O Estado de S.Paulo
O Brasil precisa de segurança e reformas capazes de transmitir confiança e esperança
Quem lê o noticiário fica com a impressão de que as eleições
presidenciais serão realizadas em outubro deste ano, ou o mais tardar em
nova data no primeiro semestre do próximo. É disso que se fala quando o
atual governo tem apenas um ano e meio de duração e parece, na verdade,
estar em seu final. O projeto que o elegeu, se é que se pode utilizar
essa palavra, sinaliza para o seu esgotamento, com a pauta liberal
saindo de cena.
O presidente só pensa em sua reeleição, atento à melhora de sua
popularidade com iniciativas sociais como a bolsa pandemia, como se o
Brasil não necessitasse de reformas, imerso que está numa crise fiscal,
sanitária, social (desemprego) e econômica. É como se vivêssemos em dois
mundos, o precocemente eleitoral e o do Brasil com mais de 105 mil
mortos. É como se o descaso e a irresponsabilidade fossem coisas da
vida! [A crise sanitária, a pior e que justifica todas as outras, é resultado de uma pandemia, com efeitos negativos em todas as economias mundiais e não é responsabilidade do presidente Bolsonaro;
- as outras crises, citadas de forma oportuna, foram herdadas pelo presidente Bolsonaro, dos malditos governos que o antecederam no período 2003 a 2016, do governo Temer, que foi boicotado pelo 'enganot' e maximizadas por boicote sistemático ao governo Bolsonaro e pela pandemia.]
Em vez de privatizações, estamos presenciando a estatização do posto
Ipiranga. Pouco foi feito no atual governo, enquanto governos que não
tinham projetos privatizantes, como o do ex-presidente Fernando
Henrique, muito mais fizeram. Nesse sentido, não dá para entender
ataques aos tucanos, pois estatizantes não foram. O discurso
governamental é de privatizações, mas nada se traduziu em realidade. É,
na verdade, um imenso desserviço prestado ao liberalismo, que perde uma
chance histórica. Talvez demore para se recuperar se algo não for feito.
A tão propalada reforma administrativa, reiteradamente anunciada, então,
nem apresentada foi. Não há pauta liberal sem reforma do Estado, com a
eliminação de desperdícios, valorização do mérito, avaliação de
desempenho, eliminação de funções pela inovação tecnológica,
transparência, e assim por diante. É constrangedor.
No que diz respeito à reforma tributária, o governo restringiu-se a
enviar um exíguo projeto de lei para embaralhar a discussão já bastante
adiantada na Câmara dos Deputados e no Senado com as PECs 45 e 110,
respectivamente. Ou seja, foram iniciativas dessas duas Casas, a
primeira presidida pelo deputado Rodrigo Maia, de firmes convicções
liberais, e a segunda pelo senador David Alcolumbre. E o fez de forma
fatiada, anunciando novas medidas que eventualmente compensariam o
aumento das alíquotas da união do PIS e da Cofins, criando ainda mais
confusão. Apresenta um projeto com caráter de urgência sem ter urgência
de enviar suas outras propostas! Ademais, o apresentado já está em
discussão naquelas duas PECs.
Como se não bastasse, a iniciativa governamental tem como pano de fundo,
se não razão de ser, a recriação da CPMF, um novo/velho imposto
amplamente repudiado, regressivo e que incide cumulativamente, sempre
prejudicando os mais pobres. E isso em nome destes, ao anunciar o Renda
Brasil, ampliação do Bolsa Família do ex-presidente Lula. A criação de
um novo imposto, em tudo oposto a uma proposta liberal, tem como
finalidade criar condições para a reeleição do presidente Bolsonaro,
retirando do PT a sua clientela nordestina. Não se trata de uma reforma
tributária, muito menos liberal, mas de um projeto populista e
eleitoral.
As duas PECs estão sob a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro, que,
sensatamente, já se manifestou contra a recriação da CPMF e se debruça,
como deve ser, sobre as suas duas propostas, a que foi originariamente
elaborada pelo economista Bernard Appy, hoje patrocinada pelo deputado
Baleia Rossi, nela engajado, e pelo ex-deputado Hauly. São duas
propostas sérias, em debate, às quais está sendo dada prioridade. Isso
não significa que não devam ser aprimoradas, pois distorções estão
também presentes, como a de um aumento da tributação da agricultura, da
pecuária e do agronegócio, como tem sido pertinentemente criticado pelo
presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Alceu
Moreira. A preocupação deveria ser não matar a galinha dos ovos de ouro.
O fundamental, porém, consiste em que a discussão está sendo travada,
com os diferentes setores e interesses apresentando os seus argumentos,
de modo que o Brasil possa sinalizar para os investidores e o mundo o
seu compromisso com a simplificação tributária e, sobretudo, com a
segurança jurídica. O emaranhado da legislação espanta qualquer um,
onerando custos e estabelecendo a imprevisibilidade dos negócios. O País
precisa de segurança e reformas capazes de transmitir confiança e
também esperança no futuro.
Em certo sentido, temos uma oportunidade única. O Poder Legislativo está
maduro para uma reforma tributária, até mesmo administrativa, enquanto o
governo, que se apresenta como liberal, marca passo e permanece preso a
uma pauta corporativa e eleitoral. Se o discurso da área econômica se
harmonizasse com a defesa de posições liberais, como a do presidente da
Câmara dos Deputados, o País teria chances de dar um salto para a
frente, abandonando a sua inércia.
No momento, cabe à Câmara e, logo, ao Senado fazerem avançar a pauta liberal, mostrando ao País o caminho a ser seguido.
Denis Lerrer Rosenfield, Professor e filósofo - O Estado de S. Paulo
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