas votações em alguns lugares e que isso compromete a legitimidade das eleições. Curiosamente, essa forte declaração não tem recebido cobertura por parte da imprensa. O site “EveryLegalVote” tem buscado reunir notícias de fraudes, as ações que já foram tomadas, o impacto na campanha e no resultado eleitoral etc. O âncora do canal Fox News Tucker Carlson também tem divulgado alguns fatos, como votos efetuados em nome de pessoas já falecidas ou não habilitadas para votar (por exemplo, por não serem cidadãs ou morarem em outros estados).

Se houve fraude em dimensões capazes de prejudicar o resultado das eleições, será algo que as Cortes americanas e a história debaterão por algum tempo ainda. A questão inclusive mantém o resultado da eleição em aberto. Ao contrário do que grande parte da mídia tem divulgado, inexiste vitória oficial do candidato do Partido Democrata, visto que o número de Estados em contencioso (recontagem administrativa ou questionamento judicial) resulta numa quantidade de votos suficiente para alterar o resultado das eleições. Assim, ainda que parte da imprensa esteja projetando Joe Biden como provável eleito, a eleição pelo Colégio Eleitoral ocorrerá apenas dia 14 de dezembro. Pela lei americana, até seis dias antes (isto é, até dia 8 daquele mês), é possível questionar os resultados das eleições populares nos Estados.

Mas nosso tema aqui não será a corrida de 2020 especificamente. Faremos um outro texto sobre isso. Gostaríamos de abordar a questão sob um enfoque mais amplo: os indícios de fragilidade do sistema eleitoral americano.

Contudo, antes é importante fazer uma ressalva: grande parte da legislação eleitoral naquele país é de competência dos Estados-membros. Qualquer tema sob competência estadual nos Estados Unidos gera duas complicações: em primeiro lugar, uma enorme dificuldade em levantar dados precisos, pois o exame do grau de segurança que a legislação confere às eleições exige o estudo das leis dos 50 Estados americanos; em segundo lugar, o risco de que conclusões extraídas da realidade de alguns Estados sejam aplicadas ao país todo.


Dito isso, vamos aos dados. Um levantamento feito pela Heritage Foundation, respeitável entidade conservadora dos Estados Unidos, que tem apresentado vários projetos de reforma para fortalecer a integridade das eleições americanas, levantou alguns dados preocupantes:

1) Dos 50 estados, apenas 34 exigem documento de identificação (ID) para votar. Dentre esses, só metade exige documento com foto. Estados enormes como Califórnia e NY não fazem esse tipo de exigência.

(.........)

 Não deixa de ser curioso: por que tanto interesse em manter a legislação frágil? É comum alegarem que exigir documentos pode impedir o voto de grupos mais pobres. Mas a alegação parece absurda, visto que no Brasil, um país em que a classe pobre é bem mais pobre do que os pobres americanos, exige-se inclusive biometria, e as classes mais carentes têm papel decisivo no processo eleitoral.

2) Ademais, mesmo nos estados que exigem documentação, muitos deles não o fazem para voto por correio. O voto pelo correio nos Estados Unidos, aliás, parece ser o fator mais preocupante em relação à prática de fraudes. E esse mecanismo foi enormemente ampliado nas eleições de 2020, sob alegação de combater o COVID.

3) Outro ponto relevante: como as eleições são organizadas pelos estados, as listas de eleitores registrados são estaduais. E os estados não possuem uma forma eficiente de cruzamento para evitar duplicidade de votos pelo mesmo eleitor. Em 2005, Kansas e outros Estados instituíram um sistema de exame cruzado das listas de votantes (Interstate Voter Registration Crosscheck Program), exatamente para verificar votos duplos pela mesma pessoa em mais de uma jurisdição. Esse sistema foi suspenso em 2019 por uma ação judicial promovida novamente por grupos próximos ao Partido Democrata.

4) Nos Estados Unidos, há um número muito elevado de eleitores registrados de modo inválido ou incorreto. 

(.........)

5) A situação que já era muito ruim, foi piorada nas eleições de 2020. Em geral, governos ligados ao Partido Democrata, usando a pandemia, defenderam leis para tornar o sistema ainda mais frágil: registros automáticos (sem pedido do eleitor) a partir de bancos de dados de outros órgãos públicos; registros no próprio dia da eleição, o que impede a conferência dos dados;
-envio automático de cédulas para todos os eleitores registrados, o que resulta no envio inclusive para esses "eleitores" irregularmente cadastrados como vimos acima. O envio em massa de cédulas também gera maior risco de furto, como foi registrado na Califórnia. O Partido Democrata também defendeu ampla votação pelo correio, o que em si amplia os riscos de fraude.

Hoje é inviável negar a existência de fraudes nas eleições americanas. Um banco de dados organizado pelo Heritage Foundation já reúne centenas de casos no país. A grande questão é: qual foi a extensão das fraudes praticadas em 2020.Uma última questão a ser esclarecida. Várias pessoas têm levantado o seguinte ponto: o sistema brasileiro é puramente digital e falam de risco de fraude; agora o sistema americano possui cédulas e também suscitam esse problema. Afinal de contas: Querem voto digital ou por cédula?

Na verdade, esse é um falso dilema. Uma coisa é o problema do registro do voto; outra coisa é a segurança quanto à identidade do eleitor e à vedação de multiplicidade de votos pela mesma pessoa.
O problema brasileiro, de fato, decorre de ele ser totalmente virtual, o que impede que o resultado eleitoral seja auditado. Quanto à vulnerabilidade das urnas, o número de matérias e trabalhos a esse respeito é interminável. Salientamos, apenas a título ilustrativo, as constatações dos seguintes pesquisadores:
a) Diego Aranha: conforme notícia constante do site do Senado, o professor da UNICAMP, demonstrou que as urnas são suscetíveis a fraudes no voto e também à quebra do sigilo;

b) Pedro Rezende: segundo reportagem da Gazeta do Povo, o professor de segurança de dados da Universidade de Brasília (UnB), afirma que as urnas são vulneráveis. O especialista foi recebido pelo então Presidente do TSE, Luiz Fux, para discutir mecanismos de incremento da segurança das urnas;

c) Amílcar Brunazo Filho: engenheiro, coordena o Fórum do Voto eletrônico, autoridade em segurança de dados, conclui que nosso modelo de urnas é ultrapassado e inseguro.

Já no caso dos Estados Unidos o problema não é a inviabilidade de auditar o resultado. Pelo contrário, o sistema permite que isso seja feito, e recontagens são até comuns no país. O problema americano concentra-se na ausência de requisitos que assegurem a identidade e habilitação legal do eleitor, especialmente, pela baixa exigência de documentos de identificação e pela admissão do voto pelo correio. Esse problema foi ainda maior neste ano, pelo grande uso dessa sistemática.

Se nos Estados Unidos houvesse biometria em todos os Estados e o voto fosse necessariamente presencial, creio que o sistema seria bastante íntegro. Assim, como também ocorreria no Brasil caso adotássemos o comprovante impresso do voto digital ou algum mecanismo que permitisse que o resultado eleitoral fosse auditado, o que foi lamentavelmente derrubado pelo STF sem razões jurídicas para isso.

MATÉRIA COMPLETA - André Uliano, colunista - Gazeta do Povo - Vozes 

 

sábado, 11 de abril de 2020

A democracia em quarentena - Revista Época

Guilherme Amado

Há justificativa neste momento para vetar aglomerações, fechar igrejas e limitar o direito de ir e vir. Mas a vigilância é fundamental

Direito de livre assembleia proibido, ir e vir restrito, liberdade de culto com limitações. O coronavírus parece também ter obrigado a democracia a entrar em quarentena, com o mundo afundado em um misto de medidas necessárias para vencer a pandemia, mas também tentativas de líderes autoritários de se aproveitarem dela para ganhar mais poder e populistas que, usando a recorrente tática de vender soluções fáceis para problemas complexos, mais atrapalham do que ajudam seus países no combate à doença.

Scholars especializados no tema têm acompanhado com preocupação o impacto que o enfrentamento ao vírus pode ter na democracia de diversos países, muitos já convivendo com retrocessos nos últimos anos. Desde 2006, mais países veem suas democracias erodindo do que outros as têm fortalecido. De acordo com a Freedom House, organização sem fins lucrativos baseada nos Estados Unidos e que monitora os avanços e recuos das democracias de todo o mundo, 64 países se tornaram menos democráticos e somente 37 se fortaleceram em 2019. A perspectiva para este ano é que esse número seja ainda maior, por causa da pandemia.

Mas, onde muitos só veem janelas para o autoritarismo ganhar espaço, há quem aposte também na oportunidade que a Covid-19 está dando para as populações perceberem quão perigoso é entregar o comando do país a um populista.  Na Hungria, o primeiro-ministro Viktor Orbán agora pode governar por decretos
Em Israel, o Parlamento e tribunais foram fechados, e Benjamin Netanyahu conseguiu adiar seu julgamento por corrupção por dois meses. 
Na Sérvia e na Turquia, veículos pró-regime deram voz a falsos especialistas que defenderam que suas populações são geneticamente protegidas do vírus. 
No México, López Obrador abriu mão da máscara e do álcool em gel e se apegou a imagens religiosas, sugerindo que os governados fizessem o mesmo, e demorou a admitir a gravidade do problema. No vizinho Estados Unidos, enquanto a governista Fox News culpava o Partido Democrata por espalhar medo, Donald Trump também passou por diversas fases, da banalização da doença à tentativa de criar o rótulo de “vírus chinês”, desaguando agora numa guerra à Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por aqui, Jair Bolsonaro embarcou forte na onda negacionista. Perdeu três semanas batendo na tecla da “gripezinha”, pregando contra o isolamento, enquanto um de seus filhos e sua tropa digital escolhiam a China como bode expiatório. Não deu certo. O Datafolha apontou que 76% da população concorda com a quarentena como está sendo feita hoje, e houve um esforço diplomático de diferentes instituições para apaziguar as relações com a China. Diante do fracasso das duas tentativas iniciais, Bolsonaro apostou em badalar a cloroquina e a hidroxicloroquina como as soluções para a Covid-19, novamente à revelia da comunidade científica mundial e de seu próprio ministro da Saúde. E, ao menos para sua popularidade, deu certo.

Depois de dias enfraquecido nas redes sociais, começou uma reação. Segundo medição da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas, antes de o presidente e seus apoiadores concentrarem esforços na promoção da cloroquina e na associação da imagem de Bolsonaro a ela, a base bolsonarista representava apenas 12,3% das interações em torno do coronavírus no Twitter. A oposição tinha 59,6%. Ainda que possa ser uma vantagem momentânea, colou o discurso do “remédio de Bolsonaro”, maneira pela qual a militância passou a chamar os dois medicamentos. De acordo com medição da consultoria Bites, também na análise do sentimento dos internautas nas redes sociais, até às 21 horas da quarta-feira 8, eram 249 mil menções associando a cloroquina a Bolsonaro, pouco menos da metade de todos os tuítes de brasileiros sobre o coronavírus naquele dia. Os bolsonaristas saíram-se bem na ação para criar a percepção de que o presidente estava certo desde o começo, quando defendeu a cloroquina no combate à Covid-19 — o que, ressalte-se, ainda não é comprovado pela ciência.

Medidas severas para combater a pandemia, ainda que infrinjam temporariamente liberdades e direitos, não são por si só antidemocráticas. Na Áustria, o ministro da Saúde tentou editar um decreto de Páscoa que autorizaria a polícia a entrar nas casas para checar se as famílias estavam se reunindo em almoços do feriado religioso. Uma medida como essa, um recurso extremo, não faria sentido sem o consentimento do Parlamento. Não à toa, o Ministério da Saúde austríaco desistiu após protestos da oposição e da sociedade civil.

No Brasil, algo desse tipo foi a tentativa de Bolsonaro de mudar a Lei de Acesso à Informação, praticamente suspendendo-a durante a pandemia, o que não só dificultaria a capacidade da sociedade de fiscalizar o poder público, como restringiria o direito à informação, fundamental para que a população esteja preparada para se prevenir e enfrentar a doença. O contrapeso dos outros Poderes se fez necessário. O Supremo Tribunal Federal suspendeu o efeito imediato da Medida Provisória que mudara a lei e o Congresso provavelmente alterará seu teor nas próximas semanas.

Autor de O povo contra a democracia, uma das bíblias para entender a ascensão do populismo autocrata, o alemão Yascha Mounk, professor em Harvard, é o âncora semanal de um dos mais interessantes podcasts para quem gosta de debates aprofundados sobre política. Em The good fight, disponível gratuitamente no site de Mounk, ele conversa com professores, jornalistas, diplomatas e outros profissionais envolvidos no debate sobre os rumos da democracia mundo afora. No último episódio, Mounk recebeu Daniel Ziblatt, também professor de Harvard, coautor de outro livro essencial para entender o populismo de direita atual, Como as democracias morrem. Os dois avaliam na conversa que a pandemia poderá atrapalhar os autocratas populistas que já estão no poder, quando táticas de usar bodes expiatórios falharem e os cidadãos perceberem a falta que fazem instituições fortes e sérias funcionando. “Essa situação (a pandemia) favorecerá a oposição aos governos. Vai prejudicar os populistas que já estão no cargo. Acho que na verdade reduz as chances de reeleição. Pode enfraquecer alguém como Jair Bolsonaro, no Brasil”, analisa Mounk.

Blatt lembra que a crise econômica poderá enfraquecer quem já está no poder. “Essa crise de saúde torna-se uma crise econômica. Isso é bem provável. Isso vai enfraquecer dramaticamente tanto Bolsonaro quanto Trump”, afirma, lembrando que os populistas que estão na oposição, a exemplo da França, podem sair fortalecidos, se forem enxergados como alternativa.  As próximas semanas mostrarão quanto tempo vai durar o sucesso do discurso salvacionista da cloroquina. E se saberá se o Brasil está no grupo de países em que a pandemia fortaleceu o populismo ou naquele em que mais pessoas perceberam que não existem remédios milagrosos para problemas complexos.

Guilherme Amado, jornalista - Época


sábado, 4 de abril de 2020

As mentiras nos EUA luzem sob o sol, enquanto na China seguem escondidas abaixo da superfície - Folha de S. Paulo

 Demétrio Magnoli 

Trump mente ininterruptamente; já o regime de Xi Jinping fabrica 'verdade' paralela da pandemia

“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” Essa verdade célebre, cuja autoria atribui-se tanto ao senador americano isolacionista Hiram Johnson (1918) quanto ao grego Ésquilo, o pai da tragédia, no século 5º a.C., vale também para a Peste Negra em curso. Mas as mentiras são diferentes: nos EUA, luzem sob o sol; na China, seguem escondidas abaixo da superfície.

Donald Trump mentiu ininterruptamente, retardando a preparação dos EUA para enfrentar a pandemia.  No fim de janeiro, disse à rede CNN“Temos isso sob controle total. É uma pessoa vinda da China, e a temos sob absoluto controle”. No início de fevereiro, gabou-se na Fox News: Nós basicamente desligamos isso, que vinha da China”.  No final de fevereiro, garantiu que “isso é mais ou menos como a gripe; logo teremos uma vacina” e, referindo-se ao número de infecções, acrescentou: “Vamos substancialmente para baixo, não para cima”. Os EUA tinham, então, 68 casos; hoje, são 240 mil.

[Finalmente um artigo em que o Presidente Bolsonaro não é mencionado.
Afinal, nosso presidente falando sem pensar o que pensa pensar, fornece vasto arsenal aos inimigos. 
Que a  China mente - regra em qualquer país comunista = mentir é a primeira regra do comunismo - não há dúvidas. Só que criar uma "verdade" paralela da pandemia, ocultando e minimizando a verdade, impediu que a situação se tornasse conhecida ainda em dezembro, quando começou.
Só que agora ocultar números da epidemia e mesmo sua eventual continuidade em solo chinês é impossível. 
Ainda que se feche mais do que em dezembro/janeiro, não conseguiria ocultar a verdade e há indícios que a epidemia cessou ou pelo menos sofreu importante redução - indícios que a China não conseguir criar. Ou conseguiria?

Já no Brasil, se o presidente Bolsonaro se convencer, aceitar, que aqui no Brasil ele é o responsável e detentor do poder de liberar o alívio para milhões de brasileiros, ele dá a volta por cima e seus inimigos terão lhe dado uma boa munição.
A PEC do orçamento de guerra foi aprovada em dois turnos na Câmara, falta o Senado - o que pode significar muito ou nada.

Excelente na matéria é ser uma das raras que fala a verdade sobre o 'santo' da OMS.]

No meio de março, quando finalmente admitiu que o vírus “é muito contagioso”, ainda adicionou: “Mas temos tremendo controle sobre isso”.
A mentira trumpiana é uma narrativa política em constante mutação. Apoia-se nas muletas dos “jornalistas” chapa-branca e do aparato de difusão de fake news da direita nacionalista nas redes sociais. Acredita quem quer — e não são poucos. Contudo, ela concorre com as vozes discordantes, que não são caladas pela força, e sobretudo com a verdade (factual), que emana tanto de órgãos oficiais quanto da imprensa independente. A hora da verdade (política) chega nas eleições, ocasião em que a maioria decidirá se prefere a mentira.

A China também mente sem parar, mas de modo diferente, fabricando uma “verdade” paralela. A mentira chinesa tem raízes fincadas no chão do controle social totalitário. Ela se espraia por toda a vida cotidiana, propiciando a manipulação centralizada das estatísticas hospitalares —isto é, da fonte primária de informações sobre a natureza da crise. Há indícios alarmantes de que os números fornecidos pelo governo chinês miniaturizaram a epidemia. Nos EUA, estima-se que a Covid produzirá entre 1 e 3 milhões de casos positivos e algo entre 100 mil e 240 mil mortes.

Já na China, situada em latitude semelhante e com mais de quatro vezes a população americana, a Covid teria praticamente estancado, com menos de 83 mil casos acumulados e cerca de 3.200 mortes. O contraste intriga os mais respeitados epidemiologistas —inclusive Deborah Birx, coordenadora da força-tarefa dos EUA para o coronavírus.
No centro do mistério está a contabilidade de óbitos. Os casos pioneiros da Covid em Wuhan ocorreram em dezembro, mas a notícia foi interditada e os médicos que os relataram, silenciados. A quarentena começou em 23 de janeiro. O vírus teve mais de três semanas para se disseminar, enquanto comemorava-se o Ano-Novo chinês.

Testemunhos anônimos de agentes de saúde chineses dão conta de incontáveis internações sem testagens e centenas de óbitos atribuídos a influenza ou pneumonia. No final de março, veículos online chineses publicaram fotos, tomadas por cidadãos comuns, de milhares de urnas funerárias ainda alinhadas em crematórios de Wuhan.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) nada viu de estranho nos números chineses — e celebra a “eficiência” totalitária de Xi Jinping. Tedros Adhanom, seu diretor-presidente, eleito com decisivo apoio chinês, um ex-integrante do núcleo duro do governo autoritário etíope, não parece alimentar dúvidas entre as alternativas de assegurar a bilionária parceria da China com a OMS ou proteger a verdade (estatística).

Mas, de acordo com relatórios sigilosos da inteligência americana que começam a vazar, a China engajou-se na fabricação de uma mentira monumental, iludindo o mundo. Mentiras são diferentes. Todas elas, porém, cobram vidas.

Demétrio Magnoli, sociólogo -  Folha de S. Paulo

sábado, 14 de março de 2020

Direita internacional está usando a crise do novo coronavírus - Merval Pereira

O Globo

Distorções sobre o coronavirus - Realidades distintas

O presidente Bolsonaro aproveitou até mesmo a desmobilização de seus seguidores para cutucar os congressistas, que dias antes haviam dado um troco a seu governo ao derrubar irresponsavelmente um veto seu, criando uma despesa nova de R$ 20 bilhões sem saber de onde esse dinheiro viria. Diante da crise do Covid-19, o presidente foi obrigado a aconselhar seus seguidores a não fazerem as manifestações programadas para amanhã, mas fez do limão uma limonada.

Criticou indiretamente o Congresso de todas as maneiras que pôde, comemorando um supostorecado das ruas” contra os políticos. Não aproveitou a ocasião para pacificar os ânimos, ao contrário. A direita internacional está usando a crise do novo coronavírus para reforçar a tese nacionalista de que fechar as fronteiras é a melhor resposta à globalização, que estaria sendo confrontada pela realidade. O presidente dos Estados Unidos Donald Trump tentou inicialmente minimizar as conseqüências da crise de saúde pública mundial, mas teve  que se curvar aos fatos. Aproveitou para jogar sobre a União Européia a culpa da disseminação do vírus, e fechou os aeroportos aos europeus, com exceção dos ingleses, como se o brexit fosse uma fronteira intransponível para o Covid-19. Os extremistas americanos atribuem a situação a uma manobra política da esquerda para derrotar Trump. 

Outros acham que é uma jogada da China, que sairia fortalecida política e economicamente sendo o primeiro país a controlar a crise. Até mesmo os grandes laboratórios farmacêuticos estariam por trás da crise, em busca de lucros no capitalismo selvagem. 

 A mesma postura regressiva foi utilizada aqui por Bolsonaro, que tentou mascarar a verdade atribuindo a pandemia a uma ação conjunta da “grande mídia internacional”, que estaria fantasiando a realidade, não se sabe com que intenções. Talvez impedir a “decolagem” da economia brasileira, que, na visão do ministro da Economia Paulo Guedes, estava prestes a acontecer.  Como não temos fronteiras a fechar por aqui, [sic] nem somos vítimas de conspirações internacionais, Bolsonaro não conseguiu criar um ambiente irresponsável, embora tenha adiado ao máximo a admissão de que a situação era grave. A realidade crua destrói essas teorias conspiratórias, como no caso brasileiro, que obrigou Bolsonaro e seus assessores diretos a usarem máscaras depois que o chefe da Secretaria de Comunicação, que o acompanhou na recente viagem aos Estados Unidos, foi identificado com o Covid-19.

Um caso exemplar de teoria da conspiração aconteceu com um dos filhos do presidente, aquele que sonhava ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos e que nunca ouviu falar em Henry Kissinger. O deputado Eduardo Bolsonaro também não sabe o que é coronavírus, e, por ignorância, gerou uma desinformação importante nos Estados Unidos. Entrevistado pela Fox News, emissora direitista que apóia Trump, ele, ao responder a uma pergunta da âncora do programa, comentou que o pai havia testado negativo para coronavírus “que nos Estados Unidos chamam de Covid-19”, como se fossem a mesma coisa.Tomou uma aula ao vivo da jornalista, que explicou que diversos tipos de coronavirus existem há muitas décadas, e que Covid-19 é um novo tipo da família viral. Talvez por ignorância, e não má-fé, Eduardo tinha passado anteriormente a informação para a mesma Fox de que o presidente Bolsonaro testou positivo para coronavírus.

O que quer dizer que não poderia ter o Covid-19, mas provavelmente ele misturou tudo. O jornalista John Roberts revelou em um tuíte que fora Eduardo quem lhe dera a informação. Para não fugir à lógica própria dos Bolsonaro, o deputado atribuiu o mal-entendido à má-fé do jornalista, que estaria divulgando fake newsA existência dessas versões amalucadas demonstra, porém, que a politicagem vulgar não é uma característica brasileira do momento, mas do populismo que toma conta do mundo, agora de teor direitista.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


sábado, 23 de março de 2019

Cara a cara com o ídolo

Veio da rede de TV americana Fox News a definição mais constrangedora sobre a postura de subjugado de Bolsonaro em seu périplo aos EUA. Na apresentação que fez sobre o mandatário brasileiro, que se encontrava naquele momento presente no estúdio da emissora para uma entrevista, a Fox, tida como veículo com pendores conservadores, em sintonia com o pensamento do multibilionário ex-empreendedor imobiliário Donald Trump, tratou o convidado da seguinte maneira: “nunca ninguém emulou tanto o presidente Trump como o presidente do Brasil”. Feliz como garoto na Disney diante de seu ídolo, Bolsonaro, de fato, não poupou afagos e rapapés ao anfitrião e ao “way of life” americano. É bem verdade que, de vez em quando, Trump parece mesmo encarnar, em palavras e gestos, a figura de Donald, o pato atrapalhado, com o adereço de um topete avantajado, e seria natural que Bolsonaro não perdesse a chance de vibrar ao vivo com as estripulias de seu herói. [comentando: todas as 'escorregadas' de Bolsonaro, seriam irrelevantes, caso a subserviência aos EUA não tivesse sido consolidadas com a inconveniente isenção de visto para os americanos ingressarem no Brasil sem a reciprocidade por parte daquele país.]

Até o ministro da economia, Paulo Guedes, fez gracejo com a situação. Disse a certa altura em uma palestra para investidores estrangeiros que temos um presidente que adora os EUA, jeans, Disneylândia e Coca-Cola. Não seria nada demais se Bolsonaro, nesse deslumbramento pueril, não tratasse de embaraçar, de novo, a já cambaleante diplomacia brasileira ao afirmar que acredita piamente na reeleição do republicano. A declaração, claro, gerou uma saia-justa com eventuais consequências negativas mais adiante, em caso de vitória dos democratas na disputa do ano que vem. Imbróglio para o Itamaraty resolver. O aprendiz de Donald ainda teceu elogios à construção do famigerado muro, alegando que a maioria dos imigrantes “não tem boas intenções nem quer fazer bem ao povo americano”. Nesse aspecto afrontou até brasileiros que vão tentar a sorte na terra de “Tio Sam” por falta de oportunidades por aqui. Retratou-se depois, mas o estrago já estava feito.  

Tal pai, tal filho, Eduardo Bolsonaro havia comentado, dias antes, no mesmo tom e na mesma viagem, que imigrantes brasileiros em situação irregular são uma “vergonha nossa”. Nesse pormenor ele deveria se ater ao fato de que vergonhoso mesmo são governantes locais não propiciarem chances aos cidadãos que se veem impelidos a ter de ir buscar lá fora o que não encontram por aqui. Mas o Itamaraty “zero dois” não enxerga limites quando aparece a oportunidade de desancar conterrâneos, mesmo aqueles ungidos por ele próprio. O chanceler Ernesto Araújo, por exemplo. No road show americano, o diplomata fez papel de figurante, um mero espectador decorativo, enquanto “zero dois” roubava a cena e se aboletava no Salão Oval para as tratativas ao lado dos dois chefes de Estado. O retumbante sinal de desprestígio de Araújo foi montado, sem dó, logo por aquele que se diz seu mentor. Do ponto de vista prático, o encontro Brasil-EUA trouxe de saldo mais controvérsias do que resultados positivos. 

Um participante privilegiado das rodadas de negociação resumiu assim o balanço de entendimentos: entregamos a liberação de vistos sem reciprocidade, entregamos a Base de Alcântara para uso americano, entregamos apoio ao muro enquanto detonávamos nossos imigrantes, entregamos cotas para importação de trigo americano sem tarifas ou contrapartidas, entregamos vantagens que detínhamos na OMC e ficamos com promessas de apoio à candidatura na OCDE, na OTAN e uma camiseta da seleção americana. Para bom entendedor futebolístico, repetiu-se o famoso sete a um. O show de concessões brasileiras foi, decerto, além da conta. Ao se debruçar sobre o acordo em voga, ponto a ponto, fica evidente que o Brasil liberou unilateralmente a exigência de vistos para visitantes daquele país (e fez o mesmo para canadenses, australianos e japoneses no pacote) sem a convencional exigência de reciprocidade, para desespero da maioria dos embaixadores nativos que consideram isso um gesto de nação sem autoestima. No campo da OMC, o Brasil detinha a condição de país em desenvolvimento, o que lhe propiciava uma série de vantagens, como prazos mais generosos nas disputas comerciais e prerrogativas especiais para acordos de livre-comércio. 

Comprometeu-se a desistir dessa condição em troca dos EUA apoiar a pretensão verde-amarela de um assento no “Politiburo” da OCDE, espécie de clube de países ricos que traça os cenários do desenvolvimento global. Note-se que o Brasil não garantiu vaga nesse bureau. Conquistou um padrinho importante (que já havia dado o mesmo aval à Argentina, sem resultado) e nada além disso. Na OMC, em se confirmando o combinado, será o primeiro a deixar o regime especial, atendendo a uma reivindicação antiga dos EUA, que se sentem prejudicados pelos chamados países em desenvolvimento dentre eles, a China, que insiste em manter tal status para angariar benefícios comerciais. Trocar o certo pelo duvidoso configura uma aposta arriscada, com reflexos diretos sobre as exportações. Seria por demais enfadonho elencar todos os escorregões na pauta de compromissos. Na verdade, Trump e Bolsonaro, tipo siameses, com suas estultices pitorescas, se dispuseram juntos a entreter a turba de seus respectivos admiradores em uma rápida tarde de confraternização no Rose Garden. Pode-se saudar o fato da reaproximação da grande potência global, mas deveriam existir limites para as adulações de um mandatário a outro, sem contrapartidas, que empenha assim a soberania e autoestima do brasileiro por pura fascinação.

Carlos José Marques - Diretor editorial da Editora Três -  IstoÉ

sábado, 19 de março de 2016

Cálculo de multidões: ciência contra o “chutômetro”

O protesto do dia 13 de março em São Paulo reuniu 500 mil pessoas (Datafolha), 1,4 milhão (PM) ou 2,5 milhões (Vem Pra Rua)? 

Entenda como são feitas as medições

Talvez esteja no Evangelho de Mateus, capítulo 14, versículo 21, a mãe de todas as imprecisões na contagem de pessoas em eventos públicos. A passagem trata do milagre da multiplicação de pães e peixes por Jesus, e diz: "Os que comeram foram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças". Pobre Mateus se tentasse se safar com esses números nos dias de hoje. Provavelmente seria linchado pelos "romanos" das redes sociais. 

Como visto nas recentes manifestações contra o governo federal e o PT, é comum haver uma grande discrepância nas estimativas sobre participação de público divulgadas por autoridades, imprensa e organizadores dos eventos. Isso ocorre basicamente por dois motivos: é muito difícil fazer a contagem precisa de uma grande aglomeração de pessoas em uma área aberta; e sempre fortes interesses envolvidos nas estimativas, o que faz com que sejam infladas ou subestimadas.

Na manifestação do dia 13 de março em São Paulo, o Datafolha informou que o protesto reuniu 500.000 pessoas. Para a Polícia Militar, foram 1,4 milhão. Um dos organizadores do evento, o movimento Vem Pra Rua, divulgou que 2,5 milhões de pessoas passaram peal Avenida Paulista naquela tarde de domingo. "Na ausência de estimativas precisas e metodologias claras, o público fica refém de uma visão tisnada pelos interesses das pessoas que fazem as contagens. A sociedade ficaria melhor informada por uma estimativa técnica sem nenhum viés político ou ideológico", escreve em um estudo o professor Paul Yip, especialista em analise de dados da Universidade de Hong Kong.

Especialistas em contagem de multidão e estimativas de público afirmaram à reportagem de VEJA que o número do Datafolha, ainda que não seja 100% preciso, é o mais próximo da realidade por um simples motivo: não cabem 1 milhão de pessoas na Paulista. Rogério Chequer, líder do Vem Pra Rua, afirma que a medição deles é uma estimativa com base no números da PM. "Não temos tecnologia para medir", admitiu. Já a PM do Estado de São Paulo não retornou os contatos da reportagem de VEJA para explicar sua metodologia. 

O instituto Datafolha, com imagens de satélite e pesquisadores e medições, apurou que a Av. Paulista tem 136.000 metros quadrados disponíveis para a concentração de pessoas - incluindo as vias, calçadas, canteiro central, vão livre do MASP e até mesmo os túneis sob a Praça do Ciclista. Para caber 1 milhão de pessoas neste espaço, seria preciso haver uma concentração de 7,5 pessoas por metro quadrado ao longo de toda a área disponível. É algo inviável.


 Para efeito de comparação, nos horários de pico do metrô, a concentração nos vagões é algo entre 6 e 7 pessoas por metro quadrado, e elas mal se movem, acomodam-se umas coladas às outras. Em uma manifestação, com áreas de maior e menor densidade, esse nível de concentração acontece somente em espaços limitados - perto dos carros de som ou das entradas do metrô, por exemplo. Na manifestação do dia 13, "para acomodar 1,5 milhão de pessoas, seria necessário a ocupação não só da Paulista como da Av. da Consolação inteira, sem espaços visíveis, com concentração de sete pessoas por metro quadrado, nível que só se atinge em situações de confinamento", explica Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha.

O instituto possui registros fotográficos de diferentes concentrações ao longo da via, com espaços pouco ocupados, inclusive com transversais e paralelas abertas para veículos mesmo no horário de pico. Com a evolução dos softwares de georreferenciamento, os cálculos são mais rápidos, com a possibilidade de ajustes em tempo real. É possível, com poucos cliques, excluir a área do vão livre do MASP caso a PM impeça a sua ocupação. Da mesma forma, consegue-se ao longo da medição incluir áreas que não haviam sido considerados no planejamento inicial, como parte da Av. da Consolação e as transversais da Paulista, por exemplo.

Busca pela precisão - O método de contagem de pessoas em uma multidão mais utilizado foi criado na década de 1960 por um professor da Universidade de Berkley, na Califórnia. Observando os protestos contra a Guerra do Vietnã de sua janela, Herbert Jacobs estabeleceu que para avaliar o tamanho das manifestações era preciso medir a área ocupada e dividi-la por quadrantes. Bastava analisar a concentração de pessoas em cada quadrante para obter a soma final. Em busca da precisão, o chamado método Jacobs evoluiu e a contagem incorporou projeções matemáticas para balancear a diferença entre as áreas de maior e menor densidade.

Apesar das evoluções técnicas, a estimativa de multidões se mantém imprecisa. Na tentativa de aperfeiçoar a contagem e reduzir a margem de erro, o arquiteto Curt Westergard, fundador da empresa Digital Design and Imaging Service (DDIS), desenvolveu uma nova metodologia. Em 2010, a DDIS causou frisson nos EUA ao divulgar a medição de audiência de dois eventos em Washington. Depois disso, seus trabalhos passaram a ser cada vez mais requisitados.

Na época a emissora CBS News contratou a empresa para estimar o número de pessoas se reuniu em uma manifestação organizada por um apresentador da Fox News e em outra coordenada por comediantes. No primeiro evento, os organizadores anunciaram 500.000 pessoas; Westergard e sua equipe contaram 87.000, com uma margem de erro de 9.000 pessoas para mais ou menos. Na segunda manifestação, visivelmente mais numerosa, um dos comediantes brincou que havia 10 milhões de pessoas; mas a DDIS contou 250.000, com uma margem de erro de 10%. "Um ponto de partida básico é saber a capacidade total do local da manifestação. Qualquer estimativa acima do limite físico é um erro", diz Westergard sobre os chutes dos organizadores.

A empresa chegou a aos seus números combinando diferentes dados: a medição prévia das áreas ocupadas; uma série de fotografias aéreas feitas por balões em diferentes momentos da manifestação; a presença de pessoas no local coletando dados quantitativos e qualitativos; e o uso de um modelo em 3D do local do evento, no caso, o National Mall (o grande parque urbano entre o Lincoln Memorial e o Congresso). "O uso da modelagem 3D é importante para captar irregularidades no terreno e pessoas em locais que as fotografias aéreas planas não mostram, como áreas sombreadas ou encobertas por construções e árvores", explica Westergard.

A principal diferença entre o método Jacobs e o da DDIS é que a equipe de Westergard não estabelece uma grade sobre uma superfície plana, mas constrói digitalmente uma rede de pesca sobre um modelo 3D para capturar a topografia e a distribuição mais precisa das pessoas em um determinado local. De 2010 para hoje, a tecnologia já avançou e as medições da DDIS estão ainda mais precisas, com fotos de melhor resolução e maquetes em 3D mais realistas.

O diretor de pesquisa do Datafolha reconhece que com esse modelo "a precisão é maior do que em fotos verticais tradicionais". Conscientes da disputa de interesses que cercam as estimativas de pessoas em manifestações, Westergard e Janoni buscam antídoto na acurácia do tratamento dos dados. "Divulgamos o que os dados mostram", diz o especialista americano. "Não são números exatos, nenhum será. Mas são as estimativas mais embasadas na ciência que podemos ter." Segundo o diretor do Datafolha, buscar números próximos da realidade é questão de "sobrevivência". "Queremos manter nossa reputação de imparcialidade, é fundamental para a sobrevivência de nossa empresa", diz Westergard . "E entendemos que no debate passional que domina o país, a frieza de alguns números venha a chocarn ou irritar", completa Janoni. Chocam e irritam mesmo - mas a ciência deve prevalecer sobre o "chutômetro".

Fonte: Revista VEJA